MILTON MACIEL
FINAL DA PARTE 9 - Depois
daquela noite mágica, as duas amigas fizeram-se irmãs, fizeram-se cúmplices,
não se largavam por nada. Ritinha agora tinha de novo confiança na vida, porque
tinha confiança em uma pessoa. Por isso, quando se apresentou a ocasião, depois
que haviam consumido o dinheiro inesperado do caminhoneiro – o que acabou
proporcionando a Iracema uma semana de férias e a Gabi uma semana de ausência
do posto de gasolina – Ritinha se apresentou para o serviço com toda a
serenidade. Dessa vez, não iria falhar. Faria tudo o que sua professora lhe
havia ensinado. Iria buscar mais dinheiro para as duas, junto com sua amada.
PARTE 10
E, assim que lhe fosse possível, teria
relações completas com os homens, exigindo o uso de preservativos, como Iracema
fazia. Mas faria tudo o que os homens gostam, haveria de se acostumar, ainda
que fosse incômodo ou dolorido no começo. Se Iracema fazia e não se queixava,
se essa era a condição para se trabalhar naquele ramo de negócios, então ela
faria tudo o que fosse preciso. Faria tudo o que Iracema lhe dissesse para
fazer. Receberia dinheiro dos homens e o daria para que Iracema administrasse
para a sobrevivência das duas. Não tinha agora o menor pudor em ser quenga. Se
Iracema era, ela também queria ser. E seria quenga até o dia em que Iracema deixasse
de ser. Então ela, Ritinha, também pararia. Mas, com Iracema, iria até o fim do
mundo. Amava-a...
Então, quando a semana começou e Ritinha se
dispôs a colocar seu projeto em andamento, dirigiram-se as duas para o posto de
gasolina, depois daquela semana de ausência de Gabi. Na penumbra da noite que
iniciava, avistaram gente entrando num caminhão azul. Apertaram o passo, a
qualquer momento mais meninas iriam chegar e a concorrência ali era sempre
complicada. Quando abordaram os homens, Gabi, mais experiente, tivera êxito de
imediato. O homem saltou do caminhão com ela e foram para o quarto atrás da
borracharia.
Ritinha ficou sozinha e teve medo. Não sabia
o que fazer para abordar aquele outro homem que ficara na cabine. Como gostaria
de ter Iracema a seu lado agora! Mas, fazendo um grande esforço, subiu ao
estribo e bateu no vidro fechado da porta do caminhão;
– Moço, me queira, por favor... Por favor...
E, para sua enorme surpresa, o homem, que
parecia meio desconcertado também, falou o nome dela:
– Ritinha? –
foi a pergunta de Bastião, meio sem jeito.
Pois momentos depois, ao invés de estar
fazendo as coisas que aquele homem quisesse, usando mãos e boca, Ritinha se viu
dentro da lanchonete, o homem estapeando a gerente abusada, pedindo a melhor
mesa e a melhor comida do restaurante. Comeram em silêncio, encabulados, a fome
do homem era enorme, a de Ritinha maior ainda. Estavam encabulados porque agora
sabiam que eram irmãos. E porque todo mundo ao redor os observava, haviam
formado uma roda em torno da mesa deles. Bastião, entretido com a buchada de
bode, comendo com os talheres e com as mãos, ignorava solenemente aquele povo
todo, ocupado com os enormes nacos que enfiava na boca.
Ritinha, tão logo sentiu sossegar o buraco
no estômago, foi ficando mais e mais encabulada. Aquele povo toda a olhar para
ela, a saber que ela agora era uma quenga, uma putinha qualquer. Foi se
sentindo mais e mais encolhida. Iracema! Onde estaria Iracema? Como precisava
da sua presença forte, da sua mão. Se Iracema estivesse ali, então não se
importaria que a olhassem com a uma qualquer, não se importaria que a chamassem
de quenga. Mas Iracema estava lá no quarto da borracharia, tratando de
satisfazer o outro homem, tinha que dar duro, fazer de um tudo para poder
receber aqueles cinco reais sem reclamação ou pedido de desconto. Ah, Iracema, pelo amor de Deus, termina logo, querida, vem me socorrer aqui! Mas
Iracema não aparecia.
Foi Bastião quem deu fim ao incômodo
silêncio entre os dois:
– Ocê
intendeu qui nóis pode sê irmão?
– Sim. Se seu
pai é Dito Timbó, o matador.
– Pois num é
outro si não ele, le digo cum muito orgulho. E o seu pai, quem é ele?
– Desde
pequenininha mãinha me disse sempre que é Dito Timbó também.
– Desde
piquininha, é? Ocê tem certeza?
– Tenho sim.
Desde que eu consigo me lembrar das coisas, lá com uns três anos, que ela
sempre me garantiu que meu pai era ele.
– Ara! Pois
intão há di sê mesmo, pois si ela nunca contô pra painho qui tinha uma fia
dele. Intão ocê, Ritinha, é mesmo minha irmã! Fico muito filiz!
– E o moço,
então, é meu irmão... E se chama Bastião...
– Pra le
servi e le protegê, minha irmãzinha. Pra le servi!
– Mas o
moço... mas o meu...
– Seu irmão,
Ritinha! Seu irmão Bastião.
– Mas o meu
irmão Bastião sabe que eu sou uma quenga, não sabe?
CONTINUA
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