segunda-feira, 13 de maio de 2013

RITINHA - 19  
MILTON  MACIEL
(Penúltima postagem, termina amanhã)
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Final da parte 18
Quanto a Ritinha, ao invés de poder tê-la consigo, conviver com ela, cuidar dela, daquela filha tão bonita quanto corajosa, teria que deixá-la tomar outro rumo. A menina o desfeiteara demais, na frente de todo mundo. De bom grado, a reconheceria como filha. De bom grado e com orgulho até! Mas a pequena havia mostrado tanta revolta contra ele, gritara para todos ouvirem, mais de uma vez, que não o aceitava como pai, que ele não era seu pai. E havia dito isso com tal determinação e com... aquele olhar!

O olhar de Ritinha! O olhar de Ritinha... Não, não podia esquecer a expressão daqueles olhos bonitos. Bonitos e severos, bonitos e acusadores, bonitos e corajosos, bonitos e desafiadores.


PARTE 19
   E sinceros! Sim, sinceros demais, duramente sinceros. Dito Timbó se surpreendia consigo mesmo: nunca fora dado a sentimentalismos. Por que agora estava tão incomodado com tudo aquilo e, principalmente com aquele olhar? Por que não podia tirá-lo da cabeça? Será que ele estivera errado todo esse tempo, será que tinha feito mal em não reconhecer suas filhas mulheres? Quantas teria? Nunca soube e, muito menos, procurou saber.

   Será que Ritinha tinha razão? Será que ele, que tanto desprezava as quengas, não seria pai de uma – ou mais de uma – delas? A idéia era por demais perturbadora.  Mas... e se a menina tivesse razão? Se, por causa de sua mania de não reconhecer as crias fêmeas, ele tivesse mesmo gerado meninas que agora eram prostitutas? Era uma coisa muito feia, muito bruta o que ele tinha feito, então. Nunca se dera ao trabalho de cogitar a esse respeito. Muitas vezes, contemplando algum daqueles três filhos machos, corajosos, que o admiravam tanto a ponto de lhe seguir a profissão, Dito Timbó dava para pensar se não teria por aquele Nordeste todo mais um outro punhado de filhos que nem conhecia, afinal as mães nem sempre lhe comunicavam a existência das crias, mesmo quando estas eram machos. E pensava, deleitado, se não haveria mais de um matador porreta por aí, macho e corajoso porque carregava nas veias aquele sangue Timbó.

   Mas nunca se dera ao trabalho de cogitar nas crias fêmeas. Mulher era um bicho esquisito, medroso, complicado. Servia pra abrir as pernas pra gente, ficar prenhe, parir, cuidar de menino, cozinhar, lavar, passar e, pior dos defeitos, ficar velha e feia. Ou, a única coisa pior do que isso ainda: virar puta! Mulher era tão inferior que podia virar quenga, viver de vender o próprio rabo, na maior descaração, sem-vergonhice da grossa. Isso o cabra macho não podia fazer. Só mulher vendia o corpo por dinheiro. Quenga era mesmo a mais vil das criaturas!

   Mas... Será que era mesmo?... Gabi, com certeza, não era! Aquela menina não era, de jeito algum, uma pessoa ruim, não era vil. Pelo contrário, era uma mulher de fibra, uma mulher corajosa, as marcas de suas unhas ali estavam no seu braço; a ardenciazinha, ainda sentida, gritava isso. Não, Gabi era diferente. A própria mãe – desgraçada! – a havia forçado a ser puta. E aí, é claro, uma vez quenga...

   Que pena que as coisas tinham que ser assim. Que pena que não podia levar consigo aquelas duas meninas maravilhosas e cuidar delas. Quem sabe não seriam elas o encanto de sua velhice, que estava querendo chegar? Elas e a menina Manoela, de quem já aprendera a gostar em tão pouco tempo. Quem sabe elas não poderiam, sob a guarda dele, crescer para se tornarem mulheres sérias, senhoras distintas, mães de um monte de netos com sangue Timbó, sangue de cabra macho, com vocação pra matador. Mas, não, agora isso era impossível. Gabi, apesar de toda a sua bondade, apesar de toda sua coragem, de toda sua dedicação canina à Ritinha, tinha sido quenga até hoje.

   E Ritinha? Esta o desfeiteara frente a todos, e, muito pior, gritara-lhe o desprezo com a voz e com os olhos, não o aceitava como pai, o que o impediria de deitar-lhe a bênção como ele tanto queria. Ah, que coisa mais louca: achar, aceitar, se encantar e...  perder uma filha! – a única que o havia enchido de admiração e até de orgulho, uma legítima Timbó corajosa, mais corajosa que a maior parte dos machos... E isso que era uma criança ainda, nem onze anos tinha completado!

   Estava nessas elucubrações, perdido em seus pensamentos de perplexidade, quando os filhos o encontraram atrás do galpão das cabras. Foi então que lhe falaram com pormenores da idéia maravilhosa de Bastião. Dito foi, aos poucos, aceitando aquela solução, realmente uma idéia de gênio. Chegou a ter um laivo de apreciação raríssimo, dando um tapa nas costas de Bastião. Sim, senhor, que idéia mais porreta!

   Mas, a seguir, lembrou-se da fibra de Ritinha e Gabi, da teimosia Timbó daquela filha, e perguntou, tentando disfarçar a causa da pergunta?

– Mai, i as mulé? Será qui vão aceitá as coisa assim?

– Já aceitaram, painho! – gritou Osmar, todo entusiasmado.

– Todas ela?! – falou, ainda com receio da atitude de Ritinha.

– Todas, painho! – garantiu Bastião – Amanhã eu vô, mais Ritinha i Gabi, pegá as tralha delas lá no quartinho onde elas veve. O moço do posto já falô cum o cunhado dele, nóis paga i ele leva a gente tudo pra Juazero de caminhão. No caminho, nóis dexa Marta i as cria dela em sua casa, painho. Dispois nóis ruma pra minha, em Juazero. E painho vai, mais os mano, a cavalo, levando o meu animal no cabresto.

– Ara, mai qui plano mais do bem feito! Foi idéia sua também, Bastião?

– Foi mano Jeremias qui organizô tudo, painho. Falô cum Marta, cum maninha i Gabi, falô cum o home do caminhão, feiz ele telefoná aqui da fazenda pro cunhado, acertô o preço. Porreta, mano Jeremias!

– Pois intão qui seje assim! – decretou, desanuviado, Dito Timbó.
CONCLUI AMANHÃ  (VER MAPA ABAIXO)

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