segunda-feira, 28 de setembro de 2015

AMAR VOCÊ É A MELHOR COISA DO MUNDO 
MILTON  MACIEL    

Amar você foi simples, algo fácil, natural. Inevitável!
Quem pode resistir ao fascínio de uma alma superior?
Amor que não se abisma na beleza, no corpóreo,
Transcende o próprio Tempo, que é deles predador.

Podem os enamorados de ontem seguir enamorados?
Sim, se ambos souberem preservar-se mutuamente admiráveis.
E aprenderem que o segredo é jamais deslocar do outro o foco essencial.

É saber negociar com as trivialidades da vida – que envenenam.
É não deixar-se perder pelos meandros enganosos da rotina – que corroí.

É nunca deixar de lado romantismo, delicadeza, respeito e solidariedade.
É carregar os fardos sempre juntos nas adversidades - que são certas.

Nunca deixar de acreditar e, nas adversas horas, ver que há rosas entre os espinhos.
E, nas horas mais maravilhosas, ser prudente, pois há sempre espinhos entre as rosas.

E é ter permanente gratidão por ter o outro em sua vida, a ajudar-lhe o crescimento.
E ter a felicidade suprema de reconhecer, ano após ano, e após ano, e após ano,

Que amar você é a melhor coisa do mundo:
Porque a melhor coisa do mundo é... VOCÊ!

sábado, 26 de setembro de 2015

QUE FALEM MAL DE TI  – E DAÍ?
MILTON MACIEL

Gárgula sórdida, medonha, despeja falação,
como jato de água turva, deitando seu bafio.
Palavras te condenam, denigrem – desafio
que enfrento estoico, sentindo a transfixão.

Vasculham tua vida, me contam sacrilégios,
Sabotam tua imagem e minha devoção.
Transido é que me querem: por esses sortilégios,
Contam que eu abandone por ti minha paixão.

Vem à baila o teu passado, as tuas danações...
De borco é que me querem, deixando de te amar.
Mas não vêm quanto são tolas, aqui neste lugar,
Querendo que eu esqueça o que chamam de ‘ilusões’.

Não entendem que eu te quero, acima do ilusório
E, se amo quem tu ÉS, não conta o teu passado!
E que o meu futuro, ainda que seja inglório,
Só tem sentido real se for SEMPRE A TEU LADO!

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

METAMORFOSE 
MILTON MACIEL

Numa tarde distante,
Eu olhava o vazio que era minha existência:
Eu somente um mutante,
um vazio sem essência,
a errar pelos ais da minha incongruência.

Não havia esperança,
ali a me chamar nada menos que o abismo:
Eu, como uma criança,
no meu egocentrismo,
me deixando afundar mais em meu niilismo.

Mas então fez-se o dia!
Chegou-me você, com seus modos estranhos:
Me inundou de alegria,
pois chegaram, tamanhos,
o Amor e a Luz... com seus olhos castanhos!

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O REVERSO DO COMEÇO  
MILTON  MACIEL   

Miasmas fosforescentes assolam a madrugada:
Névoas, nuvens, sombras, formas, vultos, passos.
Medos, dores, pressentimentos, todos os cansaços,
Fantasmagóricas essências, o vazio, o fim, o Nada.

Desintegram-se as estrelas, os mundos estremecem,
Feixes de partículas: fótons, mésons, prótons, quarks.
Esboroa-se o universo: os derradeiros corpos darks,
E a energia incontrolável dos sistemas que fenecem.

Desfazem-se as essências, apagam-se as histórias,
Não sobram nem vestígios, nem rastros, nem memórias.
Contrai-se o grande Todo, que o Nada a tudo suga,

Encolhe-se o Universo, sobre si mesmo implode.
E o Homem vê que é o fim, que ele mais nada pode.
Que, então, para sua alma, não resta qualquer fuga.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

POBRE  SOFREDOR!  
MILTON  MACIEL 

Saio desolado, roto, cansado,
Perdido…
Vou para rua a maldizer meu fado
Sofrido...

Ó céus, como ele – todo mundo diz –
Sofreu!
Ninguém no mundo é tão infeliz
Quanto eu.

Mas quando dobro a primeira esquina,
Desolado,
Eu tenho o corpo de uma menina
Ofertado.

Há muito tempo eu sei de sua luta
Renhida,
Uma criança, mas já é prostituta,
Perdida.

Eu sigo em frente por mais um quarteirão,
Descontente,
É quando noto um vulto escuro no chão...
E é gente!

Receio que o vulto, levantando,
Me ataque.
Mas, ah, é só uma mulher fumando
Seu crack!

Vejo como a sua crise é aguda,
Danada.
E noto que ela está barriguda.
Ferrada!

Me afasto dela: Eu tenho pena é de mim,
Sofredor...
Se elas soubessem que eu padeço assim,
Um horror!

Mais uns passos e eu vejo um mendigo
Com frio.
Parece que ele quer falar comigo...
Nem espio.

Volto pra casa ainda mais triste, vazio,
Revoltado.
Ligo a Hilux pra esquentar: motor frio,
Afogado.

Vou pro Jockey, pra apostar uma grana
Lascada.
Depois pra boate de Copacabana,
Irada!

Só me chateio quando lembro dos três,
Que tristeza!
Nem deram bola pro meu padecer,
Que frieza!

Custava mostrarem um pouco de dó
De mim?
Mas nem que fosse um pouquinho só,
Assim...

Lembro dos três enquanto danço na pista:
Eu nunca vi uma gente tão egoísta!
A puta, a mulher grávida, o mendigo,
Nunca mais quero essa gente comigo!

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

UM QUASE SOL 
MILTON MACIEL

Um quase-sol semidesmaia no horizonte,
por trás de nuvens ralas, baixas, descabidas.
E um céu cinzento obscurece minha fronte,
levando a doer, ainda mais, minhas feridas.

Em cada nuvem, esboçada pelo vento,
Eu sempre acabo por prever sua figura.
Sou só saudade, sou névoa, ressentimento,
Um triste amante, estremunhado em amargura.

No contraponto das esperanças perdidas,
eu desespero, pois pressinto, em plena agrura,
você inconstante, como as nuvens esbatidas.

No meu futuro vejo só agonia pura:
O sobressalto de suas voltas e partidas
e o insano amor que, por você, em mim perdura.


terça-feira, 8 de setembro de 2015

O CAVALARIÇO 
MILTON  MACIEL 

Naquela noite gelada, William Mac Eth quase não conseguiu dormir. O frio do inverno, depois da primeira nevasca do ano, era cruel para quem tinha que dormir naquele monte de feno, que funcionava como sua cama – ali no estábulo onde Torneo era cuidado dia e noite. O cavalo de batalha de Sir Henry Comin recebia mais cuidados do que um nobre da corte. "Maldito Sir Henry! Que breve os vermes roam sua carcaça!"

Para ele, William Mac Eth, um herói da guerra de independência da Escócia, só havia aquele canto gelado numa estrebaria, um monte de feno úmido como cama e duas escassas refeições por dia. Ele, que havia dado seu sangue pela Escócia, que havia lutado ao lado de Sir William Wallace(*) até a covarde traição que o levou à prisão, à tortura e à execução em Londres, em 1305, por ordem do cruel Edward I – "Que sua alma continue a arder no inferno por todo o sempre, desgraçado!"

Para ele, William Mac Eth, que havia perdido os movimentos de uma das pernas na batalha de Stirling Bridge, quando William Wallace havia desmoralizado os bastardos ingleses, só havia agora o lugar de cavalariço de um nobre traidor, que se alinhara sempre com seus parentes, os Comins, contra Sir Robert Bruce, agora o rei de todos os escoceses leais.

Para ele, William Mac Eth, que, mesmo coxo e com dores permanentes, não deixara de lutar em Bannockburn, em 1314, ao lado de Sir Robert Bruce, quando os escoceses haviam finalmente expulsado de suas terras os diabos ingleses e feito correr o seu assustado reizinho Edward II, restava um tratamento humilhante, muito pior do que aquele que era dado a um cavalo.

Poucos escoceses sabiam que ele, William Mac Eth, tivera um papel fundamental na batalha que havia garantido a conquista da independência da Escócia. Ele, o Coxo, como passara a ser chamado, tinha sido o responsável pela fabricação e uso dos ESTREPES (caltrops), os grampos de quatro partes pontiagudas, uma das quais ficava sempre apontando para cima, e que desde os tempos de antes de Cristo eram usados para bloquear o avanço de cavalaria e de infantaria inimigas.

Em Bannockburn, ele havia coordenado o trabalho de sete ferreiros, que passaram dia e noite fabricando milhares e milhares desses grampos para usar no campo de batalha. Depois, com toda a sua dificuldade de locomoção e as dores atrozes que o acompanhavam há dez anos, desde Stirling Bridge, ele fizera questão de comandar os soldados que realizaram a distribuição dos estrepes naquela parte por onde os cavaleiros britânicos seriam obrigados a passar na hora da batalha.

Ali, ocultos pela grama alta, milhares de estrepes ficaram esperando os cascos dos cavalos dos malditos ingleses. Quando estes finalmente chegaram e o reizinho deles, Edward II, ordenou a carga de cavalaria contra os escoceses, o pandemônio produzido na tropa inimiga havia sido total. Os estrepes de Mac Eth haviam feito um estrago tremendo: cavalos saltavam relinchando, derrubavam seus cavaleiros que, caindo estrepitosamente com suas pesadas armaduras, não conseguiam mais levantar. Muitos tinham morte instantânea, quebrando pescoço ou a espinha. Inúmeros daqueles demônios invasores morreram pisoteados por seus próprios cavalos, enlouquecidos de dor e incontroláveis, com aqueles espinhos metálicos de 10 centímetros cravados profundamente nos cascos.

Com a cavalaria inutilizada inesperadamente, a infantaria inglesa ficou à mercê dos valentes homens de Sir Robert Bruce, que avançaram sobre eles e lhes impuseram uma humilhante derrota. Os ingleses bateram em retirada e seu rei decidiu que voltassem todos para Londres imediatamente. Isso equivalia a reconhecer a independência dos escoceses, finalmente.

Mas, no último momento, aquele maldito inglês o havia alcançado com uma flecha, enquanto fugia, o covarde. William Mac Eth tombou em terra, entre a vida e a morte. Foi dado como morto. Mas voltou a si dois dias depois, encontrando-se em meios a milhares de cadáveres em decomposição. Arrastou-se como pôde, esvaído em sangue, com sede, fome e febre. Desmaiou à beira de uma estrada, onde um bando de camponeses, que percorria o campo de batalha em busca de despojos para saquear, o encontrou.

William Mac Eth foi cuidado por eles e sobreviveu, depois de meses de lenta e penosa recuperação. Mas o que não recuperou direito foi sua memória. Por muito tempo esqueceu quem era. Estava assim quando Sir Henry havia passado por aquele lugarejo recrutando homens para servi-lo. Levou o desmemoriado para ser cavalariço.

Na propriedade de Sir Henry, ao mesmo tempo em que se afeiçoava ao arisco Torneo, o cavalo que era o único amigo que tinha agora na vida, Mac Eth foi recuperando sua memória aos poucos. E ficou enfurecido no dia em que finalmente lembrou quem era o maldito Henry Comin. Um escocês traidor dos escoceses, um dos bastardos que havia concebido e preparado a armadilha que prendeu o grande herói da Escócia, William Wallace, levando-o à morte humilhante em Londres.

Henry Comin era um rato traidor. E, como tal, não merecia viver. Mas, como tinha riqueza, terras e homens armados, Robert Bruce se compusera com ele e lhe dera o perdão que ele não merecia. Mas William Mac Eth não lhe dava o seu perdão. Se a Escócia e seu rei não executavam o traidor de Wallace, ele, William Mac Eth, o haveria de executar. Devia isso a Sir Wallace.

Na noite em que lembrou de tudo, Mac Eth, espumando de raiva,  correu para o lugar onde estavam seus poucos pertences, Ali, numa velha bolsa de couro, ele trazia sua relíquias de guerra.

Um osso que um inglês moribundo, que agonizava a seu lado em Bannockburn, lhe garantira que era do amaldiçoado rei deles, Edward I. O carrasco de Sir Wallace havia morrido poucos dia antes, quando liderava os ingleses em avanço para a Escócia. Morreu no meio do caminho. Já estava muito doente e o diabo viera buscar sua alma satânica semanas atrás. Pois o maldito deixou ordens para que seu corpo fosse cozinhado e seus ossos removidos e levados para Londres. O inglês que morria ao lado de Mac Eth amaldiçoou seu rei tirano e indicou a Mac Eth onde estava o grande saco que conduzia os ossos de Edward I. Suas últimas palavras foram para suplicar a Mac Eth que abrisse aquele saco e espalhasse aqueles malditos ossos entre os mortos, a maioria deles ingleses também. Que não deixasse que aqueles ossos chegassem a Londres. Com uma flecha espetada no peito e sua dolorida perna dura, William Mac Eth arrastou-se até o lúgubre saco de couro e rasgou-o com sua faca. E usou o resto de suas forças para ficar jogando aquelas peças de ossos no meio dos corpos espalhados pelo chão. Conservou um único osso de mão, que enfiou entre suas roupas. Se sobrevivesse, queria ter o prazer de esmagar aquela coisa do diabo com seus pés. Essa foi sua última lembrança de Bannockburn, perdeu os sentidos logo depois.

Mas o que William Mac Eth queria não era o osso da mão do bastardo, mas sim suas maiores relíquias da batalha: duas dúzias daqueles benditos estrepes que haviam sido absolutamente decisivos para a vitória escocesa. Eles voltariam ao campo de batalha agora. E o fariam por Sir William Wallace.

William Mac Eth sabia odiar para sempre. Mas já era agora um homem maduro, sabia também esperar, aprendera a ser paciente. Planejou tudo com muita calma e antecedência. E esperou a primeira neve do ano.

Sir Henry Comin costuma cavalgar e adestrar-se com suas armas, a maça principalmente, quase todas as manhãs, muito cedo. Mac Eth tinha que acordar por volta de quatro da madrugada e começar a preparar Torneo. Antes das seis, ainda escuro, já o senhor aparecia com dois homens de confiança. Estes lhe colocavam a armadura leve de treinamento e o ajudavam a montar. Então Sir Henry saía para galopar sozinho. Essa era uma rotina quase diária.

Naquela manhã, que sucedeu a uma noite mal dormida, não foi diferente. Às quatro horas ouviu os gritos de Ewin Mc Dougal:

– Levante, seu inútil preguiçoso! Vá preparar Torneo. Se Sir Henry chegar aqui e não estiver tudo do agrado dele, eu terei o maior prazer em dar vinte bastonadas nessa sua perna dura, seu idiota.

Mac Eth ergueu-se de um salto, ignorando a dor intensa na perna e surpreendendo o insolente Mc Dougal. É que ele estava excitado demais por causa das coisas daquela madrugada. Correu a preparar Torneo, o que em si era um ritual longo de muitas etapas, que lhe consumia muito mais de uma hora, até que o cavalo estivesse alimentado e impecavelmente limpo, escovado e arreado como para combate. Conversou longamente com seu amigo enquanto o preparava, pediu-lhe perdão em voz baixa, prometeu que iria cuidar bem dele depois.

– Já está caducando, Coxo? Conversando com cavalo? – era a voz de Roy M’Ean, o assassino usado por Henry Comin para se livrar de seus inimigos.

Mac Eth nada respondeu, apenas parou de falar com Torneo. Pouco depois Sir Henry chegou. Como de hábito, não lhe dirigiu a palavra, era como se o cavalariço não existisse. M’Ean e Mc Dougal colocaram-lhe a armadura peça por peça, deram-lhe o elmo leve, que o próprio Sir Henry fazia questão de colocar. E aí o ajudaram a montar em Torneo, que estava particularmente indócil naquela madrugada.

Mac Eth aproximou-se, para olhar o patrão bem de perto. Este aproveitou a proximidade para dar-lhe um empurrão com o pé em pleno peito, arrojando Mac Eth no chão. Os três homens gargalharam.

Para surpresa deles, William Mac Eth caiu também na gargalhada. Os outros não entenderam, mas não deram maior importância. Então todos saíram da estrebaria. Sir Henry afastou-se trotando com Torneo. Quando transpusesse a cerca sul, daria toda brida ao cavalo, que, já habituado, sairia a todo galope em direção à passagem da clareira na mata. Os dois ajudantes voltaram para a casa grande. E William Mac Eth saiu para sua penosa caminhada, na qual ganharia a mata ali mesmo, a duzentos metros da estrebaria e caminharia por ela por quase um quilômetro, até chegar à clareira. Ali, com toda a certeza, teria um encontro com o passado!...

A neve voltava a cair, muito suave agora, o que alegrou William Mac Eth ainda mais. Encobriria seus rastros. Caminhava com dificuldade, a velha dor moendo-lhe as articulações, mas ia contente como nunca. Assobiava pela mata uma velha canção de guerra e vitória. Progrediu lentamente entre as árvores até que avistou, de dentro dela, a clareira. Aí fez um esforço sobre-humano e quase correu durante os últimos cem metros.

Ali, na clareira coberta de neve branca, dois vultos negros eram facilmente visíveis. Um se agitava loucamente: era Torneo. O outro estava completamente imóvel, o brilho metálico da armadura dele traindo as primeiras cintilações avermelhadas do sol, que ainda tardaria uma hora para nascer: era o desgraçado Henry Comin.

William Mac Eth coxeou o mais rápido que pôde até Torneo, que se debatia com um estrepe enterrado no casco. Quando o cavalo viu Mac Eth, trotou em direção a ele com a pata dianteira direita dobrada no ar. Torneo relinchava e bufava. Era certo que se queixava e pedia ajuda a Mac Eth.

– Meu velho, me desculpe por essa dor. E agora vai doer mais ainda, mas eu já vou tirar essa coisa do seu pé. E Mac Eth retirou da cintura uma enorme torquês de ferreiro, que havia levado para isso mesmo. Agarrou a pata de Torneo e, com um único golpe certeiro, apanhou e puxou com toda a força o estrepe para fora. O animal deu um verdadeiro grito de dor, mas, no segundo seguinte, olhando para seu casco, percebeu que a causa do seu sofrimento havia sido retirada por seu amigo. Ainda mantendo a pata ferida levantada, Torneo se moveu de forma que sua cabeça encostasse no peito do cavalariço. E então esfregou-a várias vezes no peito de Mac Eth. "E ainda há gente que diz que os animais não raciocinam, pensou Mac Eth. Este Torneo tem muito mais inteligência que o imbecil do M’Ean, com certeza."

Só então, depois de terminar de acalmar e acarinhar Torneo, William Mac Eth voltou-se a capengou até o vulto caído. O que viu lhe pareceu melhor do que esperava. Sir Henry Comin estava caído de costas, não tinha qualquer movimento, mas estava vivo! Movia os olhos e tentava falar alguma coisa. Mas a voz não lhe saía direito.

– Quebrou a espinha, desgraçado?

Henry Comin só gemia, os olhos apavorados, observando Mac Eth com expectativa e, agora, com uma evidente inquietação. Ensaiou falar de novo e o cavalariço entendeu que ele estava tentando falar a palavra socorro

William Mac Eth ajoelhou-se na neve e retirou o elmo do grande senhor daquelas terras.

– Mais confortável assim, Sir Henry Comin? Espero que sim, para que possa ouvir e entender bem sua sentença – e começou a dizer, com voz empostada:

– Henry Comin, maldito traidor do seu povo, maldito traídor de Sir William Wallace: Eu era um dos homens de Wallace! E eu estava lá, no meio do povo que assistia, quando aquele tirano do diabo, seu estimado Edward I dos ingleses, o fez torturar e decapitar. Henry Comin, traidor dos diabos, Robert Bruce, hoje rei dos escoceses o perdoou por sua infâmia. Mas o povo da Escócia não o perdoa. Sir Wallace não o perdoa. E EU não o perdôo.

Abaixou-se para pegar o estrepe com uma ponta ensanguentada, que havia retirado da pata de Torneo:

– Quer saber o que aconteceu, imbecil? Olhe bem isto aqui: É um estrepe. Eu coloquei duas dúzias deles sob a neve esta madrugada, aqui nesta clareira, que é caminho obrigatório para suas cavalgadas. Pena que tive que machucar meu amigo. Mas era certo que ele ia derrubar você, afinal é para isso que servem os estrepes. Pois é, você se estrepou, assassino. Sabia que esse verbo, estrepar, tem origem na palavra estrepe? Então agora vamos à sua sentença.

Os olhos de Henry Comin giraram esbugalhados nas órbitas, era evidente que ele estava procurando por seus homens. Além daqueles dois bandidos, ele tinha dezenas de soldados a seu dispor. Mas William Mac Eth apenas observava o desespero do grande senhor, totalmente desvalido e incapaz de dar suas ordens agora. O cavalariço empostou a voz de novo:

– Henry Comin, rato miserável, traidor imundo, ladrão, assassino e estuprador: Em nome da Escócia, em nome de Sir William Wallace e em nome do guerreiro escocês William Mac Eth, eu o condeno à morte! Nem precisaria, afinal agora você está um inútil pior do que eu. Eu perdi o movimento da perna, você perdeu todos os movimentos, idiota. Eu devia deixar você vivo para vegetar o resto da vida. Você iria sofrer muito mais, sofrer como merece. Mas não posso. Eu jurei a mim mesmo e jurei mentalmente a Sir Wallace, no momento em que ele era executado pelo carrasco, que eu haveria de executar, um a um, todos os seus traidores. Não foi preciso. Os outros já foram mortos ou morreram antes que eu pudesse lembrar - perdi a memória, você sabe. Mas sobrou você, seu rato imundo. Então eu lhe concedo o perdão...

Os olhos de Henry Comin se arregalaram de novo, uma expressão de alivio pareceu se desenhar neles.

– Eu lhe concedo o perdão... por mais alguns minutos! Aproveite, enquanto eu vou ali na frente, recolher o restante dos meus estrepes da neve. Sabe, são meus brinquedinhos de estimação. Eu os amava pelo que fizeram na guerra de independência em Bannockburn. Agora eu os amo mais, pelo que fizeram com você, seu miserável. Aproveite, viva bastante esses seus últimos minutos. Reze para eu demorar a encontrar todos os meus estrepes, porque eu não vou deixar nenhum dos meus filhinhos nesta neve fria. Vamos lá, comece a contar seu minutos finais, traidor imundo.

E William Mac Eth começou pacientemente a procurar com as mãos e resgatar seus preciosos estrepes da neve. Contou e recontou. Vinte e três! Com mais aquele de ponta avermelhada, que estava agora comodamente apoiado em cima do peito arfante de Henry Comin, vinte e quatro! Todos salvos...

Então manquitolou até o homem imóvel na neve:

– Olhe só: estão todos aqui. Só um deles acabou com você, Henry Comin. Um estrepe causou o seu fim, desgraçado. Sabe, eu até poderia considerar deixá-lo vivo, paralítico até morrer. É, acho que eu teria optado por fazer isso, seu sofrimento seria maior. Mas isso foi até agora há pouco, quando você me deu aquele chute na estrebaria. Agora eu tenho que lhe dar uma pena em meu próprio nome, além das que você recebe pela Escócia e por Sir Willian Wallace. E eu não sei perdoar uma afronta pessoal, Sir Henry Comin. Sou rancoroso e vingativo demais.

William Mac Eth abaixou-se e recolheu do chão a maça de Sir Henry, já semi-encoberta pela neve. E disse as últimas palavras daquela manhã, que via agora o sol brilhar radioso na linha do horizonte leste:

– Agora você vai entender porque eu tirei o seu elmo. Boa viagem até o inferno, Sir Henry Comin.

Girou três vezes a maça no ar, a enorme bola de ferro cheia de pontas refletindo a luz do sol nascente.

– Em nome de Sir William Wallace!

E a esfera de ferro desceu fulminante, tingindo de rubro a brancura da neve.

Um minuto depois, dois coxos avançavam pela floresta, mas agora rumo ao oeste. Um homem manco de uma perna, um cavalo com uma pata levantada. Mais algumas horas e, quando vissem que Sir Henry não tinha voltado para o almoço, sairiam homens à sua procura. Logo o encontrariam na clareira. Só não encontrariam mais seu cavalariço. Nem seu cavalo.

A floresta era grande. A neve, aumentando agora, apagaria as pegadas rapidamente. Em pouco tempo o cavalo já poderia ser montado. E então seu amigoTorneo compensaria sua velha perna estropiada, enquanto estivessem juntos. O resto... era o futuro. Que é sempre uma incógnita, porque que se preocupar com ele? O coxo de quatro pernas relinchava aliviado. O coxo de duas pernas assobiava feliz: "Onde estiver, Sir Wallace, que Deus o tenha!”

(*) Sir William Wallace foi protagonizado no cinema por Mel Gibson, no filme BRAVE HEART - CORAÇÃO VALENTE. O filme é bastante fiel à história, com exceção do romance com a princesa, que só apareceu no Inglaterra três anos depois de Wallace ter sido executado. E também não foi verídica a morte do rei Edward I no dia da execução do herói escocês. O rei morreu anos depois.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

POSSE NA ACADEMIA JOINVILENSE DE LETRAS
Como agradecimento a todos os amigos e amigas, que me cumprimentaram por minha posse na Academia Joinvilense de Letras, ofereço-lhes esta poesia, que recitei na cerimônia, momento gravado na foto ao final.

SUPREMA EXPRESSÃO DA BELEZA
Milton Maciel

Ó divinos criadores, arquitetos celestiais,
Eis o novo desafio, de dimensões colossais:
É mister que, hoje, criemos o canto de uma nação
E, para os seus habitantes, uma forma de expressão.

Seja uma forma falada das mais sutis melodias,
Que possa cantar, a um tempo, os amores e elegias.
Que tenha o sonido cavo do ribombo dos trovões,
Expresse o bramido das ondas, o ronco dos furacões.

Mas que possa, ao mesmo tempo, doces amores cantar,
E espalhe os suaves sussurros dos amantes ao luar.
Que ela traduza, dolente, mil sutis sonoridades,
Que vão do brilho dos céus até a escuridão do Hades.

Que abrigue, em seio gentil, as rimas mais primorosas
E que descreva, inebriante, cores e aromas de rosas.
Mas também saiba dizer, a mais que suaves dosséis,
O estrupidar violento dos cascos de mil corcéis.

Cante a vida delirante, com seus prazeres sensuais,
Mas grite também lamentos nos momentos mais fatais.
Que externe a alegria que encanta e a mágoa que corrói
E celebre, em triunfantes odes, os seus maiores heróis.

E ao chegarmos, no final, a tão suprema Beleza,

A esta joia chamaremos de Língua Portuguesa!

POSSE NA ACADEMIA JOINVILENSE DE LETRAS

Ontem, 2 de Setembro, tive a honra de tomar posse, como "Membro Efetivo e Perpétuo", da cadeira da Academia Joinvilense de Letras que pertenceu à poetisa Josette Maria Schwoelk Fontán e que tem como patrono o escritor Ernesto Niemeyer.

Na foto abaixo, da esquerda para a direita, Jura Arruda, Carlos Adauto Vieira, Milton Maciel e George Postai. Jura e George também assumiram suas cadeiras nesse mesmo dia. O Dr. Carlos Adauto é o presidente da Academia.

O jovem e altíssimo George, se ainda não é o maior acadêmico, já é o acadêmico maior que temos.