sábado, 4 de maio de 2013

RITINHA - 10  A saga de duas meninas para escapar da prostituição infantil
MILTON  MACIEL


FINAL DA PARTE 9 - Depois daquela noite mágica, as duas amigas fizeram-se irmãs, fizeram-se cúmplices, não se largavam por nada. Ritinha agora tinha de novo confiança na vida, porque tinha confiança em uma pessoa. Por isso, quando se apresentou a ocasião, depois que haviam consumido o dinheiro inesperado do caminhoneiro ­– o que acabou proporcionando a Iracema uma semana de férias e a Gabi uma semana de ausência do posto de gasolina – Ritinha se apresentou para o serviço com toda a serenidade. Dessa vez, não iria falhar. Faria tudo o que sua professora lhe havia ensinado. Iria buscar mais dinheiro para as duas, junto com sua amada.

PARTE 10
   E, assim que lhe fosse possível, teria relações completas com os homens, exigindo o uso de preservativos, como Iracema fazia. Mas faria tudo o que os homens gostam, haveria de se acostumar, ainda que fosse incômodo ou dolorido no começo. Se Iracema fazia e não se queixava, se essa era a condição para se trabalhar naquele ramo de negócios, então ela faria tudo o que fosse preciso. Faria tudo o que Iracema lhe dissesse para fazer. Receberia dinheiro dos homens e o daria para que Iracema administrasse para a sobrevivência das duas. Não tinha agora o menor pudor em ser quenga. Se Iracema era, ela também queria ser. E seria quenga até o dia em que Iracema deixasse de ser. Então ela, Ritinha, também pararia. Mas, com Iracema, iria até o fim do mundo. Amava-a...

   Então, quando a semana começou e Ritinha se dispôs a colocar seu projeto em andamento, dirigiram-se as duas para o posto de gasolina, depois daquela semana de ausência de Gabi. Na penumbra da noite que iniciava, avistaram gente entrando num caminhão azul. Apertaram o passo, a qualquer momento mais meninas iriam chegar e a concorrência ali era sempre complicada. Quando abordaram os homens, Gabi, mais experiente, tivera êxito de imediato. O homem saltou do caminhão com ela e foram para o quarto atrás da borracharia.

   Ritinha ficou sozinha e teve medo. Não sabia o que fazer para abordar aquele outro homem que ficara na cabine. Como gostaria de ter Iracema a seu lado agora! Mas, fazendo um grande esforço, subiu ao estribo e bateu no vidro fechado da porta do caminhão;

Moço, me queira, por favor... Por favor...

  E, para sua enorme surpresa, o homem, que parecia meio desconcertado também, falou o nome dela:

– Ritinha? ­– foi a pergunta de Bastião, meio sem jeito.

  Pois momentos depois, ao invés de estar fazendo as coisas que aquele homem quisesse, usando mãos e boca, Ritinha se viu dentro da lanchonete, o homem estapeando a gerente abusada, pedindo a melhor mesa e a melhor comida do restaurante. Comeram em silêncio, encabulados, a fome do homem era enorme, a de Ritinha maior ainda. Estavam encabulados porque agora sabiam que eram irmãos. E porque todo mundo ao redor os observava, haviam formado uma roda em torno da mesa deles. Bastião, entretido com a buchada de bode, comendo com os talheres e com as mãos, ignorava solenemente aquele povo todo, ocupado com os enormes nacos que enfiava na boca.

   Ritinha, tão logo sentiu sossegar o buraco no estômago, foi ficando mais e mais encabulada. Aquele povo toda a olhar para ela, a saber que ela agora era uma quenga, uma putinha qualquer. Foi se sentindo mais e mais encolhida. Iracema! Onde estaria Iracema? Como precisava da sua presença forte, da sua mão. Se Iracema estivesse ali, então não se importaria que a olhassem com a uma qualquer, não se importaria que a chamassem de quenga. Mas Iracema estava lá no quarto da borracharia, tratando de satisfazer o outro homem, tinha que dar duro, fazer de um tudo para poder receber aqueles cinco reais sem reclamação ou pedido de desconto. Ah, Iracema, pelo amor de Deus, termina logo, querida, vem me socorrer aqui! Mas Iracema não aparecia.

   Foi Bastião quem deu fim ao incômodo silêncio entre os dois:

– Ocê intendeu qui nóis pode sê irmão?

– Sim. Se seu pai é Dito Timbó, o matador.

– Pois num é outro si não ele, le digo cum muito orgulho. E o seu pai, quem é ele?

– Desde pequenininha mãinha me disse sempre que é Dito Timbó também.

­– Desde piquininha, é? Ocê tem certeza?

– Tenho sim. Desde que eu consigo me lembrar das coisas, lá com uns três anos, que ela sempre me garantiu que meu pai era ele.

– Ara! Pois intão há di sê mesmo, pois si ela nunca contô pra painho qui tinha uma fia dele. Intão ocê, Ritinha, é mesmo minha irmã! Fico muito filiz!

– E o moço, então, é meu irmão... E se chama Bastião...

– Pra le servi e le protegê, minha irmãzinha. Pra le servi!

– Mas o moço... mas o meu...

– Seu irmão, Ritinha! Seu irmão Bastião.

– Mas o meu irmão Bastião sabe que eu sou uma quenga, não sabe?

– Num sei, porque num lhe acho quenga. Ocê é por demais criança pra isso. E sua disgracera aconteceu faiz menos di um meis, num deu tempo ainda di ocê si aprostituí.
CONTINUA

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