MILTON MACIEL
Final da parte 11
– Vocês são loucos! Como é que essa gente não ia ver uma quenga aqui? E eu, o que que eu sou? Uma freirinha?
– Eles é qui são loco si acham qui pode contrariá mano Osmar. Si ele falô qui aqui num tem quenga, intão esse povo tem só é qui concordá i recunhecê: num tem quenga i ponto finar!
PARTE 12
Quando os irmãos Timbó se fartaram de comer
e repetir aquela fantástica buchada de bode, estavam prontos para ir em frente
com seu plano. Antes, porém, mandaram chamar o dono do restaurante e elogiaram
demais a buchada e o atendimento do garçom. Deram a este uma polpuda gorjeta e
o proprietário foi brindado com um aperto de mão especial, dado por Bastião.
Quando isso acontecia, por uma dessas coincidências engraçadas da vida, a
ex-gerente vinha passando com suas tralhas, de cabeça baixa e expressão
furibunda, deixando de vez o emprego.
– Vai
t’imbora, cão do inferno, bicho feio! – rosnou Bastião entre os dentes,
deixando a mulher ainda mais apavorada. Após mais uns poucos passos mantendo a
pose, de repente a funcionária demitida ganhou a porta da rua e danou a correr.
– S’imbora,
intão, mano véio! – falou Osmar. Toca levá Ritinha pra cunhecê painho.
– Não! –
Ritinha gritou – Não, por favor, não! Eu não quero!
– Ara! Mai
num qué o que, maninha?
Gabi procurou justificar a recusa da amiga:
– Ela não
quer conhecer o pai, Bastião. Ela me explicou tudo isso mais de uma vez. Ela
tem uma mágoa muito grande com ele, por não ter tido um pai para cuidar dela.
– Mai, moça,
si painho nunca soube qui tinha essa filha! Cumo é qui ia podê cuidá dela?
– Aí é que
está. A mãe dela sempre disse para ela que não adiantava contar que Ritinha era
filha de Timbó, porque ele nunca quis saber das filhas mulheres, só dos filhos
machos. E aí Ritinha cresceu com essa mágoa, essa revolta, é isso. E agora ela
prefere que a coisa continue assim: não quer ver o pai nem pintado de ouro. Se
não adiantava falar que ele tinha essa filha antes, então porque falar agora?
– Mana
Ritinha, dexe di sê cabeçuda. Pois painho não veio aqui pra modi castigá o
mardito qui le disgraçô? I não feiz isso muito do bem feito?
– Isso mesmo,
mano Bastião. I também painho num foi atrais da mãe dela? A essa hora já deve
di tê incontrado, na tal fazenda pra onde ela fugiu do disgramado do noivinha.
Aquilo era surpresa e mexeu demais com Ritinha:
–
Mãinha?! Você disse que mãinha fugiu
daquele bandido, é? Por quê? E onde é que ela se meteu? Por favor, me diga
Osmar!
– Pois si o
coisa ruim num ameaçô ela di morte i di fazê marvadeza cum a otra minina dela?
Aí ela se acoitô na fazenda di um home qui disse qui ela podia ficá lá cum a
proteção dele. Nóis ficô sabendo disso na cidade, João Boto já tava capado,
tava cum nóis, nunca qui ia podê fazê mar pra mais ningúem. Aí painho disse qui
queria incontrá vossa mãe i tê uma prosa cum ela.
– Isso, mano
Osmar – falou Bastião – eu acho qui ele foi lá pra modi tê certeza qui Ritinha
é mesmo fia dele.
– Então
mãinha não me abandonou? Não ficou com vergonha?
– Ora, com
vergonha de que, Ritinha? – Gabi mostrava sua surpresa.
– De tudo o
que aconteceu. De eu não ser mais moça. E, depois, de eu ter virado quenga, sei
lá.
– Ocê num
virô quenga, maninha! Pára di dizê isso, qui num é verdade – a voz de Bastião
soou veemente.
– Que
bobagem, criança – completou Gabi, passando a mão carinhosamente nos cabelos da
menina – Vejam só como o sofrimento faz a gente pensar bobagem. Pois eu não lhe
disse que sua família não tinha abandonado você, que a gente ia encontrar sua
gente? Eu tinha certeza!
– E eu tinha
só medo, tanto medo... Medo que minha mãe não fosse nunca mais querer saber de
mim.
– Pois agora
você está vendo que foi uma besteira sua, menina. Então o que de melhor você
tem a fazer é ir com seus irmãos. Eles levam você até sua mãe, não levam?
– Claro! Nóis
leva ocê, maninha. Vem cum nóis – falou Osmar.
– Mas eu vou
ter que ver aquele... aquele homem, o pai de vocês?
– Meu amor,
como sua amiga, eu acho que você devia ir. Já está na hora de tirar essa cisma
a limpo. Vá, olhe o homem, fale com ele. Aí, se você quiser, nunca mais vocês
se vêem. Mas, ao menos, tenha coragem de tirar isso da sua cabecinha. Vá, eu
lhe imploro. Vá, eu sei que vai ser melhor para você. Não tenha medo, é pior se
você deixar passar esta oportunidade.
Ritinha ficou um longo tempo pensativa. Por
fim, falou:
– Mas você
vem comigo, não é? Pelo amor de Deus, não me deixe só numa hora dessas. Sem
você, eu não vou ter coragem. Você vem, não vem?!
– Claro, meu
amor. Eu vou, sim, vou aonde você quiser, até ao inferno, se for preciso. Você
sabe que pode contar comigo sempre. Sempre! – E Gabi pegou a mão de Ritinha e a
prendeu carinhosamente entre as suas.
– Moça Gabi é
muito boa cum nossa irmãzinha, Osmar. Veja só, dá gosto di si oiá. Tá si vendo
que ocês é muito amiga.
– Ela é a
minha irmã agora. É um anjo que Deus botou na minha vida. Foi ela que me
socorreu, me encontrou caída na estrada, logo depois da minha desgraça. Aí ela
me levou para o hospital, ficou comigo até eu poder andar, me trouxe para viver
com ela e gastou todo o dinheiro que ganhava comigo, esse tempo todo. Eu adoro
esta menina – E Ritinha colheu uma das mãos de Gabi, levou-a à altura do rosto
e deixou seu lábios pousados nela.
– Ora,
maninha, que bobagem. Qualquer um fazia o que eu fiz.
– Ah, mas não
fazia mesmo! Vocês sabem, quando eu consegui me arrastar de casa, depois que
aquele bandido saiu, fui de porta em porta, pedindo socorro aos vizinhos.
Ninguém abriu a porta para mim, porque tinham medo dele.
– Disgramado!
– inflamou-se Bastião – Vamo lá na delegacia agora mesmo, mano véio, vamo passá
a faca naquele mardito é já! Dispois nóis exprica pra painho qui nóis mudô os
plano.
– Não, mano.
Vai sê um alívio pra ele. Deixa ele lá di noivinha, assim o disinfiliz sofre
por mais tempo. Tenha carma.
Bastião conseguiu se acalmar, vendo que o
irmão tinha razão. E perguntou:
– Moça Gabi
vem cum a gente, intão? Ajuda Ritinha?
– Ah, eu vou
sim, com certeza. Mas... onde é que a gente tem que ir?
– Mano
Jeremias é qui sabe adonde qui painho falô qui ia. Ele até nos falô o nome do
dono da fazenda, num é, mano Bastião?
CONTINUA
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