segunda-feira, 6 de maio de 2013

RITINHA - 12   -  Ritinha aceita ser levada ao pai  
MILTON  MACIEL

Final da parte 11

– Vocês são loucos! Como é que essa gente não ia ver uma quenga aqui? E eu, o que que eu sou? Uma freirinha?

– Eles é qui são loco si acham qui pode contrariá mano Osmar. Si ele falô qui aqui num tem quenga, intão esse povo tem só é qui concordá i recunhecê: num tem quenga i ponto finar!

– É, mano Bastião, amanhã esse povo todo já vai tá sabendo qui num pode si metê a besta com nossa irmã i cum Gabi.

PARTE  12

   Quando os irmãos Timbó se fartaram de comer e repetir aquela fantástica buchada de bode, estavam prontos para ir em frente com seu plano. Antes, porém, mandaram chamar o dono do restaurante e elogiaram demais a buchada e o atendimento do garçom. Deram a este uma polpuda gorjeta e o proprietário foi brindado com um aperto de mão especial, dado por Bastião. Quando isso acontecia, por uma dessas coincidências engraçadas da vida, a ex-gerente vinha passando com suas tralhas, de cabeça baixa e expressão furibunda, deixando de vez o emprego.

– Vai t’imbora, cão do inferno, bicho feio! – rosnou Bastião entre os dentes, deixando a mulher ainda mais apavorada. Após mais uns poucos passos mantendo a pose, de repente a funcionária demitida ganhou a porta da rua e danou a correr.

– S’imbora, intão, mano véio! – falou Osmar. Toca levá Ritinha pra cunhecê painho.

– Não! – Ritinha gritou – Não, por favor, não! Eu não quero!

– Ara! Mai num qué o que, maninha?

   Gabi procurou justificar a recusa da amiga:

– Ela não quer conhecer o pai, Bastião. Ela me explicou tudo isso mais de uma vez. Ela tem uma mágoa muito grande com ele, por não ter tido um pai para cuidar dela.

– Mai, moça, si painho nunca soube qui tinha essa filha! Cumo é qui ia podê cuidá dela?

– Aí é que está. A mãe dela sempre disse para ela que não adiantava contar que Ritinha era filha de Timbó, porque ele nunca quis saber das filhas mulheres, só dos filhos machos. E aí Ritinha cresceu com essa mágoa, essa revolta, é isso. E agora ela prefere que a coisa continue assim: não quer ver o pai nem pintado de ouro. Se não adiantava falar que ele tinha essa filha antes, então porque falar agora?

– Mana Ritinha, dexe di sê cabeçuda. Pois painho não veio aqui pra modi castigá o mardito qui le disgraçô? I não feiz isso muito do bem feito?

– Isso mesmo, mano Bastião. I também painho num foi atrais da mãe dela? A essa hora já deve di tê incontrado, na tal fazenda pra onde ela fugiu do disgramado do noivinha.

  Aquilo era surpresa e mexeu demais com Ritinha:

– Mãinha?!  Você disse que mãinha fugiu daquele bandido, é? Por quê? E onde é que ela se meteu? Por favor, me diga Osmar!

– Pois si o coisa ruim num ameaçô ela di morte i di fazê marvadeza cum a otra minina dela? Aí ela se acoitô na fazenda di um home qui disse qui ela podia ficá lá cum a proteção dele. Nóis ficô sabendo disso na cidade, João Boto já tava capado, tava cum nóis, nunca qui ia podê fazê mar pra mais ningúem. Aí painho disse qui queria incontrá vossa mãe i tê uma prosa cum ela.

– Isso, mano Osmar – falou Bastião – eu acho qui ele foi lá pra modi tê certeza qui Ritinha é mesmo fia dele.

– Então mãinha não me abandonou? Não ficou com vergonha?

– Ora, com vergonha de que, Ritinha? – Gabi mostrava sua surpresa.

– De tudo o que aconteceu. De eu não ser mais moça. E, depois, de eu ter virado quenga, sei lá.

– Ocê num virô quenga, maninha! Pára di dizê isso, qui num é verdade – a voz de Bastião soou veemente.

– Que bobagem, criança – completou Gabi, passando a mão carinhosamente nos cabelos da menina – Vejam só como o sofrimento faz a gente pensar bobagem. Pois eu não lhe disse que sua família não tinha abandonado você, que a gente ia encontrar sua gente? Eu tinha certeza!

– E eu tinha só medo, tanto medo... Medo que minha mãe não fosse nunca mais querer saber de mim.

– Pois agora você está vendo que foi uma besteira sua, menina. Então o que de melhor você tem a fazer é ir com seus irmãos. Eles levam você até sua mãe, não levam?

– Claro! Nóis leva ocê, maninha. Vem cum nóis – falou Osmar.

– Mas eu vou ter que ver aquele... aquele homem, o pai de vocês?

– Meu amor, como sua amiga, eu acho que você devia ir. Já está na hora de tirar essa cisma a limpo. Vá, olhe o homem, fale com ele. Aí, se você quiser, nunca mais vocês se vêem. Mas, ao menos, tenha coragem de tirar isso da sua cabecinha. Vá, eu lhe imploro. Vá, eu sei que vai ser melhor para você. Não tenha medo, é pior se você deixar passar esta oportunidade.

   Ritinha ficou um longo tempo pensativa. Por fim, falou:

– Mas você vem comigo, não é? Pelo amor de Deus, não me deixe só numa hora dessas. Sem você, eu não vou ter coragem. Você vem, não vem?!

– Claro, meu amor. Eu vou, sim, vou aonde você quiser, até ao inferno, se for preciso. Você sabe que pode contar comigo sempre. Sempre! – E Gabi pegou a mão de Ritinha e a prendeu carinhosamente entre as suas.

– Moça Gabi é muito boa cum nossa irmãzinha, Osmar. Veja só, dá gosto di si oiá. Tá si vendo que ocês é muito amiga.

– Ela é a minha irmã agora. É um anjo que Deus botou na minha vida. Foi ela que me socorreu, me encontrou caída na estrada, logo depois da minha desgraça. Aí ela me levou para o hospital, ficou comigo até eu poder andar, me trouxe para viver com ela e gastou todo o dinheiro que ganhava comigo, esse tempo todo. Eu adoro esta menina – E Ritinha colheu uma das mãos de Gabi, levou-a à altura do rosto e deixou seu lábios pousados nela.

– Ora, maninha, que bobagem. Qualquer um fazia o que eu fiz.

– Ah, mas não fazia mesmo! Vocês sabem, quando eu consegui me arrastar de casa, depois que aquele bandido saiu, fui de porta em porta, pedindo socorro aos vizinhos. Ninguém abriu a porta para mim, porque tinham medo dele.

– Disgramado! – inflamou-se Bastião – Vamo lá na delegacia agora mesmo, mano véio, vamo passá a faca naquele mardito é já! Dispois nóis exprica pra painho qui nóis mudô os plano.

– Não, mano. Vai sê um alívio pra ele. Deixa ele lá di noivinha, assim o disinfiliz sofre por mais tempo. Tenha carma.

   Bastião conseguiu se acalmar, vendo que o irmão tinha razão. E perguntou:

– Moça Gabi vem cum a gente, intão? Ajuda Ritinha?

– Ah, eu vou sim, com certeza. Mas... onde é que a gente tem que ir?

– Mano Jeremias é qui sabe adonde qui painho falô qui ia. Ele até nos falô o nome do dono da fazenda, num é, mano Bastião?

– Verdade. Intão toca saí, gentes, vamo si mexê. Vamo buscá mano Jeremias, qui tá no jogo de carteado aqui pertinho.
CONTINUA

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