MILTON MACIEL
Resumo do cap. 27 – Os hunos se dividem em dois
grupos. 2000 homens acampam junto à ponte destruída. 1600 rumam para a cidadela
e a invadem, sem encontrar os francos lá. Então bebem todo o vinho que foi
deixado pelos francos em fuga. Mas o vinho está contaminado por um preparado
das sacerdotisas, que produz em todos os sintomas da peste negra. Quando estes
1600 homens, desesperados, tentam fugir da cidadela, são recebidos a flechadas
por seus companheiros, que temem ser contaminados com a peste. Segue-se uma
brutal batalha de hunos contra hunos, que destroça a elite da cavalaria de
Átila. Mas os sobreviventes vêm que os sintomas da peste negra desaparecem
rapidamente. Era tudo um truque das sacerdotisas. Hilduara pergunta a Kyna como
isso pode acontecer. Ela lhe responde: “Quais são os menores animais que você
conhece?”
– Acho que os
piolhos. Ou as pulgas. Lembro que alguns são tão pequenos que mal conseguimos
vê-los – foi a resposta de Hilduara.
– Sim – falou
Kyna – E há mosquitos menores ainda. Pois aí está o segredo, minha cara. Há
animais ainda muito menores do que esses, animais de que os homens não têm
conhecimento porque não os podem ver. Mas nós, sacerdotisas da Deusa, sabemos
muito bem que a realidade inúmeras vezes não pode ser percebida com os olhos.
Então nós temos uma sabedoria antiga, muito antiga e muito secreta, que nos diz
que há ordens de animais tão pequenos que não se pode ver jamais. Pois bem, os
que vocês viram em ação hoje são tão minúsculos que vivem dentro das pulgas dos
ratos.
– Céus, sacerdotisa!
Isso é possível?
– Sim, esses
seres são pequenos demais para que os possamos ver. Mas isso não impede que
eles existam, vivam nos corpos de animais muito pequenos, como as pulgas, e se
multipliquem em quantidades impressionantes lá dentro. Pois bem, esses seres
incrivelmente pequenos podem passar para dentro dos organismos dos humanos
também. E, ao fazê-lo, provocam a peste negra e matam milhões de criaturas.
– Mas então
porque que o líquido amarelo só provoca os sintomas da peste, mas não a peste
em si?
– Porque a letalidade dos animais invisíveis
depende de que rato estamos falando. Cada tipo de rato tem pulgas de natureza
diferente. E um deles, que nós criamos nos templos em diminutas quantidades,
nos fornece as pulgas inócuas de que precisamos. Com os restos mortais delas,
nós fazemos um pó cheio dos animais invisíveis que vivem nelas. Na ausência de
água, esses animaizinhos hibernam, ficam adormecidos por anos, até que sejam
expostos à água de novo. E aí crescem muito rapidamente se, ao invés de pulgas
vivas, nós lhes dermos um alimento mais adequado. Que é o que é o líquido
amarelo que levamos horas preparando. Ele é o alimento para os animaizinhos se
multiplicarem milhares de vezes em poucas horas. E sabemos que eles se
multiplicam maravilhosamente bem dentro do vinho também, razão pela qual ele é
o veículo ideal para propagar os bichinhos invisíveis entre os humanos.
– E o que
acontece com eles então, quando dentro dos humanos?
– Ah, minha
querida Hilduara, eles morrem em poucas horas. Acho que é porque os seres
humanos são tão maus que são piores que as pulgas dos ratos.
– Vérica! –
exclamou horrorizada a moça ostrogoda – Nós somos tão ruins assim?
– Você não, meu
docinho. Você é boa, muito boa, a ponto de a Deusa querer tomá-la para que a
sirva.
– Você acha
mesmo? Eu?...
– Você sim,
criatura! Deixe de ser pessimista e valorize-se. Aliás, eu nem preciso achar
nada, uma vez que a Deusa acha. E ponto final!
Hilduara ergueu
os belos olhos para o infinito e ficou pensando. Eu, boa!... Seria mesmo possível? E os bichinhos que ninguém pode ver?
Que coisa extraordinária. Como uma sacerdotisa sabe coisas. Kyna é tão sábia!
Como eu gostaria de ser como ela um dia!...
Os hunos e a “peste”
No acampamento
huno à beira da ponte destruída, a situação era dramática. 2600 homens tinham
sido eliminados pela luta fratricida. Dos 1000 que sobraram, mais de 600 haviam
fugido para a retaguarda, com medo dos companheiros que tinham contraído a
peste na fortaleza. Estes cavaleiros só viram os primeiros momentos da grande
batalha de hunos contra hunos e logo fugiram, não tinham idéia do que tinha
acontecido de fato. Mas levaram as novidades ao grupo de 5000 cavaleiros que já
estavam acampados mais ao sul, esperando novas notícias do grupo que chegara à
ponte. Quando estas chegaram, foram as piores possíveis.
A fortaleza dos
francos estava contaminada pela terrível peste negra! Os hunos que a ocuparam
ficaram todos doentes, de uma forma desconhecida até então, porque quase
instantânea. Tentando fugir da tenebrosa cidadela e abrir caminho para a sobrevivência,
foram recebidos como inimigos por seus companheiros sadios e uma terrível
batalha havia começado entre eles, cujo resultado final ninguém ali sabia, nem
mesmo os 600 homens que haviam fugido de lá.
Os chefes deste
segundo acampamento huno foram também inexoráveis com os 600 fugitivos do
acampamento da ponte. Mandaram-nos fazer meia volta e acampar em um lugar a
pelos menos 10 quilômetros dali. Quando eles partiram, levando uma quantidade
limitada de água e víveres, os homens do grande acampamento começaram a mostrar
sinais de intranqüilidade e medo. E se aqueles 600 desgraçados lhes tivessem
trazido a peste? Muitos homens começaram a sentir sintomas da doença e corriam
a se esconder, temerosos que lhes surgissem as horríveis manchas negras pelo
corpo e face e os denunciasse. Todos começaram a olhar para os outros desconfiados,
cada um procurando no outro as marcas da doença maldita.
Emissários foram
mandados a Átila, que vinha com a retaguarda, dando conta da terrível situação
em Châlons. Átila ordenou uma parada geral imediata e reuniu-se com seus
generais e conselheiros. Era certo que os romanos, visigodos e seus aliados
marchavam em seu encalço. Mas a dianteira que levavam era suficientemente
grande para que atravessassem a ponte sobre o Marne e em seguida a destruíssem.
Até que os romanos e seus aliados conseguissem reconstruí-la, já Átila teria
recebido o reforço dos 25000 homens que estavam praticamente às portas de
Lutécia, e para quem ele enviara dois mensageiros de confiança e de grande
competência, ordenando-lhes que retrocedessem e pegassem a Via Agripa para o
sul, em direção ao Marne.
As notícias que
chegavam agora eram extremamente graves e preocupantes. A ponte fora destruída
pelos francos, logo a passagem do Marne com os carroções de víveres, armas e outros materiais, além
dos carroções com os resultados das pilhagens, saques e resgates, além de todas
as pesadas máquinas de guerra, estava impossibilitada. Precisariam construir
pontes rústicas múltiplas, usando grandes troncos de madeira colhidos na
floresta, que, à altura de Châlons, era muito próxima da estrada. Mas isso
demandaria muito tempo, mais de uma semana provavelmente. E eles não tinham
esse tempo todo, não com Flávio Aécio e o rei Teodorico a dois dias de
distância deles.
Mas o mais
desconcertante era saber que agora tinham um novo inimigo. Se, por um lado, os
romanos e seus aliados marchavam à sua retaguarda, pelo outro, lá onde a
vanguarda da elite da cavalaria huna se havia quase auto-exterminado, havia um
inimigo muito pior: a peste! Todos os generais opinaram que era mais viável
ficar onde estavam e enfrentar os romanos e seus aliados. Qualquer quilômetro a
mais que avançassem os colocava mais e mais perto da terrível fortaleza
contaminada. E dos homens que ainda estavam próximos à ponte destruída. E dos
milhares de cadáveres que era impossível sepultar e não se tinha material
suficiente para queimá-los. Aliás, se tivessem, quem seria louco para se
aproximar desses novos focos de peste negra?
Enquanto isso em
Châlons
Enquanto todas
essas desgraças aconteciam para os hunos, os francos, os 200 visigodos e as
sacerdotisas celtas voltaram tranquilamente para dentro da cidadela. Nas barbas
dos hunos, sem dar a mínima importância para eles. Em primeiro lugar porque à
beira da ponte em ruínas havia um número muito pequeno de cavaleiros (na
verdade eram pouco mais de 400). Em segundo lugar por que o moral desses
sobreviventes estava baixíssimo.
E em terceiro
lugar porque esses poucos hunos ainda estavam sob o impacto da descoberta que a
fortaleza franca estava tomada pela peste.
Para dar um
reforço a essa certeza dos hunos, os francos entraram lentamente na cidadela,
com mais um menos uma metade carregando a outra. Nos carros puxados pelos
cavalos, homens, mulheres e crianças vinham empilhados, como cadáveres, com as
pernas jogadas para fora. Homens marchavam estropiados pela “doença”, mancando,
agarrados a rústicos bastões cortados na mata. Não havia dúvida para os hunos:
os francos estavam voltando porque estavam condenados de qualquer maneira. Para
eles tanto fazia que a cidadela estivesse contaminada, pois eles já estavam à
beira da morte.
Só que aí
começou a correr uma idéia no campo huno: ora, aqueles francos haviam fugido da
peste antes e estavam de volta, cobertos por ela. Mas, se a peste havia poupado
um grande número de hunos, tendo seus sintomas desaparecido... Isso queria
dizer que a terrível verdade era bem outra: a cura dos hunos era só aparente! A
horrível peste parecia sumir e depois voltava com força total, exterminando
todo mundo, como estava acontecendo com o francos, que preferiram voltar a sua
cidadela, para morrer em paz lá dentro.
Para confirmar
essa horrenda verdade, os francos a todo momento, arremessavam corpos de mortos
do alto das muralhas, jogando-os no largo fosso que as circundava totalmente. Isso
levou os poucos hunos da ponte ao desespero. Não podiam retroceder, porque, já
tinham visto isso, seriam recebidos por seus companheiros como portadores da
morte e exterminados a flechadas.
Por outro lado,
aquele campo todo, eivado de milhares de cadáveres que logo entrariam em
decomposição, iria se tornar insuportável para a vida. E ainda havia a ameaça
do francos pesteados dentro da cidadela, sua peste poderia facilmente atingir o
acampamento da ponte, a distância era pequena demais para garantir segurança.
Então alguém
teve uma idéia e todos se apressaram a colocá-la em prática. Juntaram seus
pertences, montaram em seus cavalos e jogaram-se com eles nas barrancas do rio,
confiando que os animais conseguissem nadar contra aquela correnteza forte e pudessem
levá-los a salvo para o outro lado do Marne. Ali, pelo menos, estariam a salvo
das flechas dos seus próprios camaradas, que estavam para chegar – era isso o que
eles pensavam.
Na travessia
alguns homens caíram dos cavalos e muitos deles não conseguiram sobreviver,
afogando-se. Mesmo alguns cavalos cansaram e forma arrastados para o fundo. A
contagem dos que chegaram ao outro lado do rio confirmou cerca de setenta novas
baixas. Mas os que tiveram êxito estavam exultantes. Haviam vencido a luta
contra as águas revoltas do rio e estavam a salvo dos seus companheiros hunos e
da peste dos francos da fortaleza.
Depois de
algumas horas de descanso, esse grupo de cavaleiros tomou o mesmo rumo norte
que haviam tomado, poucos dias antes, os hunos que vieram do norte para tentar
tomar a fortaleza. Como estes, também os egressos da ponte destruída teriam
agora que atacar e pilhar propriedades e vilarejos, para arranjar comida e
bebida.
Fim da farsa
Dentro da
fortaleza, do alto das muralhas, os francos viram a debandada final dos hunos
que atravessaram o rio a nado. Então foi dada a ordem de parar com a farsa. Ou
seja, pararam de jogar “corpos” de bonecos pesados, de palha e areia, do alto
das muralhas, para dentro dos fossos frontal e laterais, onde os recolhiam
diversos homens e os levavam de volta para a fortaleza, para serem arremessados
novamente. Àquela altura já tinham jogado os 20 bonecos mais de30 vezes do alto
das muralhas, eliminando assim uns 600 “cadáveres”, dando aos hunos da ponte a
idéia de um morticínio em massa e crescente.
Agora a missão
mais importante era queimar imediatamente o campo onde estavam os cadáveres dos
hunos “sadios” e dos hunos “pesteados”, que se haviam exterminado em batalha. Primeiro
um destacamento de civis, munidos de recipientes adequados, fez uma criteriosa
varredura em todo o campo, apanhando milhares de flechas que estavam caídas
pelo chão. Eram tantas, que não precisaram arrancar as que estavam cravados nos
corpos dos mortos. Muito óleo e um pouco
de fogo grego foi utilizado nessa tarefa, reduzindo muito o estoque dos
francos. Durante o resto do dia e da noite, a fumaça escura subiu do campo, com
seu cheiro característico de carne assada. Mas a higiene estava garantida.
Enquanto isso
acontecia, o exército de Átila e seus aliados estava rigorosamente imobilizado.
Mas os romanos de Flávio Aécio, com todos os seu aliados, continuavam avançando
em direção a ele.
CONTINUA
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