MILTON MACIEL
Resumo do cap. 33 – Os hunos de Átila chegam enfim a
Châlons e se instalam, junto com seus aliados ostrogodos e gépides, à margem
sul do rio Marne e leste da Via Agripa. Dispõem suas dezenas de carroções em
linha, fazendo uma barreira defensiva e acampam em frente a eles, já em
formação de batalha. Esperam pela chegada dos romanos, visigodos e alanos que
os perseguem. Na cidadela, as sacerdotisas comunicam a Meroveu que vão também
para o campo de batalha, o que deixa o rei dos francos contrariado. Vérica o
ridiculariza e diz para ele “cuidar da sua vida”.
A BATALHA DOS CAMPOS CATALAÚNICOS (mapa grande abaixo)
O alvorecer do
dia seguinte, 19 de Junho, iluminou a chegada dos romanos e seus aliados à
planície catalaúnica. Conforme seus batedores lhes haviam informado, já
encontraram os hunos em formação de combate, em frente a uma longa linha de
retaguarda, constituída por dezenas e dezenas de grandes carroças.
Rapidamente os
aliados foram tratando de se dispor em campo também, guardando uma prudente
distância de cerca de 800 metros em relação ao grupo liderado pelos hunos.
Estes, já previamente organizados, poderiam atacar a qualquer momento, mas para
os romanos e seus parceiros a coisa era muito mais difícil, pois precisavam
tempo para colocar em ordem toda a enorme massa de soldados, cavalos e recursos
técnicos de que dispunham. Se os hunos atacassem imediatamente, certamente
apanhariam os inimigos em situação de grande desordem.
Mas,
misteriosamente, Átila não ordenava o ataque. Parecia esperar até o último
esforço de organização dos inimigos,
para só então resolver passar à ação. Os romanos começaram a pensar que,
estranhamente a sua postura normal de sempre atacar primeiro, Átila parecia,
desta vez, estar esperando que os oponentes atacassem antes, para revidar
depois.
Mas o que os
romanos não sabiam é que aquela atitude de Átila era causada pela célebre
superstição dos hunos. Na noite anterior, ele havia consultado seus áugures.
Dois gansos foram sacrificados e os dois adivinhos consultaram o futuro que
estava escrito nas entranhas dos animais. O mais velho dos áugures falou:
– Grande rei,
pelas voltas nas tripas destes animais, o que lhe posso dizer, com certeza, é
que esta batalha terá um vencedor apenas aparente. Por mais mortes que ocorram
de lado a lado, o vencedor não poderá se proclamar como tal por muito tempo.
O outro aúgure,
mais jovem, completou:
– Meu senhor, eu
vejo a mesma coisa também nas tripas. E me atrevo a aconselhá-lo a evitar o
combate contra o inimigo nas horas da manhã. Deixe-o para o meio da tarde e os
hunos serão favorecidos.
E o adivinho
mais velho conclui os augúrios:
– E vemos que um grande chefe inimigo perecerá
na batalha, para alegria de nosso senhor Átila.
Isso foi suficiente
para encher Átila de júbilo e boas expectativas: Flávio Aécio, com certeza,
havia de ser o chefe inimigo a perecer, pois só isso lhe daria mais alegria do
que a morte de Sangiban. Além do que, Sangiban, o cretino rei dos alanos, podia
ser tudo menos um grande chefe, era só um borra-botas insignificante e traidor.
Com base nas
informações dos dois áugures, Átila determinou que, se os inimigos não
desfechassem o ataque antes, então os hunos atacariam às três da tarde. Ardaric,
o rei dos gépides, falou-lhe que essa seria uma boa decisão, porque, se a
batalha lhes fosse desfavorável, teriam melhores condições de bater em retirada
quando anoitecesse. Isso deixou Átila furioso por dentro, pois a idéia de
derrota dos hunos era, para ela, uma evidente impossibilidade. Mas nada
respondeu a Ardaric.
Ficou, isso sim,
esperando que os inimigos acabassem de se dispor em campo. Inicialmente eles
formaram dois grandes blocos, com os romanos em um e os visigodos em outro. Os
alanos, para contrariedade de Átila, dividiram-se igualmente entre os dois
contingentes. Assim seria mais difícil liquidar com aqueles molengas primeiro e
ele não poderia saber se o covarde Sangiban estava em um ou em outro grupo.
Passava pouco de
meio-dia quando os chefes aliados receberam a visita de uma estranha comitiva.
Nela Flávio Aécio, Sangiban e Teodorico reconheceram o jovem Bertrand, que
tinham enviado como mensageiro a Meroveu. O próprio rei dos francos salianos o
acompanhava, ladeado por seu fiel escudeiro e braço direito, o general Armosic,
que eles conheciam também. Junto com os três homens, um verdadeiro fenômeno, algo
inimaginável para quem não o pudesse ver com os próprios olhos:
A sacerdotisa
Alana, que todos eles conheciam tão bem e a quem deviam a concretização de sua
aliança, bem como a energia que os fez correr atrás dos hunos, aparecia entre
eles multiplicada por três! Duas
outras mulheres, igualmente de roupas brancas típicas das sacerdotisas celtas,
igualmente montadas em cavalos e absolutamente idênticas a ela em tudo, fisionomia
e formato de corpo, igualmente dotadas de rutilantes cabeleiras rubro-aloiradas,
trotavam ao lado de Alana.
– São três! São
trigêmeas! Que espetáculo para os olhos!
– Eu largaria
todas as batalhas e todas as glórias deste mundo, se me dessem essa três
deusas, todas juntinhas, só pra mim.
Essas e muitas
outras frases entusiasmadas foram arrancadas dos soldados aliados, à medida que
a comitiva do rei franco avançava em direção à tenda de reunião dos chefes.
Quando chegaram a ela, todos desmontaram e os homens que estavam mais próximos
puderam se regozijar de assistirem àquele espetáculo ímpar de beleza feminina
multiplicada ao máximo. Todos sabiam que teriam uma história tão inacreditável
para contar no futuro, que seriam inevitavelmente tachados de mentirosos quando
ousassem contá-la.
Os três chefes
avançaram solícitos, oferecendo a mão para ajudar as moças a descerem dos
cavalos. Kyna aceitou feliz o braço de Sangiban, que havia literalmente pulado
em sua direção. Alana fez um gesto delicado, mostrando que não precisava de
ajuda. Todos ali sabiam que ela era uma exímia cavaleira. Teodorico
aproximou-se da terceira moça ruiva e ofereceu-lhe o braço.
Vérica olhou
para ele com desdém, fez um gesto indecifrável com a mão e, dando um inesperado
e impossível salto para cima, ergueu-se em pé sobre o cavalo com um único
movimento, o que deixou todo mundo de queixo caído. Como é que aquela mulher
tinha feito aquilo? Apoiando os pés no quê, se não tinha estribos? Teria que apertar as duas pernas contra a
barriga do animal e aí conseguir saltar para cima. Mas com que força?! Era
impossível! Mas era possível para ela,
pois ela o havia feito.
E, como se isso
não fosse o bastante, ela ali, em pé sobre o animal, voltada na direção da
cabeça dele, colocou o pé direito à frente ao esquerdo, fez uma mínima e
elegante flexão das pernas e...
E saltou para
cima e para a frente, dando uma pirueta no ar e indo fincar firmemente os dois
pés nos chão, já perfeitamente ereta. E, o mais incrível: de frente para o cavalo,
que não se assustou nem se mexeu, como se já estivesse acostumado com isso. Então,
ali onde estava, fez uma gentil reverência aos presentes, curvando as pernas e o
tronco para a frente, abrindo os braços e as mãos com uma impressionante
delicadeza feminina, que nada tinha a ver com a inigualável demonstração de
força muscular que acabara de fazer segundos antes.
– Minha filha
Vérica, senhores! – ouviram Alana dizer, com evidente satisfação e orgulho.
Obviamente, ninguém
acreditou nisso!
– Minha avó,
Kyna, senhores! – falou Vérica com evidente satisfação, antegozando a reação de
perplexidade de todos, enquanto apontava para a sumo-sacerdotisa.
Muitos caíram na
risada, outros chegaram a ficar um pouco indignados com aquela brincadeira das
três moças. Mas eram sacerdotisas celtas, as três, não havia dúvida. E tal tipo
de mulher não costuma trapacear com a verdade, exceto em condições de
estratégia de guerra, contra o inimigo. Flávio Aécio sabia disso muito bem e
dirigiu-se a Alana:
– Grande sacerdotisa
Alana, receba nossa eterna gratidão e reconhecimento. Se hoje estamos aqui,
prestes a derrotar o insidioso inimigo de todos nós, não há a menor dúvida que
o devemos a você.
– Ah, sim,
Aécio? E o que diria você para a pessoa que me mandou fazer tudo isso, que me
mandou para Orléans previamente, só para poder ajudá-los?
– Ah,
sacerdotisa, eu beijaria suas mãos e seus pés, eternamente reconhecido.
– Pois então
pode fazê-lo já, general Aécio, pois a pessoa está aqui, exatamente à sua
frente agora: minha mãe, a sumo-sacerdotisa Kyna.
Houve um ooohhh generalizado, que escapou das
bocas de todo mundo ali presente, exceto, é claro, os francos e o jovem
visigodo Bertrand. Então era verdade?! Mas como, se aquela mulher magnífica
parecia ter a mesma idade das outras duas? Não poderia ser mãe de Alana, muito
menos avó (!) da outra sacerdotisa!
Mas Flávio Aécio sabia que uma sacerdotisa celta não mente e, imediatamente,
apoiando o joelho direito sobre o chão, curvou-se para beijar os pés da
sumo-sacerdotisa.
Kyna, porém, o
impediu, segurando-o pelo ombro:
– Não precisa
fazer nada disso, general. Minha filha não esperava por esta sua frase. Não se
sinta obrigado a cumprir sua palavra. Eu o dispenso. Mas, para não deixá-lo de
todo impenitente, troco tudo por um rápido ósculo em minha mão.
E adiantou-lhe a
mão direita, que Flávio Aécio, ao mesmo tempo em que se levantava, tomou na sua
e roçou com um beijo respeitoso:
–
Sumo-sacerdotisa Kyna, em nome do Império Romano do Ocidente, receba a eterna
gratidão deste humilde general.
Sangiban
adiantou-se de imediato e repetiu o mesmo gesto de Aécio:
– E eu, em nome
de todos os alanos, apresento-lhe também nossa gratidão eterna.
Ao rei
Teodorico, dos visigodos, não restou outra alternativa a não ser repetir o
beija-mão a Kyna:
– Senhora, nós,
os visigodos, também lhe devemos, e à sua preciosa filha, nosso perpétuo
reconhecimento. É uma grande honra conhecê-la e, uma maior ainda, poder beijar
sua mão.
Kyna abriu-lhe o
mais radioso sorriso e declarou:
– Ah, senhores,
vocês são extremamente gentis. Mas, na verdade, esta homenagem que me prestam é
equivocada e imerecida. Pois deixe que eu pergunte a você, Flávio Aécio, o que
você diria para a pessoa que me mandou dar a ordem que dei a Alana?
Flávio Aécio
ficou embasbacado, sem saber o que responder exatamente. Por fim disse:
– Creio que o
melhor maneira de demonstrar gratidão a essa pessoa seria fazer o imperador
recebê-la e dar-lhe um grande prêmio em ouro.
– Que pena,
Aécio. Ela não o aceitaria. Deusas não precisam de ouro.
–
Sumo-sacerdotisa, com que então foi a própria grande Deusa celta que determinou
que vocês nos ajudassem?!
– Isso mesmo,
general.
– Ah, mas isso é
a melhor de todas as notícias, senhores! Se nós temos uma aliada como essa,
como todo o seu poder, eu não tenho a menor dúvida de que hoje mesmo
expulsaremos os hunos para sempre de solo gaulês.
– Certamente o
farão, senhores – completou Alana. Com a ajuda da Deusa, porém isso só será
possível através de suas três sacerdotisas aqui presentes.
Vérica, então, fez
um gesto pedindo a atenção de todos e disse:
– Muito bem,
cavalheiros. Nós lhes pedimos que entrem em sua grande tenda conosco e os três
cavaleiros que nos acompanham. Devo dizer-lhe que nós já sabemos que Átila
atacará daqui a pouco mais de duas horas, às três em ponto. Então temos pouco
tempo para discutir certas coisas que demandam atenção e sigilo.
Todos se
voltaram para aquela terceira ruiva fulminante, a mais jovem de todas, pelo que
ela e as outras haviam falado, embora não o parecesse. E havia algo tão forte e
dominador em seu olhar que os chefes simplesmente se encaminharam de imediato
para dentro da tenda, sem sequer olharem uns para os outros. Sangiban, mais
especificamente, porque não tinha olhos para mais nada que não fosse a figura
radiosa de Kyna. Quando passou por ela, à entrada da tenda, falou num murmúrio
quase inaudível:
– O tempo não
passa para você. Continua sendo a mulher mais adorável da face da Terra.
Kyna o olhou bem
dentro dos olhos e retribuiu sua frase com um silêncio que a ele falou muitas
coisas, coisas antigas, coisas de amor.
Vérica ouviu o
que Sangiban disse e viu o olhar terno, misterioso e diferente de Kyna.
Imediatamente interrogou sua mãe:
– O que
significa isso, Mãe?
–A história é
longa, minha filha. Prometo contar-lhe na primeira oportunidade. Mas vou lhe
dar só uma pequena pista: Por que você acha que minha mãe de deu este nome de
Alana?
–Nunca pensei
nisso mãe. Mas agora... Tem a ver com os alanos?
– Não, meu bem.
Tem a ver com UM alano em particular, o rei deles todos, Sangiban. Que foi o
grande amor de sua avó.
Vérica não se
conteve e soltou um sonoro assobio. Como tudo que vinha dela, saiu tão forte
que chamou a atenção de todos, dentro e fora da tenda.
Alana tomou-a
rapidamente pelo braço e a fez entrar na tenda, onde já estavam todos os outros:
– Agora não
temos tempo. Tenha paciência. Vamos para a reunião. Todo o futuro destas nações
se decide AGORA!
CONTINUA
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