UMA MUDANÇA DE PARADIGMA
Os sérios problemas que vieram com a Agricultura
Série transcrita do livro "A SOPA QUÍMICA" - Milton Maciel - Idel - 2008/2013
(ver gráfico abaixo)
Foi há 10000 anos atrás os seres humanos passaram por uma dramática alteração de base alimentar, econômica e social. O advento da agricultura e da criação de animais em cativeiro encerrou o período PALEOLÍTICO que, por mais de 2,5 MILHÕES de anos, presidiu a formação do nosso GENOMA. Iniciou-se então o NEOLÍTICO.
A transição da caça/coleta
para a criação/agricultura não representa apenas um choque brutal do ponto de
vista nutricional e genético. É também uma maiúscula transformação de sistema
econômico.
As populações
caçadoras-coletoras são fundamentalmente nômades. Deslocam-se em função da
disponibilidade de alimento para o grupo. Este é, pelo geral, bastante pequeno,
formado por dezenas de indivíduos, geralmente. Isso tem a ver com vários
fatores, mas o principal deles é a disponibilidade de abrigo para as pessoas.
Com o advento das glaciações, os humanos aprenderam a se abrigar em cavernas,
onde podiam se aquecer mais adequadamente e onde estavam ao abrigo da neve.
Mas, convenhamos, naquela época ainda não existiam grandes construtoras que
pudessem escavar rapidamente grandes condomínios de cavernas de várias suítes
com aquecimento central, para serem financiadas sob hipotecas de trinta anos.
Cavernas eram poucas, naturais, não existiam em todos os lugares e havia que
disputá-las com animais e outros grupos humanos.
Além disso, mesmo para o
grupo detentor de uma caverna segura, o necessário nomadismo não lhe permitia
ficar por muito tempo sob tal abrigo.
A vida, por outro lado, era
extremamente ativa. Matar a sede significava caminhar até o manancial mais
próximo ou apenas disponível. Comer era sinônimo de andar, correr para cercar a
caça, correr para escapar de animal predador, subir em árvores para coletar
frutos, apanhar ovos, insetos ou mel. Ainda não existia o que vai depois ser
chamado de sedentarismo. Este novo status vai surgir no neolítico, com o
advento agricultura, mas era totalmente inexistente entre os grupos humanos
paleolíticos.
É exatamente porque tinha
que ser o equivalente ao que hoje se chamaria uma atleta de decatlo, que a mulher primitiva tinha poucos filhos,
tendo-os, em média, somente a cada quatro anos.
Como a mulher super-atleta
contemporânea, face ao enorme esforço físico contínuo, a mulher
caçadora-coletora quase não tinha fertilidade e raras vezes menstruava.
Já em termos sociais, a
primeira grande mudança é a introdução do conceito de posse. Até então os
recursos necessários à comunidade eram efetivamente comunitários. Ninguém era o
dono da floresta ou da savana. Ninguém era o dono dos alces ou das antas,
ninguém era dono do rio e de seus peixes. Quando os recursos eram abundantes,
diversos grupos se cruzavam e conviviam em harmonia. Os mais
fracos ou menos numerosos, se necessário, apenas se deslocavam alguns
quilômetros mais para a frente. A natureza oferecia um farto botim e as
populações eram sempre reduzidas.
Contudo, quando os humanos
aprenderam a plantar suas sementes de gramíneas e a colher os correspondentes
grãos, a posse da terra onde isso era feito tornou-se vital, questão de
sobrevivência, de vida ou morte. Surgiu assim o conceito de propriedade,
uma área inicialmente comunitária, onde os grãos eram cultivados e os animais,
confinados. Rapidamente a propriedade se tornou privada, com os mais fortes
garantindo para si a posse pela força. Uma vez donos da terra, precisavam
simultaneamente garantir a posse da água, que agora se tornara
igualmente vital por causa dos rebanhos e da irrigação incipiente das lavouras.
Cercar pedaços grandes de
terra com pedras e paus tornou-se comum. Os proprietários foram se
diferenciando, acumulando riqueza e alocando mais e mais mão-de-obra para
aumentar a produção. Rapidamente chegou-se ao processo de escravização, inexistente
entre os caçadores-coletores. Inimigos vencidos eram escravizados. Os homens,
agora maciçamente sedentários, por que não precisavam mais coletar e caçar,
também não precisavam usar seu tempo para cultivar os campos e cuidar das
criações.
Mulheres e crianças podiam fazer isso perfeitamente. Os homens, no entanto, tinham que
garantir a defesa da terra e do grupo. Surgiram, dessa forma, aqueles
especializados na arte da guerra: os soldados. E, conseqüentemente, o exército.
Assim prontos para guerrear, os homens podiam não só defender suas terras e
águas, mas podiam também atacar e anexar as áreas cultivadas de grupos
vizinhos, o que deu origem à guerra. Fazer guerra era também um método de conseguir
mais mão-de-obra escrava. Senhores de terra e senhores de exército celebraram
então sua aliança, sob o predomínio daqueles, e foram inventados o Estado e o
governo. E, com eles, a tirania institucionalizada.
Alguns poucos homens
tornaram-se os donos de toda a comida produzida por centenas de escravos ou – o
que dava no mesmo, escravas na prática – por mulheres e crianças. As escavações
feitas nos sítios arqueológicos dos primeiros núcleos neolíticos a introduzirem
a agricultura mostram dezenas de choupanas miseráveis e de esqueletos de
indivíduos raquíticos, que tinham sérios problemas ósseos e dentários, coisa
inexistente nos tempos dos ancestrais caçadores-coletores. Em meio a elas, em local mais privilegiado,
de mais fácil defesa, geralmente cercada por muros de pedra, vêem-se os
remanescentes da habitação do senhor das terras, ampla e espaçosa casa de pedra
e madeira.
A conseqüência social da
nova base da economia, agora agrícola e pastoril, foi a divisão do trabalho e a
estratificação em classes. Os homens, livres das atividades ligadas à coleta de alimentos, ficaram
com o remanescente das atividades de caça e, principalmente, com as atividades
guerreiras: participando dos combates durante as guerras, adestrando-se
militarmente para elas no estranho intervalo entre duas guerras, que recebeu o
nome de paz. As mulheres, que durante o paleolítico procriavam, em média, só a
cada quatro ou cinco anos, passaram a ter filhos de dois em dois e de um em um
ano.
As populações, como
conseqüência, cresceram vertiginosa-mente, o que, ao menos de início, era
favorável à economia. Quanto mais filhas, mais braços para as lavouras, mais
fêmeas para procriar. Quanto mais filhos, mais homens para caçar, mais mãos
para construir, mais soldados para os exércitos, o que significava mais força
para defender e, principalmente, mais força para atacar, anexar e escravizar
outros grupos humanos.
Surgiram dessa forma as
cidades-estado, grandes vilas forti-ficadas que se expandiram baseadas numa
agricultura forte e, principalmente, numa bem sucedida política de guerras de
conquista. Egito e Roma antigos, Inglaterra, Espanha e Portugal de tempos mais
modernos, são perfeitos exemplos desse velho processo de atacar, arrasar,
assassinar em massa, pilhar e transferir riquezas – e populações inteiras – em
benefício dos conquistadores.
A submissão da mulher e da criança
ao macho patriarcal é também um
fruto direto da mudança de paradigma econômico. A mulher paleolítica dispunha
de um status social muitíssimo superior ao de sua descendente agricultora do
neolítico. As famílias, sempre pequenas, eram geralmente matrilineares. Ou seja, todo mundo era um filho da mãe!
Explique-se bem: não se
trata de um xingamento. É que, naquela época, os homens não tinham noção de sua
participação no processo reprodutor. As mulheres emprenhavam porque eram
influenciadas por um poderoso astro, justamente aquele que iluminava e dava
segurança durante a noite, quando os pequenos grupos humanos se deslocavam de
seus abrigos em busca de água, caça e outros alimentos. Fazer isso de dia podia
ser a maneira mais segura de passar da condição de caçador à condição de
caçado.
O poderoso astro era o
astro da noite, a que agora chamamos Lua. Vê-se que as mulheres das cavernas já
conseguiam perceber um sincronismo básico entre seus ciclos menstruais e as
fases da Lua, que era, evidentemente, muito mais perceptível então do que
agora, quando o grande astro da noite é a lâmpada de iluminação artificial.
Ou as mulheres ficavam
grávidas porque banhavam-se no mar durante a maré cheia (outro fenômeno com a
participação da Lua). Ou porque eram favorecidas pelo animal-totem do grupo,
que podia ser o urso, a águia ou a hiena. Mas nunca engravidavam porque tinham
copulado com um homem, o que, à época, tinha muito mais um tom de prazer e
diversão, desejo e sensualidade do que em tempos posteriores, quando as
mulheres foram simplesmente proibidas de qualquer relação sexual que não
tivesse o explícito objetivo de engravidá-las.
Como se vê, a transição para a fase agrícola acabou não apenas
escravizando a mulher ao homem, à gravidez permanente, ao fogão e ao tanque,
mas à perda do prazer e à frustração afetivo-sexual que haveria de caracterizar
sua existência, discriminada e sofrida, por cerca de dez mil anos.
Do ponto de vista
nutricional, a tragédia foi igualmente pavorosa. A existência de alimento
fácil, abundante e seguro (exceto pelas invasões de exércitos mais fortes),
permitiu não só o aumento explosivo de população, mas também uma rápida
degeneração orgânica dos humanos neolíticos.
CONTINUA
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