domingo, 28 de maio de 2017

O PERSONAGEM É A HISTÓRIA
MILTON MACIEL
(Excerto de “A ARTE E A TÉCNICA DO ROMANCE – Milton Maciel, IDEL, 2017)

Riobaldo e Diadorim; Gabriela e Nacib; Tieta do Agreste; Teresa Batista; Harry Poter; Frodo Bolseiro; Iracema e Martim; Capitu e Bentinho...

Grandes histórias giram sempre em torno de grandes personagens. Contar uma história é contar a história de ALGUÉM, que fez alguma coisa em algum lugar, em alguma época – em algum lugar no espaço e no tempo. Tente fazer diferente: contar a história de alguma coisa que aconteceu em algum lugar, em alguma época: por exemplo, a possível extinção dos dinossauros há 60 milhões de anos, na África. Muito bem, só que aí você não é romancista, você é historiador ou paleontólogo e a História que você conta é aquela com H maiúsculo.

As grandes histórias são mágicas, impedem que você largue o livro apesar do sono, transformam tudo ao seu redor, o seu quarto desaparece e vira uma ilha no Pacífico, o tempo se comprime ou se dilata, anda para trás e para a frente, você vê o veleiro se aproximando, o escaler sendo descido, o vento e a maresia entram-lhe pelos cabelos e pelas narinas, você é transportado pela magia das palavras, exulta, vibra, se emociona, participa, sente medo, combate...E, de repente, quando o escaler dos piratas dá à areia e eles descem atrás do Capitão Jonas, que é você agora,  alguém chama seu nome:

– Aristóbulo. Oh, Aristóbulo! Apaga essa luz, já é muito tarde, pô!

Pronto, acabam de cortar o seu barato! Eis você de volta, abrupta e violentamente, ao século XXI, no seu quarto atulhado, olhando atoleimado a cara fechada de sua mulher ou de sua mãe. Você fica furioso. Ainda bem que a espada que você estava segurando segundos atrás não está mais em sua mão.

Pobre Aristóbulo!... Condoo-me de você e fico-lhe solidário. Deixe eu lhe dar uma dica bem simples, então: baixe esse livro do Capitão Jonas como e-book no seu celular. Pronto! É assim que eu faço sempre. Minha esposa vai dormir às 9 da noite, eu às 3 da madrugada. Depois ela acorda às 6 e eu às 7.

(Treinei e aprendi a dormir menos quando eu tinha 21 anos de idade, era estudante full time de engenharia química, tinha minha própria microempresa de aparelhos científicos e tinha acabado de casar. E o dia, conservador e insensível, insistia em continuar com as mesmas 24 horas de sempre, das quais eu dormia 9.

Passei os 50 anos seguintes dormindo 3 horas e meia por dia. Disseram-me que eu ia morrer cedo, ficar velho antes do tempo, todo enrugado e acabado. Bem, erraram feio. Ultrapassei a marca dos 70 sem as tais rugas de cachorro sharpei e com o cabelo castanho de sempre. Mas não digo que todo mundo deve ou sequer pode fazer o mesmo e dormir menos que 7 horas por dia. Isso é algo totalmente individual e pode ter desvantagens também, conforme a pessoa. Acho que eu tive sorte. E, muito por causa desse dia enorme que tenho, estou prestes a bater, neste ano de 2017, a marca dos 40 livros publicados).

Mas deixando essa digressão explicativa de lado, que, na verdade, foi só para dar mais uma estocada a favor do livro digital, prossigamos: Sempre que não tenho que escrever ou revisar algo que tem urgência, sempre que não tenho que atender clientes do outro lado do mundo, de Los Angeles a Hong Kong, a quem dou consultoria via Skype e WhatsApp, recolho-me à 1 da madrugada para o leito, feliz como um pinto no lixo: Oba, vou ler outra vez!!!

Esse é um dos momentos mais deliciosos do dia para mim. Deito, desligo a luzinha de cabeceira, e aí é puro deleite: por pelo menos duas horas eu leio o que bem entender. Meu smartphone me dá acesso instantâneo a cerca de 200 livros que tenho só no Kindle da Amazon. E a luz do celular não incomoda nem um pouco minha esposa, que dorme o sono dos justos ao meu lado.

Faça isso também, Aristóbulo, e ninguém mais vai cortar o seu barato e arrancá-lo rudemente da sua mágica aventura de Capitão Jonas. Coisas da tecnologia, meu caro Ari, boas para você, que não é um daqueles dinossauros da África, é um sujeito antenado com o seu próprio tempo.

Fila de banco e lotérica, consultório de dentista e o próprio banheiro, Aristóbulo, são outros lugares onde eu leio sempre no celular. Como já contei em outra parte deste livro, esperar deixou de ser um problema para mim. Vezes há em que chega a ser uma delícia; até o momento em que aquela inconveniente da auxiliar do dentista me arranca da leitura e diz que está na hora de fechar a tela e abrir a boca, de babar e ficar à mercê da bendita maquininha zumbidora. Ao contrário do meu barbeiro camarada, que me permite ficar lendo enquanto corta o meu cabelo, o chato do meu dentista não quer que eu fique segurando o celular em frente aos olhos, enquanto ele me massacra, com aquele sorriso sardônico na boca cheia de dentes.

O personagem é a história, sim. E ele condiciona tudo.

Para que você possa ser bem-sucedido ao escrever a sua ficção, você tem que começar, como digo sempre, pela IDEIA, original e criativa. Mas, uma vez que você a tenha concebido, comece imediatamente a criar seus personagens com dedicação, trabalho persistente e muito cuidado. Se você quer escrever uma boa história, uma que vai ser publicada, lida, amada, recordada e recomendada por seus leitores, então isso só poderá acontecer pelo completo envolvimento deles com os seus personagens. Uma história é realmente grande quando ela se torna inesquecível. E uma história só será inesquecível quando o autor conseguir construir personagens inesquecíveis para ela. Como Riobaldo, Harry Poter, Iracema, Gabriela, Frodo, Capitu.

Ou, por outra, uma história inesquecível é somente a história de personagens inesquecíveis.
Por isso, embora você tenha que aprender muito sobre enredo, estrutura, tema, simbolismo, diálogo, cenário, voz, narração, descrição, emoção e ritmo, é no aprendizado da construção, crescimento e transformação dos personagens que você deve concentrar seus esforços iniciais e maiores.

No capítulo seguinte estaremos discutindo todos os segredos de fazer-se isso em ficção de qualidade, quando você aprenderá a comunicar tudo aos seus leitores com arte e com técnica, com leveza e profundidade. E, acima de tudo, com muita clareza. 

Clareza, sim, porque há uma coisa que você precisa aprender desde o começo a levar em consideração: seus leitores podem ler o seu texto, mas eles não podem ler a sua mente. Enquanto estão lendo o seu texto, eles ainda não sabem onde vai dar a estrada por onde você os leva. Mas você tem que colocar alguns postes de sinalização para eles, senão eles se perdem.




segunda-feira, 15 de maio de 2017

PARA QUEM VOCÊ ESCREVE FICÇÃO?
MILTON MACIEL

Num artigo anterior (Para Quem Você Escreve) eu afirmei que você jamais poderá agradar a todos os leitores e que, portanto, precisa escolher para qual nicho de leitores vai dirigir sua obra. Isso supondo-se que você prefira ser lido e queira ser bem sucedido no negócio de vender livros.

Se isso não é importante pra você, então você pode repetir o que Bernardo Carvalho disse, durante uma mesa redonda na FLIP (Festa Literária Internacional de Parati) do ano passado: “O leitor que se foda!” Ele prefere fazer a sua literatura, escrever do jeito que gosta e não para agradar ninguém. O Bernardo até pode, é um ótimo escritor já consagrado. Aos 57 anos, com onze romances publicados (o primeiro em 1995), tem um prêmio Portugal Telecom e dois Jabuti. Já conquistou seus leitores fiéis e é bem conhecido, embora, exatamente em função da alta qualidade literária do seu texto, não seja propriamente um best seller.

Agora, se este não é por enquanto o seu caso, se você ainda não é conhecido e consagrado nacionalmente, então é melhor que você siga, sim, o meu conselho: defina o seu nicho de leitores, o seu nicho de mercado, e escreva para ele. Até que você, como o Bernardo, tenha conseguido se impor nesse mercado e ter leitores fiéis que o acompanharão vida afora, livro após livro, esperando o momento mágico de poder comprar e ler mais um romance seu. Quem não lembra as filas quilométricas esperando a livraria abrir no dia do lançamento de mais um livro da série Harry Poter? Ou: quem não assistiu “O Diabo Veste Prada”, onde as filhas da chefe conseguiam ler o livro antes mesmo do lançamento nos EUA?

Sem dúvida, você vai ter que abrir seu caminho nesse prolixo e conturbado mercado editorial, com milhares e milhares de lançamentos novos todos os anos – sendo que, em ficção, no Brasil, a imensa maioria só de traduções de livros estrangeiros. E, para abrir esse caminho, as regras devem ser observadas.

Em primeiro lugar, o livro que você vai escrever precisa se destacar dos demais pela IDEIA original que o fundamenta. Não perca o seu tempo se isso não acontece. A IDEIA original é o que mais interessa aos editores e o que abre a primeira porta para seu acesso ao mercado.

Em segundo lugar vem a sua PLATAFORMA, isto é, o quanto você JÁ TEM de acesso ao mercado. Parece estranho para quem é absolutamente principiante e quer publicar recém seu primeiro livro, mas essa é a segunda condição que leva os editores a se interessar por um autor. Ele pode não ser conhecido ainda como autor, mas... Tem uma boa presença nas redes sociais? Tem um bom nome e posição na profissão que exerce? Faz palestras? Dá cursos? Sabe como se comportar com a imprensa?

Por que tudo isso?  Não basta saber escrever muito bem? NÃO, não basta! Porque, como meus leitores já devem estar cansados de ler no que escrevo:
- Livraria não vende livro – apenas o disponibiliza fisicamente ou online
- Editora não vende livro – apenas o produz e faz imprimir e distribuir às livrarias
- Quem vende livro é o autor! – Ah, sim, se o autor não der as caras, se não for um tipo capaz de trabalhar ativamente na PROMOÇÃO do seu livro, então a editora não vai se arriscar a investir dinheiro nele.

Aliás, isso me fez lembrar um episódio que vivi em São Paulo, muitos anos atrás, quando eu tinha um programa na hoje falecida Rádio Mulher. Encerrada minha apresentação, desci para o térreo. A Rádio Mulher funcionava no bairro Granja Julieta, numa ampla casa que tinha um grande pátio interno, com jeito de jardim de inverno. Ali, sentado num típico banco de jardim, vi, pelas costas, um rapaz de cabelão crespo e chapéu escuro. Não sei bem por que até hoje, mas mudei minha trajetória para a saída e caminhei em direção ao moço.

Ao me ver, ele perguntou se eu era da rádio. E desatou seu rosário de queixas, dizendo que estava ali há quase duas horas esperando pela chance de ser chamado por algum apresentador ou DJ da casa. Para poder promover o seu disco. Disse que era cantor e compositor e que não adiantava nada ter conseguido que a gravadora tivesse produzido o seu disco, se ele não “trabalhasse” o mesmo, camelando de rádio em rádio, Brasil afora. Disse que era do Nordeste e agora tentava abrir algum campo para si em São Paulo, fazendo esse tremendo corpo a corpo.

Senti imediata solidariedade pela causa do artista e voltei lá para cima, para o estúdio. Peguei o apresentador do programa que viria a seguir e meio que dei uma engrossada com ele, forçando-o a ouvir ao menos uma das faixas do disco do rapaz, que eu tinha trazido comigo. Deu certo. O homem gostou. E eu, mais ainda. Quinze minutos depois o cantor cabeludo nordestino entrava no ar, no programa mais popular da rádio então. O nome do desconhecido? Alceu Valença!

Pois é, o Alceu ainda não tinha PLATAFORMA, não era conhecido no Sul e lá estava ele, camelando. Os DJ eram conhecidos por cobrarem o famoso “jabá”, o artista ou a gravadora tinham que pagar algo para o apresentador, para que o artista fosse entrevistado e para que sua música fosse tocada. Quanto maior o jabá, mais vezes a música seria tocada, maiores seriam os elogias que ela e o cantor receberiam.

E no mercado de livros, hoje, 2017, você acha que a coisa é diferente? Nem um pouquinho! Aquelas posições de destaque dos livros na livraria, nas vitrines ou nos balcões de exposição horizontal, são PAGAS pelas editoras ou autores. É o jabá. Aquela fotozinha minúscula do livro, com uma legenda mínima, que aparece no catálogo mensal das grandes redes livreiras, numa página onde há várias outras iguais, pode custa mais de mil reais para o autor ou editor. É o jabá.

E ainda falta a parte do autor, camelando o seu livro: lançamentos múltiplos, viagens, palestras, entrevistas, muita atividade em redes sociais, blog do autor, site do livro, críticas favoráveis (aqui também, conforme o caso, pode correr solto o jabá). Ou seja, quanto mais CONHECIDO você for ou se fizer, maior a chance de se fixar no mercado e poder publicar um segundo livro, dando enfim o primeiro passo para se consolidar na carreira de escritor.

O irônico é que, se você já tem uma certa plataforma inicial ou já é conhecido por outras razões, aí a editora ajuda bastante você com os custos de promoção. Senão... Quando Chico Anísio, Chico Buarque ou Jô Soares lançaram seus primeiros livros, as editoras investiram em tiragens gigantescas, pois os autores já eram muito conhecidos do grande público. Como artistas de outra área. A venda estava garantida.

Agora observe o seguinte fenômeno. No início de 2013, um desconhecido autor inglês, um tal Robert Galbraith, lançou um livro, “The Cockoo’s Calling”. O livro teve muito boa aceitação da crítica, mas foi um fiasco de vendas: com tiragem de apenas 1500 exemplares, só 500 foram vendidos em todo o Reino Unido até Julho. Quem escreveu o livro ficou feliz com a crítica e acabou concordando com a editora (desesperada) que se divulgasse que Robert Galbraith era apenas o pseudônimo de Joanne K. Rowling – nada menos que a autora da super série Harry Potter. Então a editora (renascida das cinzas) mandou imprimir de cara 180 000 livros de uma primeira edição com o nome J. K. Rowling na capa. Esgotou-se em um mês! Foi preciso fazer muito mais!

Quem vende livro é a livraria? É a editora? É o desconhecido Robert Galbraith?

Não, é a conhecidíssima, a famosíssima, a riquíssima Dame Joanne Rowling. Quem vende livro é o autor!

Com uma boa plataforma, muito trabalho de corpo a corpo e muito jabá. Como o jabá que tem que ser gasto para formar a tal plataforma, para marketing pessoal, para marketing do livro, para pagar as livrarias, etc...

Ah, O terceiro lugar! Sim, há um terceiro lugar, não devemos esquecer. É o seguinte: Você ESCREVE BEM?

Sim isso é desejável. E você sabe que pode evoluir muito em sua escrita, é só se dedicar a aprender e praticar – ou seja: ler, estudar escrita, escrever -  ninguém nasce sabendo escrever BEM. Já discuti esse tópico no artigo anterior citado e, por isso, não vou me alongar sobre ele aqui.

Vamos só dar uma olhada derradeira no caso J. K. Rowling, aquela que foi da pobreza absoluta (no UK isso é viver de ajuda do governo, como ela vivia) à riqueza absoluta em 5 anos:

1 - Pode haver IDEIA mais original que um menino órfão que estuda em uma escola de magia que os trouxas não podem ver?

2 - Pode haver PLATAFORMA maior do que a da Dame J. K. Rowling, que vendeu 11 milhões de exemplares de “Harry Poter e as Relíquias da Morte” só no primeiro dia de lançamento no Reino Unido e nos EUA?

3 - Sim, J. K. Rowling, ESCREVE BEM até livros para adultos, a crítica britânica recebeu com elogios o primeiro livro de Robert Galbraith – que só vendeu 500 cópias num semestre inteiro, seu fracassado!


domingo, 14 de maio de 2017

NEGRA VELHA  
MILTON  MACIEL

     Sempre, no Dia das Mães, torno a postar este meu poema regionalista, que me é particularmente caro ao coração. Nele presto tributo a uma figura real, a TIA BELA, para mim a maior de todas as mães que conheci na vida, uma parteira e ama de leite que trouxe ao mundo e amamentou dezenas de crianças em Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, na minha infância – inclusive dois primos meus. A mãe deles, branca racista convicta, de peitos murchos sem leite, abria uma exceção para essa negra notável, dizendo, com a maior desfaçatez: "Ela é negra, mas tem a alma BRANCA". Que horror! 
       Fui muito feliz ao musicar este poema, transformado-o numa toada gaúcha que agrada muito aos ouvintes, toda vez que a executo.

NEGRA VELHA 

Paro a lida pra te olhar, negra velha amiga,
Ver como avanças pouco, no teu passo lento,
Despacito nomás, a mão tateando ao vento.
Hay névoa nos teus olhos e muita mágoa antiga.

Teu peito encarquilhado, que pra frente se curva,
Esconde a vida que ele deu pra tanta gurizada...
Pois quanto piá amamentastes nesses seios então fartos,
Filhos de brancas sem leite de quem fizestes partos!
Mas que hoje te esqueceram, na tua pobreza turva,
Porque, qual vaca velha, tu fostes descartada.

Quantos homens de importância trouxestes tu ao mundo
E quantos deles só viveram pelo leite no teu peito?
Quanto piazito faminto foi no teu seio escuro aceito,
Porque ali dentro batia um coração de amor profundo!

Mas hoje chego aqui e te descubro nesta baita solidão:
Tua velhice desamparada e trôpega, cheia de tristeza.
Essa vista turva, esse abandono cruel, essa pobreza...
E de todos os que por ti passaram... nenhuma gratidão!

Vem, negra velha amiga, vem comigo, apóia no meu braço.
Não mamei do teu leite, mas conheço uma a quem salvastes:
Que hoje é a mulher da minha vida e a quem amamentastes.
Vem comigo, nobre negra, tu vais viver conosco, dá um abraço!

domingo, 7 de maio de 2017

PARA QUEM VOCÊ ESCREVE?
MILTON MACIEL

Comecemos pela cozinha, onde eu, por sinal, sou péssimo. Você vai fazer um arroz com legumes a la carbonara. Vai usar a receita de sua falecida avó, porque ela é a que mais satisfaz o seu paladar. Horas depois você a está servindo a seus familiares e convidados. Sua sogra incluída. O pessoal se divide. Uns adoram, outros devoram por pura fome, uns comem por cortesia, outros disfarçam dizendo que estão de regime. Sua sogra não gosta. Ela é a crítica. E ali, na frente de todos, desanca o seu arroz à carbonara, mostrando o que, para ela, são os seus erros óbvios. Ela é a crítica, já disse. E se você também for, já aviso: esse tal arroz com legumes à carbonara não existe. Eu é que inventei – não a receita, só o nome. Até porque, se depender de mim, todo arroz deveria ser, obrigatoriamente, à carreteiro. Que eu não sei fazer, é óbvio. Na verdade, só sei fazer – e bem feito, como gaúcho da fronteira que sou – um acompanhamentozinho simples para esse arroz. Que é o churrasco todo!

Pois é, para quem você fez o arroz? Para todos, é óbvio. Mas fez qual receita: aquela de que você mais gosta. E gostos são tão diferentes quanto são diferentes as pessoas. Logo, se você fez o arroz para agradar a todos, não podia dar certo mesmo. Você vai agradar muito algumas pessoas e pouco a outras. Vai desagradar a mais algumas e ainda vai ter que passar pela avaliação do crítico de gastronomia de plantão. No caso, sua sogra.

Agora vamos fazer uma troca. O que você está cozinhando – e dificilmente será na cozinha – é o seu LIVRO. Para quem você o está preparando? Para TODOS? Pois então prepare-se para a mesma recepção que seu arroz à carbonara recebeu. Agrada a uns, desagrada a outros, uns amam, outros odeiam e, ainda por cima, os críticos vão fazer o papel para o qual foram projetados.

Isso nos leva ao fundamental ponto de partida, que tem que ser definido antes que você comece sua obra. Para QUEM você escreve?

A tendência do escritor, ainda mais do inexperiente, é pensar que está escrevendo para todos. Ora, esse todos simplesmente não existe, é impossível! Você terá um tema e um estilo. O tema jamais interessará a todos e seu estilo jamais agradará a todos. Por causa do seu tema e do seu estilo, você escreve sempre para um NICHO de leitores, um nicho do mercado. Veja o exemplo dos mais bem sucedidos vendedores da atualidade, como Tolkien, Rowling ou Paulo Coelho. Eles têm legiões inteiras de leitores e admiradores, vendem milhões de livros mas... são também detestados por outras legiões inteiras.

Então prepare-se, é assim que a coisa funciona. Joan Rowling, depois de pastar meses a fio na maior dureza, escrevendo sua história do bruxinho Harry Poter em trens e lanchonetes, não conseguiu que nenhum editor aceitasse publicar seu livro. Até que um deles, que não achou graça nenhuma no que leu, deu o primeiro capítulo para sua filha de 12 anos ler. No outro dia a garota já o tinha devorado e pedia entusiasmada para ler o resto do livro. Estava ali o nicho para o livro, o esperto editor percebeu na hora. Bem, o resto é História...

A primeira pessoa que você tem que agradar é você mesmo. Você tem que ter prazer, entusiasmo, para poder perseverar na criação da sua obra. A seguir, defina o seu nicho e adapte-se a ele. Nunca escreva pensando em seus colegas escritores, em meio acadêmico, em crítica. Escreva pensando no seu público leitor, no seu particular nicho. Nas filhas adolescentes dos editores, se você se chama Joan Rowling ou escreve ficção Jovem Adulto. Entenda: seus colegas escritores, o meio acadêmico e os críticos...  não vão comprar seus livros! Se Paulo Coelho tivesse pensado em agradar àqueles ou tivesse temor da crítica desfavorável, jamais teria chegado a um centésimo do que alcançou.

Pois então escolha se você quer ser Marcel Proust ou Paulo Coelho. Ou, muito melhor do que ser eles, ser você mesmo. E mantenha-se firme, persevere. Aí escreva só para você e para o seu público leitor. Os outros que se danem, mande-os para aquele lugar, não são eles que vão pagar as suas contas. Mas seus leitores vão! São eles e só eles os seus legítimos patrões. E, como diz o ditado argentino que adoro repetir, “el que paga que lo mande”. Dê bastante atenção a essa gente boa – para você muito boa! – que vive por aí, espalhada por todo este vasto mundo, e se pergunte: Caramba, quem se dispõe a gastar do seu dinheiro para comprar o que eu publico?

Pois é nesta gente boa que você tem que se centrar. Conheça a fundo como são essas pessoas, do que elas gostam, por que compram os livros que você escreve. Conheça-as pessoalmente, fale com elas nas feiras de livros, nos eventos, nos lançamentos, nas suas palestras; e, nacional e internacionalmente, com enorme facilidade, pela Internet. Cultive o seu público e procure se preparar cada vez mais para prestar a essas pessoas um serviço cada vez melhor, levando-lhes entretenimento, emoção, informação e educando-as enquanto leitoras, sem querer se fazer grande às custas dos seus leitores, arrotando erudição desnecessariamente para cima deles. E, ao mesmo tempo, sem nivelar por baixo.

Se você quer ser um escritor que vende livros, pense nisto em primeiro lugar: PARA QUEM VOCÊ ESCREVE?

quinta-feira, 4 de maio de 2017

VOCÊ ESCREVE MAL? E DAÍ? Isso não é desculpa para não ser um bom escritor
MILTON MACIEL

Você escreve mal? Ótimo! Ao menos você escreve! Escrever mal é o ponto de partida para escrever bem. Aliás, falando nisso, lembra daquela sua letrinha miserável, dos seus garranchos ilegíveis no primeiro ano de escola? Melhorou demais depois, não foi? NÃO?! Piorou?!... Bem, ao menos um elogio você merece: você é uma pessoa sincera!

Você acha ou sabe que escreve mal. Por isso desistiu de tentar ser escritor. Pois olhe, vou lhe dizer, você foi frouxo e desistiu... antes do tempo. Deveria ter perseverado. Se você escreve mal, isso é ótimo, é sinal que está no bom caminho. Está mil furos acima de quem não escreve nada. Este, sim, nunca vai escrever direito. Você, só porque escreve mal, não tem desculpa para não se tornar um bom escritor. Isso você aprende, não nasce sabendo. Como tudo na vida.

Mas o que fazer então? – você pode perguntar – Tomar aulas de gramática?

Não, é muito mais fácil. Fácil e divertido.
LEIA um livro por semana
Escreva diariamente para se exercitar
Estude técnica de escrita

Em pouco tempo você aumenta extraordinariamente seu vocabulário, sua compreensão, seu nível de conhecimentos e assimila diferentes estilos de escrita, de diferentes escritores.

É só isso que você precisa fazer para evoluir de um mau para um bom escritor. Ler todos os dias. E escrever todos os dias. E estudar quase todos os dias. É como o jogador de futebol, que tem que treinar todos os dias (o que equivale ao seu escrever) e assistir jogos ou vídeos de jogos todos os dias (o seu ler, seu estudar).

ESCREVER TODOS OS DIAS? E A INSEGURANÇA?

Como o jogador de futebol com seus treinos diários, se eu quero tocar piano direito, tenho que estudar e ensaiar todos os dias. Um candidato a escritor tem que fazer exatamente a mesma coisa: escrever todos os dias.

E sem essa que é preciso esperar pela inspiração. Como disse um grande escritor americano: “Só escrevo quando estou inspirado. Por isso tenho que estar inspirado todos os dias à mesma hora, às 9 da manhã”.

É isso. A “falta de inspiração” e o famoso ”bloqueio do escritor” são apenas MEDO. Medo de não conseguir produzir uma coisa que OS OUTROS aprovem. Trocando em miúdos, é MEDO DOS OUTROS. Ora, os outros que se danem! Como gosto de dizer, eles não pagam as minhas contas. Por que eu vou ter medo deles e lhes dar tal poder sobre minha vida?

Quer ver uma prova clara do que estou afirmando aqui, sobre medos dos outros e necessidade de aprovação? Vá para o Facebook. Ali as pessoas postam coisas que elas escrevem resumidamente, postam coisa que os outros escrevem, postam fotografias e, principalmente, repostam material de terceiros. E ficam esperando. Esperando. E esperando...

Esperando o que, mesmo? O CURTIR de outras pessoas. Melhor ainda, o comentário concordante ou elogioso, o repostar da postagem ou repostagem delas. O que é isso que fez, faz e aumenta diariamente a fortuna pessoal (64 bilhões de dólares) de Mark Zuckerberg, o dono do Facebook?

É a insegurança e a necessidade de aprovação e elogio dos seres humanos normais. E a vaidade e até mesmo o narcisismo, em muitos casos. Isso é muito natural. Acontece conosco desde que aprendemos a fazer gracinhas, quando criancinhas, para agradar os adultos.

– Olha só, doutora, ela já sabe dizer mã-mã. Não é uma gracinha?
– Mas, minha senhora, isso é só um gugu-dadá!
– Sim, mas que gugu-dadá mais bonitinho! Ela quer dizer mamãe, eu sei. Não é uma gracinha?

Ou vem o pai orgulhoso:

– Baixa a fralda, filhão! Ele só tem quatro anos, mais um ano e já vai deixar as fraldas. Baixa aí, filhão, mostra pro vizinho o seu saco roxo. Isso aí é dos meus, puxou o pai, vai ser macho pra cacete!

Não admira que, anos depois, o marmanjo esteja postando frases machistas ou xingando pelo Facebook, para mostrar que tem aquilo roxo e poder receber um elogiozinho a mais da tribo dos seus iguais. Um like, um curtir, um comentário. Pelamordedeus!

A coisa continua infância afora. Aprendemos a mostrar o que rende aprovação e elogio. E a esconder muito bem o que resulta em desaprovação, rejeição ou castigo. O que contribui para criar o que Jung denominou nossa “Sombra”. Quanto maior nosso grau de insegurança, quanto maior o nosso grau de vaidade ou narcisismo, mais vamos precisar da aprovação dos outros. Dos curtir e dos comentários elogiosos. Não é uma gracinha?

É absolutamente normal, portanto, querer mostrar o que a gente acha que faz bem feito e o que acha bonito. Assim como mostrar nossa opinião, a favor ou contra seja o que for. Estamos em busca de apreciação e reconhecimento, em busca de uma vitrine onde podemos nos expor e isso é apenas natural. Vale obviamente para quem escreve.

Então, quando chega a hora de escrever e expor o escrito à apreciação dos outros (Aprovação, elogio, pelamordedeus!), os medos e os bloqueios se fazem sentir com facilidade. Por que agora você não está seguro de si mesmo, tem medo da rejeição, da crítica, do puxão de orelhas público que o desmontaria psicologicamente. Isso provoca os bloqueios e aborta no nascedouro a carreira de muito bom escritor em potencial.

Portanto, meu amigo, não desista. Você escreve mal? Ótimo! Ao menos você escreve! Escrever mal é o ponto de partida para escrever bem. Como já disse, isso se aprende. E é mais fácil do que você pode supor. Já indiquei o caminho. Mas, primeiro, você precisa se descondicionar do medo atávico, que não só fica atravessado no meio do caminho do seu aprendizado como escritor, mas pode provocar grandes períodos de intenso bloqueio, quando você tenta escrever de novo.

E isso inclui não dar bola para o que dizem alguns dos seus desincentivadores maiores:

1 – Os que afirmam que ninguém pode ensinar alguém a escrever bem. Que escritor tem um dom especial para a escrita, que já nasce feito. Uma espécie de geração espontânea, como os bebês, que, sabemos todos nós hoje em dia, não são trazidos por cegonhas, mas nascem debaixo dos pés de repolho. Bobagem. De todos os grandes músicos da história, poucos foram os Mozarts que podiam tocar e até compor aos 5 anos de idade. Mas, mesmo no caso excepcional de Mozart, houve o estímulo constante e a cobrança inclemente de seu pai.

Dondinho fez a mesma coisa com seu filho, no qual o pai, como futebolista profissional que havia sido, soube reconhecer um traço de talento incomum. O filho conta, em suas memórias, que chegava a chorar de raiva do pai e de dor no pé, de tanto que era obrigado, todo santo dia, a ficar em casa batendo bola contra a parede, só com o pé esquerdo, até que foi enfim capaz de jogar tão bem com esse pé quanto com o direito. Moleque ainda, 16 anos, foi levado pelo pai para um time de futebol. Ali impressionou pela sua incrível capacidade. Tinha o apelido de Gasolina e virou uma espécie de moleque de recado para os jogadores adultos. Mas começou a treinar junto com estes e uma coisa logo chamou a atenção de todos: ele treinava mais do que qualquer um dos doutros. Luzes do campo desligadas, ele ainda ensaiava cobranças de faltas sob a escassa luz do luar e da rua distante. Ele educou o seu talento, maximizando-o. Pouco depois o mundo maravilhou-se, quando ele surgiu com o nome de Pelé.

2 – Os que dizem outra bobagem: que aprender a escrever se aprende só escrevendo. Você coloca uma folha ou tela em branco à sua frente, espera a inspiração e sai escrevendo. Não vá atrás disso, você vai acabar se decepcionando e desistindo sem necessidade. Você aprende a escrever da mesma forma que aprendeu a ler e a escrever na escolinha. Alguém ensinou a você. Mas só conseguiu fazê-lo porque você quis aprender. Agora é a mesma coisa. É preciso que você queira aprender. E aí você procura quem pode ensinar a você. E quem pode?

Em primeiro lugar, os outros escritores. E, para aprender com eles, você só precisa LER. Mas ler muito, como quem quer mesmo aprender a escrever direito, escrever como eles escrevem. É fácil, seu consciente e seu inconsciente trabalham juntos, você aprende e também assimila por osmose. Além de fácil, é divertido. E, claro, instrutivo. Você cresce muito mentalmente.

Em segundo lugar, os livros e cursos que ensinam as técnicas que os escritores usam. Aí você precisa tomar cuidado, porque vão aparecer de novo as cassandras desestimuladoras, afirmando agora que você não pode aprender a escrever com livros e instrutores de escrita. É mais ou menos como se elas lhe garantissem que, para aprender a fazer cirurgia cardíaca, o único modo é pegar um bisturi e sair cortando peitos por aí, até aprender sozinho. Sem precisar de anos de faculdade cortando cachorro e cadáver, nem anos de residência, sob a supervisão de cirurgiões cardíacos muito experientes.

Esqueça os outros! Eles não pagam suas contas, você não precisa da aprovação deles. Escreva para você, escreva para treinar e aprender, não precisa sair mostrando tudo o que escreve para mendigar aprovação. Com o tempo você vai dominar a arte e a técnica, basta perseverar e trabalhar para isso. E um dia você, homem ou mulher, vai poder mostrar – por escrito – para esse pessoalzinho cacete que você tem aquilo roxo! Simbolicamente, é claro.