domingo, 12 de maio de 2013


HOJE É O DIA DAS MÃES    
ENTÃO  NÃO  VOU  HOMENAGEAR  AS  MÃES!   
MILTON  MACIEL

Porque todos o farão. Merecidamente. Com mais competência que eu, certamente. Porém hoje falarei de uma certa NEGRA VELHA. E, através dela, vou homenagear as outras mães esquecidas: todas as AMAS DE LEITE! Todas as DOADORAS DE LEITE. Todas as funcionárias dos BANCOS DE LEITE.
E todas as inumeráveis gerações de Negras Velhas, que, enquanto escravas, por séculos e séculos se doaram em amor, alimentaram e criaram maternalmente seus sinhozinhos brancos. Para, no geral, deles receberem, depois, a mais amarga e cruel ingratidão.

Neste poema presto tributo uma figura real, a TIA BELA, uma parteira e ama de leite que trouxe ao mundo e amamentou um grande número de crianças em Santana do Livramento, Rio Grande do Sul, na minha infância –  inclusive dois primos meus. A mãe deles, branca racista convicta, de peitos murchos sem leite, abria uma exceção para essa negra notável, dizendo, com a maior desfaçatez: "Ela é negra, mas tem a alma BRANCA". Que horror! 


NEGRA VELHA
MILTON  MACIEL

Paro a lida pra te olhar, negra velha amiga,
Ver como avanças pouco, no teu passo lento,
Despacito nomás, a mão tateando ao vento.
Hay névoa nos teus olhos e muita mágoa antiga.

Teu peito encarquilhado, que pra frente se curva,
Esconde a vida que ele deu pra tanta gurizada...
Pois quanto piá amamentastes nesses seios então fartos,
Filhos de brancas sem leite de quem fizestes partos!
Mas que hoje te esqueceram, na tua pobreza turva,
Porque, qual vaca velha, tu fostes descartada.

Quantos homens de importância trouxestes tu ao mundo
E quantos deles só viveram pelo leite no teu peito?
Quanto piazito faminto foi no teu seio escuro aceito,
Porque ali dentro batia um coração de amor profundo!

Mas hoje chego aqui e te descubro nesta baita solidão:
Tua velhice desamparada e trôpega, cheia de tristeza.
Essa vista turva, esse abandono cruel, essa pobreza...
E de todos os que por ti passaram... nenhuma gratidão!

Vem, negra velha amiga, vem comigo, apóia no meu braço,
Não mamei do teu leite, mas conheço uma a quem salvastes:
Uma que hoje é a mulher da minha vida e a quem amamentastes.
Vem comigo, nobre negra, tu vais viver conosco, dá um abraço! 

                                                                         


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