sábado, 30 de agosto de 2014

RECEITA DO VERDADEIRO QUIBE SÍRIO  
(Culinária Original)  

Aproveite esta receita original e siga todas as instruções, para sentir o gostinho do verdadeiro kibe sírio. O importante é que esta é uma receita ORIGINAL, fiel às suas RAÍZES. Por isso fizemos questão de reproduzi-la por fac-símile. Aproveite.
Fonte: www.intertransfers.com


sexta-feira, 29 de agosto de 2014

MUNDO  HIPÓCRITA 
MILTON MACIEL 
O consumo de ÁLCOOL CUSTA MAIS para os países no mundo todo do que TODOS os problemas de consumo de droga COMBINADOS. COMBINADOS!!!
Ele está por trás da maior parte das mortes no trânsito e das agressões seguidas ou não de morte, inclusive as domésticas. São MILHÕES DE CASOS POR ANO, só aqui no Brasil!
 
O consumo de FUMO ocasiona custos mais elevados ainda, em termos de saúde pública. Os governos gastam mais com as doenças do tabaco do que conseguem arrecadar com os impostos nababescos sobre cigarros. 
 
ÁLCOOL E FUMO: Essas é que são as duas grandes DROGAS assassinas da HUMANIDADE.
Os produtores e traficantes de drogas como maconha, cocaína, heroína ou crack são criminalizados e chamados de bandidos. Mas eles não causam tanto dano à humanidade quanto seus colegas produtores e traficantes legalizados de bebidas alcoólicas e cigarros.
Os fabricantes de bebidas alcoólicas e seus traficantes são chamados de Empresários – industriais ou comerciantes. Gozam de respeitabilidade na comunidade. Têm como sócios governos gananciosos e corruptores da saúde e da felicidade de seus cidadãos, que lucram JUNTO com seu sócios fabricantes de drogas oficializadas e permitidas, às custas de seus milhões de vítimas, sob a forma de impostos altíssimos. Esses fabricantes e distribuidores das duas piores drogas causadoras de dependência estão por trás do maior número de desgraças e mortes no planeta Terra.
Fumar é completamente anti-natural, é absolutamente irracional. Quem fabrica cigarros, sabe que é assassino. Mas nega. Quem comercializa esses produtos é seu CÚMPLICE.
Colocar ALCOOL para dentro do corpo é completamente antinatural. É absolutamente irracional. Os animais não bebem bebidas alcoólicas. Só a estupidez humana consegue fazê-lo. Quem fabrica bebida alcoólica sabe que está fabricando veneno que pode intoxicar, causar dependência, predispor a acidentes e à violência, causar mortes aos milhões. Seu produto, o álcool, não causa benefício algum ao organismo. Portanto, ele é tão deletério quanto quem fabrica cigarros. Quem comercializa esses produtos é seu CÚMPLICE.
O que se diz aqui não tem nada a ver com religião e fanatismo religioso. Não tem nada a ver com moralismo e falso moralismo. Não milito em nenhuma dessas duas áreas, felizmente. Tem a ver com LÓGICA e RACIONALIDADE. Tem a ver com ciências exatas, biológicas e humanas – com química, bioquímica, medicina, sociologia, psicopatologia, economia e administração pública. Tem a ver também com ÉTICA. Não há nada que consiga JUSTIFICAR a inalação de tabaco e a ingestão de álcool para dentro do corpo humano. NADA!
Os animais, ditos pelos humanos “irracionais”, não bebem nem fumam. Só bebem e fumam os irracionais humanos. E gastam verdadeiras fortunas ao longo de décadas de vida para fazer esse papel ridículo e comprometer a saúde de seus organismos. Extrema irracionalidade.
Que piora quando o irracional se torna ainda mais irracional, por se tornar DEPENDENTE. A culpa dessa desgraça é primariamente do FABRICANTE dessa droga terrível, a bebida alcoólica. Ele, conscientemente,  investe milhões em marketing e propaganda para criar mais e mais dependentes, principalmente entre adolescentes e crianças indefesos. É um Pablo Escobar, mas é chamado de Empresário. A mesma coisa é feita pelos Pablo Escobar do tabaco. A rede revendedora atua como cúmplice, sabendo que vende potencialmente a doença, a dependência, a violência e a morte. Mas tiram o deles da seringa e botam a culpa no consumidor somente.
Todos, fabricantes e comerciantes, imitam o cretino que foi presidente da maior empresa fabricante de cigarros do mundo, que teve a cara-de-pau de afirmar: “Fumar é uma questão de opção. Deixar de fumar, também é”.
BANDIDO! Como se o produto dele não causasse dependência! Ou seja, botam a culpa no CONSUMIDOR. A culpa é dele, que fuma porque quer, que bebe porque quer, que bebe demais porque é um idiota. BANDIDOS! Lá de vez em quando, muito raramente, a Justiça americana dá ganho de causa a uma vítima contra um fabricante de cigarros. Já os seus equivalentes da indústria da bebida alcoólica, nunca são processados. ABSURDO!

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

TELMA, LOIRA, ENFERMEIRA - Miniconto
MILTON MACIEL

– Fique quietinho agora. Respire bem devagar. E não tente se levantar ainda.

Para mim, parecia que aquela voz sussurrada vinha de uma outra dimensão... Mas ela me trazia de volta ao mundo real. Entreabri os olhos e deparei com um rosto simplesmente perfeito, absurdamente bonito, como eu nunca tinha visto na vida. A dois palmos de mim, emoldurados entre cabelos loiros e brilhantes, dois olhos de um azul esverdeado quase diáfano me fitavam com candura e bondade, infundindo-me uma paz inacreditável. Só então compreendi que eu tinha desmaiado e que aquela criatura divina, com um corpo escultural, denunciado por um conjunto de blusa e calça impecavelmente brancos, estava cuidando de mim, tratando de me reanimar.

Sim, minutos atrás eu tinha conseguido chegar ao cemitério, onde estava se dando o ato final do sepultamento do meu maior amigo. Jonas havia falecido estupidamente em um acidente de moto, algumas horas antes, naquele fatídico 12 de agosto de 2014. Quando uma voz metálica e distante me deu a notícia por telefone, eu estremeci: Jonas! Não, não ele! Meu camarada de infância, colega de escola, de farra, de conquistas amorosas, de faculdade. Muito mais do que o irmão que não tive. Ultimamente a vida tinha nos afastado, com o meu trabalho me levando para uma cidade a mais de 2000 Km da nossa, de onde ele nunca quisera sair.

Foi muito difícil conseguir passagem de avião para aquela manhã e o vôo ainda atrasou mais de duas horas; acabei chegando ao cemitério em cima da hora. Quando encontrei o local do sepultamento, este já estava acontecendo e cheguei no momento exato de ouvir aquele som horroroso, produzido pelas primeiras pás de terra arremessadas sobre o caixão. Durante toda a viagem eu tinha me portado de forma tranquila, estoicamente. Mas quando ouvi aquele barulho aterrador, tudo o que estava represado no meu consciente e no meu inconsciente extravasou num urro de fera e num ataque violento de choro convulsivo. Só então entrou, encaixou com toda brutalidade na minha mente, que Jonas estava partindo para sempre.

Comecei a ficar sem ar, tonto, vendo tudo girar à minha frente. Senti que alguém me pegava pelo braço enquanto eu estava desabando no chão. Depois toda a luz do dia se apagou e eu não sei por quanto tempo permaneci nesse estado. Só sei que agora estava recobrando a consciência, graças àquela criatura celestial à minha frente. Desejei saber quem era ela, seu nome...

Como se pudesse ouvir minha pergunta silente, a musa falou novamente, enquanto ajeitava minha cabeça no sofá onde tinham me colocado. Era evidente, então, que tinham me carregado lá de fora para aquela sala.

– Sou Telma, enfermeira. E você é o Orlando, eu sei. Pois agora fique quietinho, Orlando, descanse mais um pouquinho. Você já está bem e eu garanto que não vai ter mais nada. Ah, faz quase uma hora que eu trouxe você para cá. Lá fora está tudo acabado, mas você vai ficar bem agora.

Meus Deus, que criatura mais fantástica aquela! Que mulher maravilhosa! Eu me senti como um menino que acaba de descobrir que pode ganhar o presente mais incrível de sua vida. Desejei que ela nunca mais saísse do meu lado, era como se, de repente, eu tivesse que acreditar em algo de que sempre desdenhara: Sim, existia mesmo amor à primeira vista! Telma, minha doce Telma, levantou da cadeira onde estava sentada ao meu lado o tempo todo e disse:

– Agora eu preciso ir, Orlando. Mas daqui um instantinho você vai me encontrar de novo, certo? Só que eu quero que você seja um bom menino, fique aqui deitado mais uns dez minutos. Depois pode sair.

Vocês podem não acreditar, mas eu entrei em pânico imediatamente. Eu não queria que ela fosse, ainda que fosse reencontrá-la minutos depois. Era como se eu fosse perder a coisa mais preciosa que eu tinha descoberto na vida, algo completamente irracional. Tentei me segurar, ter um mínimo de controle. Ela parece que entendeu minha agitação, passou a mão carinhosamente pelo meu cabelo e – o céu, o êxtase! – aproximou de mim o rosto perfumado e deu-me um beijo suave e longo na face. Depois saiu, dizendo, da porta:

– Você é muito querido, Orlando. Também eu teria gostado muito – e desapareceu.

Meu coração ficou aos pulos. Ela me beijou, me afagou! E disse que teria gostado muito... Teria... por quê? Ah, meu Deus, será que ela era casada?!

Não aguentei os dez minutos, nem bem ela sumiu da minha vista, no meio da alameda de ciprestes, eu me levantei de um salto e corri atrás dela. Chamei:

– Telma! Telma! – e corri entre as campas de grama, marcadas apenas por cruzes brancas e por lápides. Perguntei às pessoas que encontrava se tinham visto uma enfermeira loira, jovem, toda de branco. Não, ninguém tinha visto, ninguém mesmo.

Subitamente meu passo foi interrompido por algo que eu não vi. Apenas sei que tropecei no próprio ar e, para não cair, me apoiei numa enorme lápide branca, de mármore, com uma inscrição e uma grande fotografia, como quase todas ali.

E foi quando, tal qual ela havia garantido, revi Telma.

Meus olhos levaram algum tempo para se desprender daqueles olhos diáfanos, de cor azul esverdeada, que me olhavam de dentro da fotografia colorida. Olhei para as letras e elas gritaram para mim o inacreditável:

Telma de Souza
* 27/01/1987      + 11/08/2014
Saudades dos seus colegas do Hospital Universitário

Caí de joelhos no chão, abracei-me à lápide, encostei meu rosto na fotografia sob o vidro oval. Minha Telma, meu anjo loiro, tinha morrido um dia antes de Jonas! Senti que ela estava ali comigo. E senti que naquele momento, sim, seria a nossa despedida. Fiquei feliz ao lembrar que ela disse que ela também teria gostado. Como eu teria gostado tanto, tanto! Mas não foi possível... Depois de um longo período levantei dali na mais completa e absoluta paz. Ela tinha partido! E fui tratar de fazer o que tanto Jonas como Telma queriam que eu fizesse, tive certeza: fui continuar minha vida.

E seria uma vida diferente. Telma, ao me socorrer, salvou-me mais do que o corpo: devolveu-me a crença nas pessoas, a crença na Vida. Antes de Telma, eu era materialista, agnóstico, cínico. Ela precisou menos de duas horas para me mostrar que eu estava redondamente enganado!



terça-feira, 26 de agosto de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO – 20ª. Parte 
MILTON MACIEL 

Fim da 19ª. parte:
Voltaram àquele passo rápido que tinham, que não os forçava e não os fatigava. À sua frente tinham mais de um dia de marcha pelo planalto, ate poderem chegar a Piratininga, onde ficava Inhapuambuçu, a taba do cacique Tibiriçá. A casa de Potira! – era tudo o que pensava João Ramalho

20ª. parte: Piratininga
Depois da escaramuça com os tamoios e o resultado surpreendente que dela adveio, o dia passou a ser de encantamento para todos. Caminhavam com os corações cheios de alegria; e plenos de gratidão para com seu amigo peró.

Nunca os guaianases tinham conhecido um branco assim. Todos os brancos que chegavam nas praias, tanto nas terras deles, como nas dos carijós mais ao sul  ou dos tupinambás e tamoios mais ao norte, vinham com vontade de serem donos de tudo, de tomar a terra dos índios para eles. Eram portugueses – os perós – ou franceses, que falavam uma língua muito diferente da dos perós. Havia também outros brancos de fala mais parecida com a dos perós, a quem estes chamavam de espanhóis, e que muito raramente apareciam por ali, mas que os carijós afirmavam que eram abundantes nas terras do sul.

Nunca um peró se mostrara tão amigo e tão leal com os guaianases. João Ramalho adorava brincar com as índias e aprender a lutar e caçar com os índios. E nunca falara que queria ser dono da terra, como os outros perós, que tudo o que queriam era ficarem ricos – fosse lá isso o que fosse – da noite para o dia, tomando para si grandes pedaços de terra e encontrando o tal do ouro de que tanto falavam. Sabiam que, em mais de um lugar, os brancos tinham feito os índios seus escravos, obrigando-os a trabalhar na extração de ibirapiranga – que os franceses chamavam de bresil e os perós de pau-brasil.

O próprio Jamari tinha sido vítima de um peró bandido, que capturava índios para escravizar e vender aos franceses. Mas João Ramalho não falava nunca que queria ser um branco rico, dono de terras e de escravos. Pelo contrário, o tempo todo ele só falava que queria ser um índio. Que queria viver livre e pelado como um índio, casar com uma índia, ter muitos filhos, todos eles índios. E não queria ter terra, porque, como um índio, sabia que a terra não pode pertencer a ninguém, porque ela já pertence a todos, desde que Tupã colocou os homens e as mulheres sobre ela.

E agora, mais do que nunca, aquele peró homem bom havia demonstrado como ele era mesmo um verdadeiro guaianá. Lutara com o chefe inimigo e desafiara todos os guerreiros tamoios de uma vez só, para poder ajudar seus companheiros. E, como se não bastasse, diferente de todos os outros brancos, aquele se esforçava dia e noite para aprender a língua dos índios. E aprendia rápido, com enorme facilidade, já se fazendo entender na maior parte das ocasiões.

Durante o alegre percurso naquela manhã, até a hora em que pararam à beira de um rio, para caçar, banhar-se, pescar e apanhar frutos e mel, os jovens guaianases se revezaram ao lado de João Ramalho, puxando conversa com ele, elogiando a luta do homem chamado Romano, contando coisas suas. Enfim, tratando de se aproximar ainda mais daquele que começava a se tornar um verdadeiro companheiro e um provável líder para eles. Compreensivo, Jamari se afastava do lado de João, para dar lugar a um ou mais dos rapazes, quando se aproximavam mais do amigo peró, amigo homem bom! Jamari, num certo momento, achegou-se novamente,  para dizer a Ramalho:

– Turma toda agora vê que João é homem bom, bom e corajoso, bom e esperto. Todo mundo quer ser amigo de João. Isso é bom, muito bom.

– Ora, pois, Jamari, como não ser assim, se eu sou de fato um de vós agora? Fico feliz que todos me recebam como amigo e companheiro. Eu sou um guaianá e minha vida agora pertence a vossa tribo, a qual defenderei com toda a força do meu ser, até o fim dos meus dias. E isso independente de eu me tornar marido de Potira ou não. Porque, mesmo que isso não venha a acontecer, se Tibiriçá e vocês me aceitarem em Inhapuambuçu, é ali que eu quero viver para sempre, como um autêntico índio.

Jamari sentiu-se comover e respondeu, em sua fala mansa e simples:

– João homem bom! Jamari tem orgulho de ser amigo de João.

– Pois eu digo e afirmo Jamari: vocês, de agora em diante, são a única família que eu hei de ter neste mundo.

Estavam parados, preparando a refeição, quando esse diálogo foi ouvido por todos. A reação geral foi a de uma verdadeira comemoração, com batidas de pés e um grito em uníssono, semelhante àquele que haviam dado, horas atrás, para festejar a solução do embate contra os tamoios. Definitivamente, João Balbode de Maldonado havia morrido em terras brasileiras! Aquele que ali estava, conversando animadamente em tupi com seus companheiros, era somente mais um índio guianá, um grande guerreiro e um grande amigo. E um futuro parente do grande chefe Tibiriçá.

Depois de um período maior de descanso, o grupo retomou a marcha pelo grande planalto, cruzando riachos tranqüilos e poucos rios de maior porte, ora em meio a trechos de mata fechada, ora em meio a campos dotados de muito capim e vegetação de pouca altura. Num desses riachos avistaram um bando de capivaras e flecharam uma delas, que lhes serviria de refeição para a noite, que já se aproximava.

Tão pronto o sol se escondeu e as primeiras estrelas despontaram, improvisaram de novo um rústico quebra-vento, ao abrigo do qual acenderam sua fogueira e assaram sua carne. Então, depois de comerem mais uma vez regiamente, estiraram-se todos para o sono da noite. Mais uma vez João Ramalho fechou os olhos com um sentimento de plenitude e gratidão: Isto é o Paraíso!

Não era somente o paraíso, mas era também outra coisa, como Jamari lhe anunciou, assim que o sol começou a surgir, iluminando a paisagem deslumbrante à frente deles:

– Isso tudo Piratininga! Nós tá quase chegando a Inhapuambuçu, João. Falta pouco.

O português sentiu o coração disparar. Então ele estava em Piratininga, estava a poucas horas de Inhapuambuçu, ou seja, a poucas horas de rever sua Potira! Teve vontade de sair correndo, mas lembrou-se que, em primeiro lugar, não sabia para que lado correr. E depois, era um membro de uma equipe, juntos tinham começado a viagem, juntos deviam terminá-la. Aquietou-se e esperou a iniciativa dos companheiros.

Mas, para sorte sua, também eles tinham pressa, também eles tinham ali suas famílias, seus amores, seus amigos. Todos queriam chegar logo, de forma que a marcha foi de fato muito mais acelerada do que no resto do percurso pelo planalto.

Cruzaram um riacho de águas muito barrentas, avermelhadas e um dos companheiros disse ao português:

–  Este I-Piranga, água vermelha. Ipiranga, muito perto de Inhapuambuçu.

Outro apontou para o sudoeste e falou:

– Olha, João, aquele é Jaraguá, monte alto, já é depois de lugar da tribo nossa. Agora nós só tem que andar até o rio dos tamanduás, o Tamanduate-í. E aí nós chegou.

Estimulados por estas duas últimas palavras, todos começaram a trotar e depois a quase correr. Passaram por coivaras, onde o chão estava enegrecido de carvão e cinza, esperando a época dos novos plantios. Passaram por áreas de cultivo de mandioca e começaram a cruzar com gente que ia e vinha, ocupada em suas tarefas do novo dia.

Eram mulheres e homens que saudavam o grupo de rapazes com muita alegria. E reparavam naquele branco diferente, pelado como eles, mas dotado de uma enorme cabeleira e de uma enorme barba, ambas castanhas e muito crespas.

–  Aramalho! Aramalho! – gritavam todos eles animada-mente. Era óbvio que já sabiam de seu compromisso com a filha do cacique, de sua esperada viagem até Piratininga e era também mais do que óbvio que ele tinha sido muito bem descrito para aquela gente que não o conhecia.

Algumas daquelas pessoas recolhiam samburás cheios de peixes das beiras dos rios, outras iam apanhar caça nas armadilhas deixadas para a noite. Outras estavam já voltando com muita lenha para queimar. Em todas elas, indistintamente, João Ramalho notou um toque em comum: a alegria, a tranquilidade. É o Paraíso e esses são seus anjos.

Mas o anjo maior de todos se chamava Potira e, a partir daquele momento, Ramalho passou a olhar todas as mulheres por que passava com miradas de total ansiedade: quando seus olhos pousariam na face resplendente de sua amada?

Notou que eles agora tinham que transpor uma espécie de barreira feita com grandes amontoados de restos secos de árvores, que se dispunha longamente ao redor de...

– Inhapuambuçu! – gritaram todos os seus companheiros de jornada, festejando em altos brados. João compreendeu que aqueles galhos funcionavam como uma espécie de muralha defensiva rústica para a taba. De fato, a Inhapuambuçu que se descortinou a seus olhos, não tinha uma paliçada de troncos a defendê-la, como ele tinha suposto que tivesse. O português logo percebeu que aquilo era uma tradução da enorme raridade dos ataques de inimigos à aldeia.

Então as primeiras ocas começaram a surgir, ao redor da ocara com suas fogueiras.

A notícia da chegada dos jovens índios e seu companheiro peró já havia chegado horas antes à taba, sinalizada por sentinelas que estavam encarapitadas em árvores ao longo do caminho. Na ocara, um grande número de indígenas estava reunido com seus cocares, colares e pinturas de festa. Chocalhos, tambores e membis tocavam ruidosamente e as pessoas batiam pés, dançavam e cantavam.

Salvavam animadamente os rapazes que chegavam. Mas, num determinado instante, todos pararam e se voltaram para a saída de uma grande oca. João Ramalho estremeceu: só podia ser o chefe Tibiriçá! Será que ele o acolheria como um índio, condição expressa pra confirmar-lhe o casamento com sua filha?

Mas não era Tibiriçá a figura que estava parada na saída da oca, recebendo os olhares de admiração de todos os presentes.

Era POTIRA! – deslumbrante em sua beleza, ressaltada por pequenos enfeites de extremo bom gosto!


CONTINUA

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO - 19a. Parte   
MILTON MACIEL 

Fim da 18a, parte:
Jamari soltou-se dos tamoios que o aprisionavam e foi explicar o impasse a João Ramalho. Então o português falou algo a Jamari que o fez arregalar os olhos com enorme brilho. E ele falou para todos os tamoios, enquanto João Ramalho sujeitava firmemente o filho do chefe deles num verdadeiro torniquete ao redor do pescoço:

19a. parte - O planalto
– Vocês ganhou de nós na luta, porque vocês muito mais gente. Mas seu chefe lutou só com um peró e perdeu. Perdeu feio! Vergonha pra ele, não vergonha pra nós. Então nós pode levar ele. E vocês leva os que quiser de nós, mas só um pouco.

Nesse momento João Ramalho interveio, falando em seu já razoável tupi:

– Ou vocês não levam ninguém e eu não levo o chefe de vocês!

E, no mesmo momento, libertou o filho do cacique tamoio de seu abraço. Abraço de urso, pensou, divertido. Está aí um bicho que aposto que estes bugres não conhecem.

O homem libertado por ele correu a se reunir com seus guerreiros e os dois grupos se refizeram, com os poucos que tinham ficado inconscientes já de volta à plena consciência. Seguiu-se um tempo de muita deliberação e discussões. Para os tamoios, voltarem sem o filho do cacique e, ao mesmo tempo, chegarem com seis ou mais prisioneiros implicava em um risco mais ou menos sério. Por eles, estava melhor aquele acordo proposto pelo peró.

Já alguns dos guaianases achavam que seria uma grande desonra para eles se aceitassem aquilo. Tinham sido claramente derrotados pelos tamoios, a nobreza de comportamento lhes exigia que fossem levados como cativos para a taba dos vencedores. E que fossem comidos como importantes guerreiros, em grande festa cerimonial.

O impasse estava formado, porque alguns tamoios não queriam ir embora sem levar prisioneiros, ao passo que a maioria preferia não correr o risco de chegar sem o filho do chefe. Mais uma vez foi João Ramalho que resolveu a situação, com uma ideia muito amalucada:

– Pois eu desafio todos vocês a lutarem comigo. Mas tem que ser um de cada vez, se vocês não forem covardes. O chefe de vocês já é meu prisioneiro. Agora eu derroto todos vocês, um após o outro, e nós levamos todos os tamoios para comer em Inhapuambuçu.

A seguir, apanhou no chão e calçou suas botas, para surpresa geral. E colocou-se imediatamente em posição de luta, abaixado. Um guerreiro tamoio aceitou o desafio e veio se colocar à frente dele. João fez sinal a ele que atacasse primeiro. Quando o homem avançou com os braços, o português saltou para trás, erguendo-se velozmente. Armou o bote e soltou-lhe um tremendo pontapé na cabeça, atingindo-o em cheio com o duro salto de sua bota, O tamoio rolou no chão, desacordado. Do alto de sua cabeça corria um filete de sangue.

Ramalho encaminhou-se para o grupo de inimigos e colocou-se novamente, agachado, em posição de luta. Houve um longo intervalo em que nada se ouvia, a não ser o ciciar de cigarras na floresta. Então o chefe dos tamoios, o filho do cacique, assumiu sua condição de autoridade máxima e gritou com seus guerreiros, ordenando-lhes que voltassem todos para sua taba imediatamente.

Pelo alarido feito por eles e, também, pelos guaianases, pôde-se ver que estavam todos muito felizes e aliviados com o desfecho. O líder tamoio caminhou então em direção a João Ramalho e lhe disse:

– Peró grande lutador. Muito corajoso, desafiando todos nós pra briga. Muito esperto também! Peró salvou minha vida e salvou todos nós, os que perderam, tamoios e guaianases, de passar vergonha. Eu sou Acauã, filho de cacique Ubiratã. Acauã é grato a peró, peró pode visitar nossa tribo quando quiser, meu pai vai ficar contente e vai mandar que nenhum de nossa tribo seja inimigo de peró.

João Ramalho aproveitou imediatamente o ensejo e, tomando na sua a mão de Acauã, apertou-a à maneira européia, enquanto dizia:

–  Meu nome é João Ramalho, sou peró e tenho honra de ser amigo de Acauã, de seu pai Ubiratã e de seus guerreiros. Que nunca mais exista luta entre nós. E pode ter certeza que vou aceitar, sim, o seu convite e vou visitar sua tribo dentro de algumas luas. Posso levar meus amigos aqui?

Não só Acauã, mas todos os tamoios disseram que sim. Ao menos entre aquele reduzido números de guerreiros tamoios e guaianases a paz estava feita. Despediram-se com amplos gestos de amizade e foram embora cada um para seu lado, com os guaianases demandando o rumo sudoeste.

O planalto

Depois de caminharem cerca de um quarto de hora em silêncio, subitamente, a um sinal de Jamari, todos os guaianases pararam e prorromperam num brado uníssono de vitória. E correram todos a abraçar o português. Jamari falou:

– João Ramalho salvou todos nós hoje. E salvou a honra de todos também. Quando chegar em Inhapuambuçu, nós vai contar tudo e pedir pra fazer grande festa em homenagem a João. Grande luta essa de peró, com as mãos fechadas e com os pés. Nós não tá acostumado com ela, nem os tamoios. Com ela, João vence fácil qualquer índio. Como chama essa luta?

– Ah, nos chamamos de luta livre romana. E a luta que usa só os punhos, chamamos de pugilato romano.

– Romano? Que é isso?

­­– É o nome de quem inventou essa luta – João Ramalho sabia que não adiantaria nada falar sobre Roma naquela hora e lugar.

– Pois esse tal de Romano é homem muito inteligente, luta dele muito boa. João pode ensinar a gente a lutar assim, como o Romano?

– Ora, mas é certo que sim, meu bom amigo. Está aí uma boa, uma ótima ideia. Vamos fazer isso, sim. Vocês vão me ensinar muita coisa boa do mundo de vocês e eu vou ensinar as coisas boas do meu. Está decidido.

Então todos retomaram a marcha, conversando muito animados, comentando a rápida reviravolta que o amanhecer lhes trouxera. Primeiro o ataque dos tamoios, depois a derrota e a possibilidade do cativeiro e da morte honrosa, redentora dessa derrota. E aí, inesperadamente, a reviravolta de reviravolta, com o peró desafiando e vencendo dois fortes guerreiros tamoios e, com sua ideia genial, transformando tudo numa inimaginável celebração de paz e até de amizade com o inimigo.

Voltaram àquele passo rápido que tinham, que não os forçava e não os fatigava. À sua frente tinham mais de um dia de marcha pelo planalto, ate poderem chegar a Piratininga, onde ficava Inhapuambuçu, a taba do cacique Tibiriçá.

A casa de Potira! – era tudo o que pensava João Ramalho, que voltara a caminhar de pés no chão, com as botas novamente amarradas ao redor do pescoço.

CONTINUA

domingo, 24 de agosto de 2014

DESENCONTRO CÓSMICO  
MILTON  MACIEL 

Por muitos Mundos e Esferas,
Por todo o Tempo, por Eras,
Andei em busca de ti.
Por Dimensões e outros Planos,
Todos os mares e oceanos...
Mas não te reconheci.

Eu me sentindo um estulto
Por perseguir o teu vulto,
Sem nunca poder te achar.
Por pressentir tua essência,
Tua alma, tua existência,
Não logrando te encontrar.

Nunca tenho paradeiro,
Eu corro o Universo inteiro,
Procurando o que perdi.
Como eu me sinto vazio!
Como o meu mundo é tão frio!
Como eu anseio por ti!

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO - 18a. Parte  
MILTON MACIEL

Fim da 17a. parte:
Mas em pouco tempo havia fogueira, muita lenha e vários peixes sendo assados. O paraíso!
Os rapazes improvisaram rapidamente um abrigo com galhos de árvores e folhas de palmeira, para atacar o vento do alto da serra. João deitou-se no chão seco, o mais perto que pôde da fogueira e, de barriga mais do que cheia, dormiu imediatamente, sentindo cada músculo do corpo dolorido pelo enorme esforço que fizera na subida.

18a. parte: O ataque dos tamoios
Antes do nascer do sol, já estavam todos de novo em movimento, com aquele passo sereno, estugado e firme, que permitia um avanço veloz, sem contudo caracterizar um grande esforço. João Ramalho começou a calçar suas botas ainda encharcadas, mas Jamari lhe disse:

– Usa bota não, João! Aproveita que agora não tem subida, tem pouco mato, muito campo, e aprende a andar só com pé. Assim, quando chegar em Inhapuambuçu, chefe Tibiriçá vai ver que João é índio de verdade. Onde viu índio pelado de botina?

O português teve que concordar com seu amigo. De fato, quando chegasse a seu destino final, nu e calçado de botas, deveria fazer uma estranha figura para os indígenas. Seu possível sogro fora bem claro com ele: primeiro João aprende a ser índio, depois casa com Potira. Voltou então a amarrar as botas com os cipós, pendurando-as de volta ao redor do pescoço.

A paisagem do alto da serra era muito diferente do que ele havia visto até então: primeiro a praia e os manguezais; depois a subida da serra, cheia de pedras enormes, rochedos, cachoeiras, abismos e vegetação estranha, como ele não conhecia, repleta de samambaias e arbustos com flores enormes e carnudas.

Agora, ao saírem do pouso de Paranapiacaba, a floresta era luxuriosa, alta, fechada, mas muito mais clara e luminosa do que os escassos trechos de mata que cruzara na subida, enquanto ainda era dia. A todo momento os índios subiam nessas árvores e voltavam com a mãos cheias de frutos e, pela primeira vez, de ovos de todos os tamanhos e coloração de casca. Na praia, João já havia aprendido que os indígenas preferiam comer os ovos crus, não gostavam de cozinhá-los. Provando-os, acabou se adaptando ao sabor e superou os primeiros ímpetos de nojo que havia sentido.

Súbito dois rapazes avançaram em direção a uma moita e deram alguns saltos para cima e para os lados. Segundo depois, eles apareceram com uma enorme cobra, que se debatia furiosamente, segura pela cabeça e pelo rabo. Um terceiro índio abateu o animal com um porrete improvisado com um grosso galho caído. Imediatamente outros três passaram a cortar e esfolar a cobra, tirando-lhe as vísceras e preparando-a para o fogo.

João viu, mais uma vez, como o indígena dessas terras era capaz de tirar o fogo praticamente do nada, movendo seus gravetos especiais entre as mãos e soprando ao mesmo tempo sobre palha seca. Acesa a fogueira, os pedaços de cobra, espetados em galhos, foram imediatamente assados. Para o português, mais uma experiência inesperada. Mas a fome era grande e ele sabia que precisava se alimentar bem, para ter energia suficiente para mais dois dias de caminhada.

Então, quando lhe entregaram um pedaço de carne assada com mais de um palmo de comprimento, o português fechou os olhos, cravou-lhe os dentes e se preparou para o pior. Mas, sabia-o, tivesse o gosto que tivesse, ele iria mastigar e engolir aquela coisa nojenta de qualquer jeito.

Só que a coisa não era nada nojenta! Pelo contrário, talvez pela fome, talvez por ter se preparado para o pior, o sabor da carne de cobra pareceu-lhe o de um verdadeiro manjar dos deuses. Devorou o seu pedaço como um autêntico selvagem e, enquanto o fazia, olhava de rabo de olho para a fogueira, para ver se ainda sobraria mais algum pedaço para ele repetir.

Só então percebeu que Jamari já havia reservado um segundo naco de cobra para seu amigo. Olhando-o satisfeito e rindo, alcançou-lhe o novo pedaço, enquanto dizia:

– Gostou , João? Esse cobra muito bom. Era macho.

– Mas que coisa, homem! Mas até isso vocês sabem distinguir, se a cobra é macho ou fêmea? Mas eu gostei sim. Confesso que  estava com medo no começo...

– Medo do gosto?

– Um pouco. Mas eu estava com medo mesmo era da cobra. Que ela se soltasse, picasse vocês e me picasse. Sabe como é, o veneno...

Jamari disse algo e todos caíram outra vez na gargalhada. Depois dirigiu-se ao português:

– Esse cobra sem veneno, João. Perigo mordida porque dente muito grande, boca muito forte. Mas sem veneno.

– E eu a morrer de medo também que o veneno passasse para a gente na carne assada.

Conseguiu dizer isso em razoável tupi, o que fez com que nova explosão de gargalhadas tomasse conta de todos.

A maravilhosa refeição foi complementada com ovos crus e muitas frutas silvestres, cada uma mais deliciosa que a outra. O beirão João Ramalho arrotou contente e voltou a dizer para si mesmo: Paraíso!

Depois dessa refeição, o grupo empreendeu novamente a marcha. Ao fim de pouco tempo, enquanto atravessavam uma capoeira de mato relativamente baixo, de repente se viram todos cercados por um grupo muito maior de guerreiros, que, para João Ramalho, surgiram praticamente do nada.

– Tupinambá! – gritou Jamari

– Tamoio! – falou outro guaianá.

Os índios, pintados para a guerra, circundaram os guaianases e Ramalho com suas lanças, muitos outros tinham arcos retesados, com suas flechas apontadas para o grupo cercado. O português fez uma rápida estimativa: deviam ser mais de trinta atacantes.

Evidentemente, a atenção dos tamoios dirigiu-se ao homem branco de barbas crespas. O que parecia ser o chefe deles dirigiu-se aos homens cercados e falou num idioma que era praticamente igual ao que Ramalho estava aprendendo com os guaianases, logicamente pensando que o branco não entenderia o que ele falava, no que estava redondamente enganado:

– Vocês leva peró fedorento pra comer?  Arrá! Carne muito ruim. Peró gosto ruim.

Jamari respondeu, altivo:

– Peró não é escravo, peró nosso amigo. Parente de chefe Tibiriçá, noivo de filha Tibiriçá de Inhapuambuçu.

Os tamoios todos olharam com desconfiança, achando que Jamari mentia e que eles iam, sim, comer o português. Jamari adiantou-se encarando firmemente o que parecia ser o líder dos tamoios:

– Nós quer lutar! Guaianás luta muito melhor que tamoios. Nós larga as arma, vocês larga as arma, nós luta. Tamoios não sabe lutar.

Os outros guaianases reforçaram o desafio:

– Tamoio é covarde. Tamoio covarde. Covarde! - e largaram suas armas no chão.

Jamari aproveitou:

– Vocês tem que ter medo, porque vocês tem só uns três pra cada um de nós. Se lutar, perde e apanha. E nós leva tudo vocês de escravo e come. Só não come se vocês é covarde, tem medo de lutar com nós. Tamoio tem medo de guaianá!

João Ramalho avaliou a situação. Era óbvio que Jamari estava blefando, que estava tentando inflamar os tamoios a lutarem sem armas, naquela luta meio abaixada que ele tinha praticado com seus amigos índios e para a qual ele, como branco, não demonstrara o menor jeito. Mas, pelo menos, não correriam o risco de serem flechados e furados com as lanças. Pensou no que ele deveria fazer.

Nesse momento o líder dos tamoios fez um sinal para seus guerreiros e todos eles largaram as armas no chão, imitando o que os guaianases tinham feito instantes antes.

Imediatamente os onze índios foram cercados e, na proporção de três para um, atacados pelos braços fortes dos índios tupinambás. Era evidente que estes triunfariam, já que, na verdade, todos se equivaliam em força e destreza  e a vantagem numérica seria logo traduzida em vitória. Contudo, os guaianases demonstravam uma ferocidade inimaginável no combate, gritando palavras ofensivas para seus inimigos. Ramalho compreendeu que eles procuravam demonstrar que eram guerreiros muito corajosos e que, quando fossem finalmente vencidos e capturados, o que era inevitável, que eles seriam realmente dignos de serem comidos como heróis, na taba tupinambá.

O líder dos tamoios não entrou em combate, limitava-se a ficar observando os outros e a ditar ordens de comando para um ou outro de seus guerreiros. Nem olhava para João Ramalho. O português entendeu que o tamoio o considerava com desprezo, um mero peró escravo, sujo e de carne ruim, que os guaianases estavam levando para comer – Arrá, mau gosto! Um reles peró, que nem sabia lutar como um homem de verdade.

João Ramalho, ao ver que seus companheiros já estavam começando a ser subjugados, entendeu que aquele era o seu momento. E, dirigindo-se ao chefe dos tamoios em razoável idioma tupi, para total surpresa e aparvalhamento deste, lhe disse:

– Você é covarde, não luta. Pois vem lutar comigo, seu covarde.

E abaixou-se em posição de luta indígena, ao mesmo tempo em que jogava no chão as botas que tinha enroladas ao pescoço.

O chefe da missão tamoia achou graça daquele peró doido e aproximou-se em posição de luta também. João Ramalho calculou que teria uma fração ínfima de tempo para agir, antes que os enormes braços musculosos do outro o envolvessem num abraço de urso.

E atacou primeiro, valendo-se do fator surpresa. Em primeiro lugar, desferiu um tremendo murro na cara do tamoio que, face à posição inerentemente instável de estar agachado, caiu sentado para trás, sem entender o que estava acontecendo. Imediatamente João ergueu-se completamente, com um salto felino, e atacou o outro novamente no rosto, só que, desta vez, com um tremendo pontapé de pé direito.  O tamoio rolou para a esquerda, com a força do golpe, e ficou semi-inconsciente no chão. O beirão aproximou-se e passou-lhe o braço direito ao redor do pescoço, aplicando-lhe um golpe mortal, apoiando sua mão esquerda em concha sobre a nuca do adversário e dando a entender que poderia quebrar-lhe o pescoço ou sufocá-lo  a qualquer instante. E se ergueu, fazendo outro levantar também, com o pescoço apertado, a lhe tirar a respiração.

Só então João percebeu que todos os outros índios tinham parado de lutar. Estavam todos olhando,  atônitos, para a rápida luta que ele travara com o líder tamoio. Quatro guaianases estavam desacordados no chão e mais quatro estavam firmemente presos entre os braços de três ou quatro guerreiros inimigos. Mas estavam todos, os conscientes, literalmente paralisados. O português pensou então, agradecido, em como fora bom ter aprendido a luta e o pugilato romanos em sua Vouzlea natal.

Então Ramalho aproveitou o momento e falou a todos, em tupi, surpreendendo os demais tamoios igualmente:

– Amigo de vocês agora é meu prisioneiro. Eu venci ele na luta limpa. Vou levar comigo para Inhapuambuçu e vou comer ele com os meus amigos lá. Vocês podem levar os meus amigos que vocês venceram, mas eu vou levar o chefe de vocês. E vou querer comer ele hoje mesmo! 

O líder, que já havia recuperado a consciência, reconhecendo sua derrota, exclamou horrorizado:

– Não, hoje não! Não pode comer eu sem festa, grande festa, eu filho de cacique! Peró tem que ter honra, tem que convidar gente de outras tribos tupiniquins, não pode comer eu sem grande homenagem.

Os demais tamoios começaram por ficar com cara de espanto cada vez maior, sem saber o que fazer. Soltaram os guaianases que tinham presos entre seus braços. Levariam muitos prisioneiros, mas perderiam o filho do cacique. E a ira do cacique contra eles seria terrível: Como iam poder  justificar que, tendo vencido facilmente os guaianases, tivesse perdido o seu líder justamente para um peró desclassificado, um único peró?! Por que tinham deixado o seu filho ficar sozinho e não foram em sua defesa?

Jamari soltou-se dos que o aprisionavam e foi explicar o impasse a João Ramalho. Então o português falou algo a Jamari que o fez arregalar os olhos com enorme brilho. E ele falou para todos os tamoios, enquanto João Ramalho sujeitava firmemente o filho do chefe deles num verdadeiro torniquete, o braço fechado ao redor do seu pescoço:
CONTINUA

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

SOU AMADO?
MILTON MACIEL

Para que saber se amado sou ou não,
Se o que conta é somente o amor que sinto,
Que me guia como um fio num labirinto,
Que extrapola a própria lógica e a razão?

É um amor imune ao tempo que se arrasta,
É um amor que vence o não e a vida exorta.
Sou amado? Sim. Talvez. Ou não! Que importa?
Que importa? Se eu amo e isso é tudo que me basta!

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

POR ESO, AMIGO (Poemas en español) 
MILTON MACIEL
(Para un  amigo no fracasar, como marido y como jefe)

Por  eso, amigo, le digo.
Y hasta un consejo le doy:
Trate de ser controlado.
Las ilusiones de hoy
Mañana… serán pasado
(Tanto ya pasó conmigo!)
Lo que le digo, no es ciencia
Tan solo es mi experiencia.

SECRETO DE MATRIMÓNIO
Oiga, amigo, escúcheme:
Sus días mejores serán
Si usted trata a su mujer,
Con el cariño de ayer,
Y la misma devoción,
Respeto y admiración,
Del tiempo de enamorado.

No se engañe, es muy errado
Creerse uno absoluto,
Muy altivo, muy astuto
Y señor de la verdad.

Ser macho no es ser tirano,
Si no que es ser soberano
Sobre su propia conciencia
Y actuar con serenidad.
Sepa usted que es un error
Ser grosero, ignorante,
Imponerse por temor
Y tener poca paciencia.

Si usted quiere ser feliz,
Trátele bien a su esposa,
Que el candor de una rosa
Le trajo un día a su vida.
Sepa verla siempre hermosa,
Afuera de su apariencia,
Que la edad modificó.
(Por que el tiempo transformó
También la suya, paisano!)

No opere como gusano,
No sea usted traicionero.
Sea leal y compañero:
Con quién le ofreció la mano,
Trate de ser verdadero!

No acredite en chismoseadas
Ni se vuelva sospechoso.
Y no crea que dar patadas
Le hace más respetuoso.
Si es respeto que usted quiere,
Sepa hacerse respetar.
Y eso no es intimidar,
Si no que es hacerse humano,
Tolerante y comprensivo.
Y mantenerse cautivo
De la amistad solamente.

Y Como jefe, por favor,
Al mandar sea paciente,
No se juzgue superior!
Si usted tiene autoridad,
No se crea un gran señor
Ni dueño de la verdad.
El que pague que lo mande,
Pero no se haga el grande:
Respete cuando mandar!

terça-feira, 19 de agosto de 2014

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO - 17a. Parte  
MILTON MACIEL

Final da 16a. parte:

– Vai saber, João,. Vai saber. João agora é índio, vai aprender tudo, até a remar direito, sem atrapalhar os outros.

E caiu na gargalhada, no que foi secundado pelos outros. Inclusive João Ramalho. Que estava feliz, bem alimentado e ansioso para começar logo a subida. Ao fim dela, não importa o quanto tivesse que andar depois pelo planalto, uma indiazinha bonita e sensual estaria de braços abertos à sua espera. E essa era agora a grande motivação de sua vida: Potira!

17a. parte: Aqui Paranapiacaba !
Como Jamari antecipara, o grupo começou a subir facilmente, andando por dentro do rio, que descia com águas ainda relativamente mansas pela parte menos íngreme da subida da serra. Ali a profundidade era minúscula de fato, com água à altura dos joelhos. A caminhada era rápida e agradável. Um pouco mais desconfortável para João Ramalho, que não conseguia se desfazer de suas velhas botas, por mais que o amigo insistisse para que as abandonasse:

– João não é índio no pé. Se deixa bota, aprende em seguida que pé fica grosso e se defende sozinho. Experimenta.

Mas o português desconversava e seguia calçado, trotando agora com as botas pesadas de tanta água. O barulho esquisito que isso fazia e os escorregões que ele levava nas pedras largas e limosas do fundo faziam com que, a toda hora, seus companheiros rissem ostensivamente dele.

Cerca de meia hora durou esse autêntico passeio por dentro do rio, na sua parte de menor aclive. Depois, este começou a aumentar sensivelmente e as águas, então, passaram a correr com velocidade cada vez maior. A profundidade foi também aumentando e verdadeiros caudais se formavam, dividindo o leito em estreitas gargantas espremidas entre as rochas. A correnteza e a profundidade cada vez maiores inviabilizaram o deslocamento pelo leito, de forma que, num certo ponto, sem que nenhum dos índios tivesse dito nada, todos eles saíram de repente de dentro do rio e passaram a andar pela margem esquerda, também ela eivada de obstáculos naturais, como lajes de rocha escura e escorregadia.

Esses obstáculos foram se tornando cada vez mais difíceis de transpor e chegou um momento em que os rapazes que iam à frente começaram a escalar um rochedo enorme e liso, de cerca de cinco metros de altura. Ao lado dele, a margem toda se erguia agora num paredão quase vertical, não deixando outra alternativa senão a escalada.

Os índios logravam fazê-la com evidente facilidade, acostumados que estavam a isso. Mas, para o beirão, aquilo transformou-se num verdadeiro suplício. Foi quando ele se convenceu que, com suas botas rangedeiras e encharcadas, de solas lisas e duras, jamais conseguiria grimpar-se ao rochedo. Então, seguindo a recomendação dos companheiros, fez o óbvio e inevitável: descalçou as botas e deu um jeito de prendê-las amarradas ao redor do pescoço, usando para isso dois pedaços de cipó buscados por Jamari num pequeno mato adjacente, que era também interrompido por abrupto paredão lateral.

Alguns minutos, vários escorregões e duas quedas sem maiores conseqüências, exceto as gargalhadas do companheiros, e João Ramalho conseguiu chegar ao alto do rochedo. Para ter que reiniciar de imediato o sofrimento, porque agora tinha que descê-lo, numa altura desse lado estimada por ele nuns três metros.

E esse foi só o começo da dureza para o português. Logo a seguir o rio encapelou-se em uma cachoeira de 6 metros de altura e a única forma de continuar implicava na escalada do íngreme paredão lateral, o que os índios começaram a fazer com a maior naturalidade, ao mesmo tempo em que conversavam e riam animados. Apoiavam os pés em minúsculas saliências da rocha, abraçavam-se a ela com um esforço que aparecia em seus músculos intumescidos e a iam contornando e subindo. Quando chegaram à metade, passaram todos para um conjunto de arbustos que margeavam a rocha, presos à vertente íngreme da lateral.

Agarrando-se agora à vegetação, conseguiram subir mais rapidamente e com maior facilidade. E, chegando no topo, começaram a chamar João Ramalho, que, apavorado, ainda permanecia lá embaixo. Solidário, Jamari esperava com ele. E lhe falou:

– Agora João tem que subir. Não tem medo, João. Faz tudo o que Jamari fizer. Tudo igual, onde eu piso, João pisa. Onde eu agarro, João agarra. E não olha pra baixo, bobage. Pensa que tem que subir, que isso é só começo. É parte mais fácil.

– Fácil?! Com a breca, queres tu dizer que vai ficar mais difícil mais à frente? Mas estão isso é impossível, homem de Deus!

– Impossível, nada. João aprende. Difícil só primeira vez. Depois aprende e perde medo. João vai se queixar é de dor nos braços e nos pés, mais isso passa. Vem, João, lembra que lá em cima tem recompensa muito boa: Potira espera João.

O português imaginou a bela Potira a esperar sorridente por ele, a abrir-lhe os braços amorosos. No instante seguinte imaginou-a abrindo-lhe também as pernas e isso inflamou-o instantaneamente. Tudo o que ele queria agora era vencer aqueles malditos rochedos, nem que, para isso, tivesse que se arrebentar inteiro.

Jamari deu um salto e agarrou-se na parede lisa. João Ramalho fez exatamente a mesma coisa, tratando de pisar e agarrar-se nos mesmos pontos que o amigo havia abordado. Deu certo!  Gemeu sob o enorme esforço feito com os braços, mas percebeu que dessa forma tinha firmeza. E galgou o rochedo na mesma velocidade de Jamari. Quando chegou à parte em que saiam da rocha para a capoeira íngreme de arbustos, uma touceira deles se desprendeu com o seu peso e ele balançou no ar prestes a cair lá embaixo. Mas o braço firme de Jamari o susteve a tempo.

– Ai, obrigado, amigo, que quase que me estuporo todo lá embaixo! Pode ser que me tenhas salvado a vida, homem. Fico a dever-te esta.

– Bobage! – foi tudo que Jamari falou, rindo tranquilo. E explicou como João devia agarra-se a ramos e arbustos com mais atenção, sem jogar-se afoitamente a eles:

– Até porque pode ter cobra e pode ter aranha venenosa ali.

– Hom’essa! Agora mesmo é que me deixas apavorado, ó Jamari! Com que então não basta eu morrer estabacado lá embaixo, posso também morrer picado por cobra ou por aranha! Ai, Jesus, será que chego lá em cima? Aí, minha Potira, será que vais virar viúva antes de casar-te comigo?

– Bobage, João aprende. Usa olho, se tem cobra, aprende a ver. Se tem aranha, aranha é grande, aprende a ver. É fácil. Olha primeiro, bota mão depois. Fácil.

Mas a via crucis do português continuou por mais duas horas, escalando paredões cada vez mais altos e mais íngremes, contornando cachoeiras, atravessando o rio várias vezes, a nado e lutando contra a corrente turbilhonante, porque o caminho pela margem oposta era menos complicado naquele trecho. O cansaço e a dor nos braços forma se acentuando cada vez mais, mas João Ramalho só pensava em duas coisas:

Uma, que ele não podia fazer feio, que se os rapazes à frente dele subiam, ele tinha que subir também. A outra, o que mais o ajudava, era usar sua imaginação para criar cenas em que entrava num rio ou se embrenhava no mato com sua Potira nuazinha. Ajudou-o o fato que a tarde foi escurecendo e a noite se aproximando, de forma que ele já não podia se impressionar com o abismo, cada vez mais fundo a seus pés, coisa agora de centenas de metros, já que não podia mais vê-lo na escuridão.

Continuou seguindo os companheiros e o infatigável Jamari, que ficava o tempo todo ao seu lado, orientando-o e animando-o. A um sinal deste, João começou a perceber que agora não havia mais escaladas a fazer, que estavam se afastando do rio, subindo por um percurso menos íngreme, por dentro de uma floresta pouco densa. O ruído intenso da água despencando pelas ravinas do rio foi se atenuando até desaparecer, a aclividade diminuindo progressivamente, até que, num dado momento, em plena escuridão, Jamari e os outros rapazes pararam de repente e começaram todos a comemorar.

Riam e batiam os pés com força no chão. E abraçavam João à maneira dos europeus, como tinham aprendido com ele.

– João chegou, aqui Paranapiacaba! Serra é nossa, João venceu. Agora nós vai descansar, comer e dormir. E fazer fogueira pra esquentar, que vai fazer frio demais pra João.. Tem outro rio aqui perto, bom pra pescar de noite. Nós pega peixe e lenha agora.

Para João era inacreditável que os índios caminhassem ali, em plena noite, como se fosse dia, como se enxergassem tudo normalmente. Para ele a noite, sem lua, com céu cheio de estrelas, era puro breu. Mas em pouco tempo havia fogueira, muita lenha e vários peixes sendo assados. O paraíso!

Os rapazes improvisaram rapidamente um abrigo com galhos de árvores e folhas de palmeira, para atacar o vento do alto da serra. João deitou-se no chão seco, o mais perto que pôde da fogueira e, de barriga mais do que cheia, dormiu imediatamente, sentindo cada músculo do corpo dolorido pelo enorme esforço que fizera na subida.