sábado, 2 de março de 2013


RECEITA DE BOBÓ DE CAMARÃO  
MILTON   MACIEL 
 
Ingredientes:
1 Kg de camarões frescos; 3 dentes de alho picados e amassados; suco de 1 limão; pimenta do reino;1 Kg de mandioca; 1 cebola cortada em rodelas e 2 cebolas raladas; 1 folha de louro; 6 colheres de sopa de azeite de oliva; 2 vidros de leite de coco; 1 maço de cheiro verde picado; 2 latas de molho pronto de tomate; 2 pimentões verdes bem picadinhos; 2 colheres de sopa de azeite de dendê; Sal a gosto

Comprei o limão, a mandioca, dois tomates e dois pimentões verdes. Quanto aos outros ingredientes, não concordo com eles e, portanto, fiz as necessárias substituições. Vejamos:

1 kg de camarão FRESCO

Procurei, procurei e não encontrei uma maneira de identificar no mercado se o camarão, que nos é oferecido morto, tinha sido fresco durante sua vida. Tá bem que ele preferisse transar com outro camarão macho, isso era um direito dele, mas como é que a gente vai ver isso quando o bicho é colocado à venda? Como é que eu vou saber se ele era bicho ou era bicha?  Além do que, isso me parece errado. Parece até pregação de um tipo de pastorzinho evangélico radical, de cara malaia e moral cambaia, que quer acabar com os homossexuais de qualquer jeito. E aí, incentivando o uso de camarões frescos, provoca o abate preferencial dos crustáceos decápodes homoafetivos. De qualquer jeito, não encontrei camarão que tivesse sido garantidamente fresco.

E tem também a questão do preço! Ainda que o camarão fosse fresco, do que eu nunca poderia ter certeza, não aceitei ter que pagar 25 reais pelo quilo! Não sou bobo. Mas ái é que me toquei a razão do nome da receita: Bobó de camarão. Tá na cara que esse nome foi gozação inventado por baiano. Ele curtiu com a cara do bobo que vai pagar essa nota preta pelo camarão, mesmo sem saber se ele é fresco ou hétero. O nome certo é BOBO de camarão! Bôbo (desculpem forçar o circunflexo), e não bobó!

Então, me recusando a ser um bobo do camarão, fiz a substituição correta. Comprei:

1 kg de DOBRADINHA, por apenas 7 reais. Economia de 18 mangos!

Tá certo que dá um pouco de trabalho, mas para fazer um quitute dessa qualidade, você tem mesmo que ser paciente.  É só fazer como eu fiz: pegue uma boa tesoura e comece a cortar a dobradinha em pedacinhos de 4 centímetros com FORMATO DE C. Isso é fundamental, para seus convidados pensarem que estão comendo camarão.

Uma outra prova de que a substituição é perfeita, aparece na hora de cozinhar. Ora, qualquer dos dois, tanto o camarão (o fresco ou o hétero), quanto a dobradinha, fedem pra caramba na panela e enchem a casa daquele cheiro desgraçado, que não sai nem depois de uma semana. Aliás, essa é a razão pela qual eu só convido gente pra comer tal tipo de prato na minha casa no inverno. No inverno é quando eu costumo pegar aquelas gripes mais brabas, que me deixam sem paladar e sem olfato. Aí posso preparar o tal do Bôbo de camarão (se alguém comprar o dito cujo, é claro) ou a dobradinha. Lógico, eu não vou sentir o cheiro mesmo. E nem o gosto, na hora de comer com a turma, porque, cá pra nós,  eu detesto camarão e tenho nojo de dobradinha!

3 dentes de alho picados e amassados

Ora, quem é que vai ter que descascar alho? Começa que isso é um cacófato desgraçado! E eu vou fazer isso, ficar com aquele cheiro desgraçado nos dedos o resto da semana? Não mesmo, o alho está sumariamente abolido da receita.

1 cebola cortada em rodelas e 2 cebolas raladas

O mesmo impasse! Cortar cebola em rodelas e ficar chorando o resto do dia? E ralar cebola?! Onde á que já se viu tamanho absurdo! Não mesmo, as cebolas estão sumariamente abolidas da receita. Cebolas e alho foram substituídos por um tablete de caldo de galinha, muito mais prático, sem chororô e sem fedor nos dedos.

1 folha de louro

Outra coisa com que discordar! Isso me parece discriminação, racismo mesmo. Por que só pode ser louro? Castanho, mulato, afro-descendente não têm vez não? O louro foi sumariamente abolido da receita. Mas, para não deixar sem folha nenhuma, acabei rasgando metade da folha onde estava escrita a receita e joguei junto na panela.

6 colheres de sopa de azeite de oliva

Também não deu para encontra a tal “sopa de azeite de oliva” em lugar nenhum, para usar seis colheres dela na receita. Então transformei em pó de sopa pronta de pacotinho, usei meio pacote de sopa de galinha mesmo, pra combinar com o caldo de galinha.

2 vidros de leite de coco

Não sei qual a função de dois vidros pequenos vazios, fervendo na panela, junto com o resto do goró. Será que o cara da receita não estaria se referindo ao que tem dentro dos vidros? Se for isso, ela tá louco, com o preço do tal leite de coco. Com um vidrinho que tem 200 ml eu posso comprar e litro e meio de leite de vaca. Então, por via das dúvidas, eu substituí o possível (quem sabe?) conteúdo de 2 vidros de leite de coco (400 ml), por três litros de leite integral de vaca. Mas, também por via das dúvidas, fui até a casa da minha avó, que junta tudo que é tranqueira e nunca bota nada, mas nada mesmo, fora e pedi para ela me arranjar os tais dois vidros que tenham tido um dia o tal leite de coco dentro. Pois a velha não levou nem dois minutos pra localizar. E fez questão de me dar os vidros escrupulosamente lavados e escaldados. Legal, não tive nenhum trabalho. Bom, eu não ia lavar mesmo, afinal ia ferver tudo na panela depois. Bem, joguei os dois vidros vazios na panela e fui em frente. Quando ferveu, os desgraçados ficavam pulando e faziam um barulho desgraçado , batendo um no outro e na parede da panela. Aí me toquei que é por isso que os caras mandam botar os vidros, porque eles funcionam como um tipo de batedor ou agitador da mistura.

2 latas de molho pronto de tomate

Bobagem. É muito mais fácil fazer como eu: botei dois tomates de molho na água, dentro de uma lata só. Depois de uma hora, peguei os tomates de molho e joguei inteiros dentro da panela. Afinal, tudo já estava fervendo mesmo!

2 colheres de sopa de azeite de dendê

Nunca!!! É só eu botar o maldito azeite de dendê na boca e horas depois vem a maior, a mais cruel diarréia. Não, já chega aquela agonia da manhã de 25 de Dezembro, em Salvador, eu no carro me retorcendo de cólicas, desesperado atrás de um banheiro público para aliviar minha aflição ventral e nada, nada mesmo, de ter um raio de um mísero estabelecimento aberto. Quando o desespero era total e a explosão iminente, fui salvo por um providencial posto de gasolina, onde um desespero foi trocado por outro, pois descobri, um tanto tardiamente, que ali não tinha papel higiênico. Lá se foram, para fazer as vezes do ausente, minha meias e minha cuequinha novas, estreadas na noite de Natal. Azeite de dendê em receita minha?! NUNCA!!! Usei óleo de soja mesmo.

Mas aí fiquei pensando. Péra aí, vai ver os caras mandam botar essa bomba laxativa porque o tal do bôbo de camarão é o maior prendedor de intestino que existe. Então, por via das dúvidas, acrescentei meio litro de limonada purgativa e seis comprimidinhos de Lactopurga.

Sal Agosto

Também não encontrei em lugar nenhum sal dessa marca, Agosto. Botei sal comum mesmo.

O resto da receita eu mantive conforme o original, pra não mudar muito: cheiro verde; mandioca pré-cortada, congelada;  limão; pimenta do reino. Foi tudo pra panela inteiraço, do jeito que estava. Pensei que o limão ia abrir, mas não. Porém deixou o gostinho bom da casca.

Deixei tudo, num caldeirão bem alto, com fogo alto no fogão e fui assistir um jogo de futebol na TV. De vez em quando eu levantava e ia jogar mais um balde de água no caldeirão. Era bom, porque aí já agitava a mistura e eu não precisava ficar mexendo.

De noite, quando a turma chegou e degustou, foi o maior sucesso. Comeram tudo de lamber o caldeirão. Hoje eu sou famoso por ter o melhor, o mais gostoso bobó de camarão de São Paulo. E os panacas não perceberam que comeram dobradinha, se rasgaram elogiando a qualidade do camarão, queriam saber o tipo, o endereço do meu fornecedor. Aí eu, muito cara-de-pau, disse que era camarão da Noruega, que não era só bacalhau de alta qualidade que vinha de lá. Todos queriam comprar. Dei um preço absurdo. Aí eles dobraram o pedido, acharam barato para ser um camarão importado daquela qualidade, macio como só, amarelinho. Eu fiquei de contatar o importador e comprar o camarão para eles. Exigi o dinheiro adiantado. Choveu cheque na minha mão. E essa foi a origem da minha fábrica de camarão da Noruega, que vai de vento em popa neste início de 2013, quando o preço da dobradinha caiu 9 por cento.

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