domingo, 5 de maio de 2013


RITINHA - 11  
MILTON MACIEL  

FINAL DA PARTE 10: 
– E o moço, então, é meu irmão... E se chama Bastião...

– Pra le servi e le protegê, minha irmãzinha. Pra le servi!

– Mas o moço... mas o meu...

– Seu irmão, Ritinha! Seu irmão Bastião.

– Mas o meu irmão Bastião sabe que eu sou uma quenga, não sabe?

– Num sei, porque num lhe acho quenga. Ocê é por demais criança pra isso. E sua disgracera aconteceu faiz menos di um meis, num deu tempo ainda di ocê si aprostituí.

PARTE 11
– Mas você viu o que eu ia fazer com você no caminhão. Eu tenho que lhe dizer que já estive com um homem antes, no caminhão dele, só não se deu de um tudo porque eu ainda estou muito machucada, entende? Então  eu já sou quenga!

– Mas isso num mi importa, maninha. Pode di sê qui painho i mano Jeremias ache ruim. Pra mim i pra mano Osmar – aquele qui foi cum sua amiga – isso num tem importança. Nóis dois acha qui ocê é só uma criança qui sofreu dimais. Nóis dois qué recunhecê ocê como nosso irmã i fazê di um tudo pra le ajudá, num sabe?

   Novo choque para Ritinha: então o moço com Iracema era seu irmão também, Osmar! E havia ainda um terceiro, por nome Jeremias.

   Nesse exato momento, Gabi e Osmar entraram no restaurante e chegaram à mesa de Bastião . A moça falou, quase gritando:

– Vixe, Ritinha, esses moços são seus irmãos! São filhos de Dito Timbó, seu pai!

– É verdade, moça. Essa é mesmo nossa irmãzinha – apressou-se a garantir Bastião, todo entusiasmado.

   Osmar deus dois passos à frente, postou-se em frente a Ritinha que, sem saber o que fazer, acabou levantando da cadeira e , em pé, sustentou o olhar que a examinava de alto a baixo.

– Pois veja ocê, mano véio, si num é a cara di painho mesmo! O mesmo quexo, tá vendo só? E os óio intão! Ói só cumo é qui ela infrenta, tá si vendo qui tem a corage dos Timbó. Venha di lá um abraço, maninha. – e Osmar abraçou a menina com efusão e contentamento. Estava mesmo alegre por ter encontrado uma irmã criança, agora que já estava bem adulto.

– Seu... Seu Osmar... Eu não...

Seu Osmar, maninha?! Mas qui cerimônia é essa? Si avexe não, mi chame di ocê, ora. Ocê é nossa irmã. Vamo lá, abrace di verdade o seu mano aqui.

   Desta vez Ritinha, mesmo que ainda constrangida, corres-pondeu ao abraço de Osmar. Diferente de Bastião, que era sério e calado, Osmar era alegre, falastrão, divertido. Estava com vinte e quatro anos de idade, cinco menos que Bastião e doze menos que Jeremias.

– Osmar... Você é meu irmão Osmar... Que estranho isso tudo. Sabe, faz poucos dias que eu perdi minha família, minha mãe, uma irmã e dois irmãos. Vim parar na rua. E foi aí que eu encontrei a minha irmã do coração e, agora, encontro mais dois irmãos meus. Parece que o destino resolveu brincar de me tirar e me dar irmã e irmãos...

– Você merece que tudo de bom lhe aconteça, meu amor – era a voz de Gabi, macia, amorosa – Já sofreu demais para alguém de sua idade.

– A moça tem razão, nóis também pensa assim, isso mesmo – completou Bastião. Por isso é qui nóis qué le levá deste lugar aqui pra cunhecê painho e mano Jeremias.

   Todos puderam perceber que, na hora, Ritinha empalideceu e teve uma expressão de pavor. Conhecer Dito Timbó?! Não, aquilo era a última coisa que ela podia querer! Gabi percebeu o que se passava e correu a enlaçar a amiga pelos ombros. Delicadamente, mas com firmeza, fez Ritinha sentar de novo. E sentou na cadeira ao lado.

   Os irmãos Timbó pegaram outras duas cadeiras e juntaram-se a elas na mesa. Osmar falou então, já abrindo sua sonora gargalhada:

– Ô xente! Intão ocês tava era si acabano na buchada di bode i nóis aqui na maior fome. Tá certo isso? Ora, intão vamo dexá a moça Gabi sem sê servida? Qui falta di educação!

   O garçom, simpático e solícito, fez um sinal para a cozinha e, menos de um minuto depois, já chegava o reforço de travessa, pratos e talheres. Gabi não se fez de rogada, atacou a comida com sofreguidão. Osmar, então, que não tinha que se preocupar com bons modos, se atirou na buchada da mesma forma que Bastião o fizera. Este não pensou duas vezes: encheu o prato fundo de novo e manteve a boca cheia e ocupada por demais para poder falar qualquer coisa. Só Ritinha, satisfeita com o pouco que beliscara e sob o impacto de tantas emoções, permaneceu apenas olhando.

– Maninha num comi? Não gosta di buchada?

– Gosto sim, Osmar. Mas já comi o bastante, obrigada.

– Maninha é educada qui dá gosto di vê, mano Osmar. É uma princesa.

– I uma belezura, mano Bastião. Vamo tê muito trabaio pra modi protegê ela quando ficá mocinha.

– Me proteger, mano Osmar? Mas então você não viu que eu sou, quer dizer, que eu já sou uma... uma... uma... quenga?

– Mai isso ocê num é não! Nóis dois acha qui não. I o qui importa é o qui nóis acha.

   E, se exaltando, falando alto, encarando todos os que estavam ao redor, em pé ou sentados às outras mesas, Bastião levantou e disse:

– Tem argúem aqui qui ache qui nossa irmã é quenga? Pois si tivé, home ou mulé, qui se aprochegue i diga na minha cara!

   Bastou para que Osmar se erguesse de um salto:

– I na minha também! – Aí lembrou de Gabi, que a tudo assistia de olhos arregalados, surpresa – Vô perguntá pra ocês melhormente: tem argúem aqui qui tá vendo arguma quenga cum nóis?

   O não foi geral. Todo mundo tratou de sacudir a cabeça:

– Não, sinhô! Só duas moça de família. Quenga num tem, não.

– Quenga? Mai num tem ninhuma, valha-me Deus nosso Sinhô!

– Bom – sentenciou Bastião – Ainda bem. Assim é milhó. Assim nóis num precisa castigá ninguém. Mai ocês fica tudo sabendo i trata di avisá pro povo toda desta cidade: si arguém mangá cum nossa irmãzinha – I cum a amiga dela aqui – os filho di Dito Dimbó vai apricá na hora o corretivo.

– Os homi vai tê o mesmo destino di João Boto: a gente capa i leva pra sê noivinha também – comentou, divertido, o moço Osmar, vendo o terror estampado nos olhos dos homens, a sentirem todos uma crispação nos bagos.

– I as mulé a gente corta a língua, qui é pra modi num falá mais mar da vida dos otro. Castigo porreta, porque mulé sem falá num veve – foi a vez de Bastião se divertir com o olhar de terror das mulheres presentes.

– Tá bom, gentes, agora senta! Ocês são gente respeitadora, num tem encrenca cum nóis, não. Senta i come. Si deverte! – Osmar falou isso rindo, para desanuviar o ambiente.

   Gabi aproveitou a deixa e comentou:

– Vocês são loucos! Como é que essa gente não ia ver uma quenga aqui? E eu, o que que eu sou? Uma freirinha?

– Eles é qui são loco si acham qui pode contrariá mano Osmar. Si ele falô qui aqui num tem quenga, intão esse povo tem só é qui concordá i recunhecê: num tem quenga i ponto finar!

– É, mano Bastião, amanhã esse povo todo já vai tá sabendo qui num pode si metê a besta com nossa irmã i cum Gabi.
CONTINUA

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