O AMOR
VERDADEIRO É MUITO DIFERENTE!
MILTON MACIEL
“Então Ataliba lhe falou:
– Há muitas pessoas assim, Tainá, essa é a
normalidade delas. Eu sou heterossexual, você é homossexual e Celinha é
bissexual. A coisa toda é simples assim. As pessoas, por preconceito,
ignorância ou obscurantismo religioso é que complicam tudo, que não conseguem
aceitar uma realidade tão evidente. Criam tabus, castigos, autopunições e
movem perseguições aos outros. É tudo ignorância, Tainá, ignorância que faz
sofrer, que gera dor, que cria solidão, que machuca o corpo, que fere a alma,
que hostiliza, ridiculariza, açoita e mata. O marido covarde que assassina a
esposa adúltera, à qual não foi fiel; o mulah
monstruoso, que manda decapitar a esposa adúltera e faz vistas grossas ao
comportamento adúltero de todos os maridos; o pai animalesco que expulsa de
casa a filha solteira grávida; o debilóide que discrimina pessoas homossexuais,
o canalha que estupra uma mulher; Todos eles são excrescências degeneradas de
uma sociedade podre e machista. Eles têm a mente mergulhada em trevas e o
coração cheio de ódio, estão muito longe ainda de poderem se abrir para o amor
verdadeiro. São infelizes que se arrastam em seu sombrio mundo interior, infelicitando
todos ao seu redor.
– Ataliba, – exclamou a bela Tainá – você é
um sábio! Você fala como se fosse um iluminado, um religioso. Qual a sua
religião?
– Nenhuma, Tainá. Ou, por outra, a minha é
a religião do Amor. Ela é simples demais, não tem livros da Lei, padres ou
pastores, não tem templos externos. Só existe nas mentes e corações das pessoas
que são capazes de amar. Como Célia, que ama você de fato, de uma forma que
você ainda não é capaz de atingir. Que ama você apesar das infidelidades suas
para com ela.
– Mas eu lhe peço, Ataliba, que me ajude a
mudar, a superar isso, eu não quero mais ser infiel a Célia.
– Mas essa não é a condição de amar Célia
de verdade, Tainá. Pois você só atingiria essa condição por medo: medo de que ela
deixe você de novo, medo de perdê-la. No entanto isso não tem sido suficiente
para você deixar de ter interesse sexual por outras mulheres. Quem é fiel por
medo, seja da outra pessoa, seja da sociedade, seja de um Deus primário e
castigador, não é fiel de verdade. A única fidelidade possível é a que existe
na alma apaixonada. E as pessoas desaprenderam a arte de manterem-se
apaixonadas por anos a fio. Célia é apaixonada na alma, aprendeu a amá-la
incondicionalmente, sem esperar que você possa retribuir no mesmo nível. Há
muito tempo que ela compreendeu que você é vítima de sua própria beleza
extrema, de sua força de sedução, do seu sex
appeal que destempera outras pessoas, sejam elas mulheres ou homens. Em
última análise, você ainda é bastante imatura para poder escapar da armadilha
psicológica do seu próprio narcisismo.
Célia então interveio:
– Meu amor, muitas vezes eu fiz vistas
grossas aos seus casos, por saber tudo isso, exatamente porque Ataliba já me
havia ensinado a grande lição do amor verdadeiro. Na primeira vez em que
vivemos juntas, eu era um poço de ciúmes e você uma sedutora incorrigível,
colecionando casos e mais casos. Eu não agüentei e deixei você. E isso foi a
gota d’água para mim, tentei me matar dias depois. Mas Ataliba me salvou no
último momento. O que não teria tido maior valor para mim, se não tivesse ele,
logo a seguir, se dedicado a salvar minha alma ignorante e incapaz de Amor. Foi
ele que me fez ver que eu deveria, sim, aceitar a mim própria com minha
bissexualidade. E aceitar que, dentro dela, eu sentia um enorme amor era por
uma mulher, por você Tainá. E por causa dele, eu voltei a procurar você e nós
voltamos a viver juntas agora.
– Mas você ficou sabendo das minhas novas
escapadas, não é? Agora eu percebo isso.
– Sim, querida, mas agora eu estava madura o
suficiente para amar você. Agora eu
não precisava me amar através de você,
como antes. Ataliba me mostrou a enorme diferença que existe nisso. Agora eu me
comprazo e sou feliz com esse amor que devoto a você. E isso foi a melhor coisa
que me aconteceu, depois que eu aprendi a viver. Ataliba, como um mestre
bendito, me encontrou, me resgatou da morte, me fez renascer, me ensinou a amar.
E me ensinou a conhecer e amar você do jeito que você é. Como eu amo você!
Ataliba acrescentou:
- Amar é isso, Tainá. É se dar e é aceitar. Ou, para ser mais simples: Amar
é DAR. E isso Célia aprendeu finalmente.
– Tem uma coisa, Tainá, que eu quero que
você entenda de uma vez por todas, meu amor. O bom da nossa relação, para mim,
é que eu tenho você para amar. Para EU amar você! Você fica comigo e eu tenho a
pessoa que eu adoro para cobrir de amor, de cuidados, de proteção, de aceitação
e de compreensão. E eu sou sumamente grata a você porque você fica comigo. E
sou grata a Deus porque você existe. Existe e está aqui comigo, com todas as
suas qualidades e defeitos. Eu amo você e isso é o que me faz feliz,
independente de você me amar, me compreender, me aceitar. Não se trata de um
negócio de toma lá, dá cá. Entenda ,
meu amor, para mim é uma coisa de toma lá
somente
Ataliba reforçou:
– Eu lhe digo, Tainá, que Célia já consegue
compreender e vivenciar isso, Célia já sabe amar. Um dia você poderá aprender também.
Mas, entenda, ninguém aqui está dizendo que amar Célia é ser fiel a ela
sexualmente. Esta não é a condição, se você tentar atingi-la por medo
unicamente. Repito: você só não se interessa por outras pessoas fora de sua relação,
sem que isso seja provocado por um medo que as pessoas chamam de caráter,
quando você está completamente apaixonada. Então você fica totalmente cega, nem
sequer percebe as outras pessoas. Mas o grande mal atual é que as pessoas não
sabem se conservar apaixonadas.
E, com um suspiro, completou:
Eu falei que Célia é bissexual. Ela já teve
dois casamentos e um outro homem a quem amou depois disso. Então entenda, menina,
que ela ama você porque você é Tainá, não porque você é mulher. Ela é
perfeitamente capaz de amar um homem da mesma forma, basta que encontre um à altura
dela. Portanto, Célia ama Tainá independente do sexo dela, compreendeu? Ou
seja, o ser espiritual que é Célia ama o ser espiritual que é Tainá. E isso está
muito acima dos corpos e do tesão. Este, o desejo, é tributário, afluente, não é
o rio principal, que é um caudal de amor espiritual. O corpo que tem hoje a exuberância da juventude,
amanhã ostentará as marcas do tempo e do desgaste. Não será mais exteriormente tão
belo, não será mais atraente. E, se a essência espiritual não for amável, então
o que sobrará para amar?”
De: “ATALIBA,
UM PAULISTANO FELIZ” – Milton Maciel – IDEL - 2010
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