O CERCO – 36 Novela histórica
MILTON MACIEL
Resumo do cap. 35 – Flavio Aécio e os reis aliados se
reúnem na tenda de comando com as sacerdotisas. Aécio é forçado a reconhecer
que errou ao dividir os alanos em dois grupos e pede desculpas ao rei Sangiban.
Vérica fica furiosa e, como sempre, fala direto na cara do romano o que pensa.
Mas este, ao invés de ofender-se acaba até agradecendo à jovem sacerdotisa por
ajudar a chamá-lo à razão. Serenados os ânimos, Kyna mostra que é muito mais
vantajosa a nova disposição de blocos de combatentes em campo, pois agora os
alanos podem servir como uma “isca” para os hunos. Vérica faz um desenho
perfeito do campo de batalha da Planície Catalaunica.(ver abaixo)
GUERRA TOTAL NAS PLANÍCIES DE CATALAUNUM
Kyna usou o
magnífico trabalho de Vérica para que todos pudessem ver, com detalhes, como
deveria se desenvolver a grande batalha. Tão logo Sangiban entendeu bem qual
seria o seu papel e o dos seus soldados alanos, correu para juntar todos os
seus homens em um grande bloco, que foi disposto entre os romanos e os
visigodos, exatamente como combinado. Contudo, atendendo a essa combinação, ele
deixou um grupo de 15% dos alanos em cada um dos blocos aliados. E esse
contingente, de 30% de todo o exército alano, exatamente seus arqueiros de
elite, foi passando para a retaguarda dos romanos e para a retaguarda dos
visigodos, até ficar completamente encoberto pelas grandes massas de soldados
aliados.
Então,
invisíveis para quem os observasse das posições dos hunos, esses alanos foram
se esgueirando, rentes ao chão e devagar, até uma posição em que puderam se
erguer, agora ocultos pelo início da floresta. Logo depois deitaram-se no chão,
ocultos entre arbustos e aguardaram.
Quando o
restante dos alanos terminou sua formação, o bloco por eles montado era muito
menor do que os dos visigodos e dos romanos, e até muito menor do que o bloco
original de alanos, obviamente.
Quando Átila
percebeu isso lá do seu campo, ficou tão contente que chegou a dar um salto no
ar.
– Bondosos
deuses! Os malditos alanos tiveram a ousadia de formar exatamente em frente a
nós. Ah, o traiçoeiro Sangiban já está com minha lâmina em sua garganta!
Todo o restante
da planificação feira na tenda dos aliados foi imediatamente colocada em
andamento, porque o tempo de Átila atacar já estava chegando. Mas uma coisa
mantinha Flávio Aécio ainda cheio de dúvidas. A sacerdotisa Kyna lhe garantira
que ele devia se preparar para enfrentar os hunos especificamente. Mas suas
tropas estavam dispostas exatamente de frente para os gépides, que eram, sem
dúvida, bons e valorosos guerreiros. Na hora em que os hunos começassem a
avançar, evidentemente os ostrogodos, à sua esquerda, marchariam contra os
visigodos e os gépides fariam o mesmo contra os romanos.
Mas Kyna não
havia deixado margem a dúvidas, dizendo:
– Esta tarde os
romanos não darão combate aos gépides. E vive-versa. Avance suas tropas em
direção a eles, na exata proporção em que eles avançarem, lentamente, em
direção aos romanos. E parem quando eles pararem. E então, quando os hunos
tiverem ultrapassado sua posição, em perseguição aos alanos, ataque-os pelo
flanco direito deles e por trás.
– Isso seria
magnífico, sacerdotisa. Mas como é que podemos ter certeza que os gépides não
nos atacarão neste momento? Porque, nesse caso, nós é que ficaríamos
imprensados entre hunos e gépides.
– Isso não
acontecerá, general. Lembra-se que falou que aprendeu a acreditar nas
sacerdotisas e nos druidas celtas? Pois agora chegou a hora de testar essa sua
crença em nossos poderes. Se fizer exatamente como estou lhe dizendo, nada dará
errado. E os hunos amargarão sua primeira derrota em solo gaulês.
Flávio Aécio
agira exatamente conforme a sugestão dada pela sacerdotisa. Mas estava se
remoendo por dentro. Embora tivesse, de fato, testemunhado as mais
impressionantes coisas feitas pelos celtas de fé, nunca os vira em condições de
guerra, que dirá nas de uma batalha campal tão gigantesca como aquela. Ali se
estava decidindo o futuro da Gália, o futuro do próprio Império Romano do
Ocidente. Se Átila e os seus fossem vencedores, nada mais poderia impedi-los de
chegar a Ravenna e a Roma. E talvez o trono de Valentiniano III estivesse então
com seus dias contados.
Agora era vencer
ou vencer. A derrota custar-lhe-ia a vida. Ou porque morresse nas mãos o
inimigo, em luta ou executado após ela, ou porque, se escapasse derrotado e com
vida, não teria a menor hesitação em empurrar o gládio contra seu o próprio
ventre, única saída honrosa para tal situação humilhante. Uma coisa era certa:
se os inimigos o pegassem, não o pegariam com vida.
E agora tinha
que se haver com aquela estranhíssima determinação da maior de todas as
sacerdotisas que já lhe fora dado conhecer em vida. De Kyna dos celtas
diziam-se coisas maravilhosas, inacreditáveis se não fossem sempre cercadas de
comprovações. Aquela era de fato uma mulher de imensos poderes sobrenaturais.
Mas... e se um dia ela falhasse? E se esse dia fosse, para seu extremo azar,
exatamente hoje? Então ele, Flávio Aécio, estaria acabado.
No acampamento
inimigo
Duas e meia da
tarde e os últimos hunos e seus aliados começaram a deixar os acampamentos
improvisados indo se juntar aos demais que já estavam em seus respectivos
destacamentos. Átila, excitadíssimo e feliz, antegozando o grande reide contra
os alanos muito menos numerosos, esperava ansiosamente o momento de dar o sinal
de ataque.
Olhou para sua
esquerda e viu Walamir já à frente dos ostrogodos. Grande chefe, excelentes
guerreiros, esses estavam prontos para arrasar os visigodos. Olhou para a
direita e não viu Ardaric à frente dos seus gépides. O que estaria acontecendo?
Por que essa demora? Os gépides, excelentes combatentes eles também, eram
vitais para o equilíbrio desse combate. Átila os dispusera de frente para os
romanos, de forma que o maior desgaste fosse recebido por eles e, quando
chegasse a hora de mudar seu ataque dos alanos, já derrotados, para um ataque
aos romanos, estes estariam muito desgastados pelo combate contra os gépides.
Finalmente
Ardaric apareceu, devidamente equipado para a guerra e fez um sinal aos seus
homens. Atila consultou a posição do sol. Era chegado o momento, enfim! Deu a
ordem de ataque.
A grande batalha
das Planícies Catalaúnicas tinha enfim começado!
Um alarido
descomunal fez-se ouvir do dois lados das fileira prestes a entrar em choque,
como se as gargantas de mil gigantes entoassem em uníssono um grito de guerra. Os
hunos foram os primeiros a arrancar, milhares de homens de infantaria e
cavalaria marchado céleres em direção ao raquítico contingente dos alanos. Átila,
como de hábito, ia à frente de seus cavaleiros. Voltando-se para trás uma vez,
ainda pôde ver o avanço, igualmente célere, dos ostrogodos de Walamir. Mas os
gépides, estranhamente, se deslocavam em baixíssima velocidade, com a
infantaria à frente. Os opoentes deles, os romanos, faziam exatamente a mesma
coisa. Estranho!
Mas
Átila não tinha tempo agora para se preocupar com os demais grupos combatentes.
Agora era a hora de pensar somente nos desgraçados dos alanos, que haveriam de
estar todos mortos dentro de ppouco tempo. Seus olhos procuravam avidamente por
Sangiban.
Quando estavam a
menos de cem metros de distância dos alanos, que preferiram esperar o ataque
dos hunos sem se movimentarem do lugar onde estavam, pôde enfim avistar o
maldito rei dos alanos. Nesse momento Átila sacou sua espada da bainha e
apontou-a diretamente na direção daquele odiado homem de vestes de cor azulada,
diferente de todos os outros alanos. Magnífico! Inconfundível, aquele imbecil
vestido como um pavão tornava as coisas muito mais fáceis ainda para ele.
Átila ergueu o
escudo em posição de defesa, pois em segundos começariam a cair sobre a
vanguarda huna as flechas dos arqueiros alanos. Mas, estranhamente, isso não
aconteceu. Para sua grande surpresa, nesse exato momento os alanos todos deram
meia-volta e começaram a correr para o sul, em direção à floresta.
Covardes! Os
alanos e seu reizinho insignificante fugiam vergonhosamente ao combate. Átila
enfureceu-se ainda mais. Como ousavam aqueles frouxos querer tira-lhe o prazer
maior de um combate frontal, o gosto da boa batalha. Nada havia de melhor do
que superar um inimigo de valor e corajoso, que vendia caro sua pele ao
vencedor. Os covardes mereciam mais do que o desprezo: mereciam a fúria simplesmente.
Os hunos haveriam de cair sobre aqueles coelhos assustados, alcançá-los e
dar-lhes a morte inglória e vergonhosa que estavam procurando.
Ao se aproximar
do ponto onde os alanos deveriam ter ficado, se não fossem uns efeminados,
Átila percebeu que um pequeno contingente de visigodos havia ficado para trás,
separado do grosso de suas tropas que já estavam em pleno choque com a
vanguarda dos ostrogodos.
Átila avaliou a
enorme superioridade numérica que tinha sobre aqueles coelhos fujões e fez sinal
a seu comandante Frostr, mostrando-lhe os visigodos retardatários e fazendo, coma
espada, o sinal para que o comandante levasse seu destacamento inteiro e
arrasasse aqueles visigodos. E continuou sua carga furiosa contra os alanos
fujões, que a esta altura já estavam perto da floresta. Se eles conseguissem
penetrar nela, seria muito mais difícil apanhá-los e, pior ainda, talvez o
traidor Sangiban conseguisse se esconder e escapar do justo castigo. Isso
deixou Átila ainda mais furioso e ele forçou seu cavalo a correr ainda mais, no
limite total de suas forças.
Nessa hora, os
alanos em fuga subitamente se dividiram em dois grupos e começaram a correr
paralelamente à fímbria da floresta. E, em seu lugar, surgiu do nada um grande
destacamento de arqueiros, que estivera o tempo todo esperando deitado, oculto
pelos primeiros arbustos que antecediam as árvores da floresta. Esses arqueiros
constituíam 30% de toda a força de guerra dos alanos e foram se esconder ali,
deixando o restante do contingente alano ainda mais raquítico em sua aparência
inicial.
O inesperado do
ataque daqueles mais de mil arqueiros, todos atirando juntos, colheu a
vanguarda dos hunos completamente de surpresa. Entre eles, Átila em pessoa, que
teve duas flechas cravadas em seu escudo. Os hunos, depois de uma grande perda
de homens e cavalos, chegaram, em novas linhas, já em condições de revidar e
seus arqueiros montados começaram a desferir sua mortífera carga sobre seus
congêneres alanos. Estes agora se defendiam como podiam atrás de seus grandes
escudos, que tinham deixado deitados no chão, um à frente de cada homem.
Com toda a
atenção concentrada nos arqueiros alanos, os hunos tiveram outra surpresa, ao
verem que os alanos que até então tinha estado em fuga, estavam agora voltando
e fazendo carga sobre os dois flancos desguarnecidos dos hunos. O combate
tornou-se ainda mais cruento e intenso.
Por sua vez o
destacamento que tinha partido para enfrentar o reduzido contingente de
visigodos retardatários, foi também recebido por uma intensa cortina da
flechas. Isso demonstrava que aquela aparente desordem dos visigodos tinha sido
proposital e que eles, na verdade, estavam prontos e esperando por aquele
ataque lateral dos hunos.
– Continuar,
continuar, não retrocedam! – o comandante huno gritou forte com seu homens.
Afinal, por mais que tivessem baixas por causa dos arqueiros visigodos, eles
eram muito mais numerosos, já estavam começando a revidar e a se aproximar o
suficiente para o combate singular, homem a homem.
Só que nesse
momento um grande alarido vindo da sua retaguarda o fez voltar-se: Incrível,
mas a retaguarda estava sob um intenso ataque dos romanos! O comandante tentou erguer-se um pouco mais na montaria,
para ver melhor e, nesse momento, uma flecha visigoda atravessou-lhe a garganta,
arremessando-o ao chão agonizante. Colhido entre dois contingentes inimigos, numa
manobra de pinça, cerca de 1500 hunos foram colocados fora de combate, a maior
parte pelos romanos.
Um alarido
semelhante foi ouvido pelo próprio Átila, que estava em um ponto muito distante
daquele onde se dera o mal sucedido ataque paralelo aos visigodos “retardatários”. E esse alarido queria dizer
a mesmíssima coisa: que a retaguarda do grosso do exército huno estava sendo atacada
pelos romanos! O que era algo inconcebível, pois os romanos eram para estar em
séria dificuldades, combatendo os ferozes e disciplinados gépides.
A vanguarda
huna, com Átila em pessoa à sua frente, estava envolvida em feroz combate com
os alanos. E esse combate teria sido agora de curta duração, face a exigüidade
do número de alanos em combate, quando comparados com um número sete vezes
superior de hunos. Mas a dura realidade é que esses número tão expressivo de
hunos estava agora sendo atacado pelas costas por um número equivalente dos melhores e mais preparados soldados do mundo, os
legionários romanos.
Há muito tempo
Átila não enfrentava uma legião romana. Todo tempo na Gália seus combates
haviam sido com gauleses de todos os tipos, visigodos, francos, celtas,
burgúndios. Raros os lugares onde havia pequenos grupos de soldados romanos
como guarnição. Mas agora a coisa era muito diferente: ali à sua retaguarda
avançavam as temíveis centúrias romanas, com seus legionários experientes e bem
equipados, os grandes escudos armados em formação retangular, as longas lanças,
os arqueiros protegidos, os gládios na
mão, as armaduras perfeitas. Ali estava o mais difícil dos inimigos a
enfrentar. E, a dirigi-lo, ninguém menos que o melhor general romano vivo:
Flávio Aécio.
Átila percebeu
então que havia ousado demais, em sua desabalada carreira atrás dos covardes
alanos em fuga. Que, percebiam os hunos agora, de covardes não tinham nada,
mas, sim, de espertos. Pois com sua aparente fuga, o que tinham feito fora
atraí-los para uma armadilha mortífera.
Átila considerou
rapidamente suas alternativas e concluiu que o melhor seria concentrar seu
esforço agora na demolição final do que restava dos alanos. Poderia então
voltar-se e resistir melhor ao avanço dos romanos, se não tivesse mais que
dispersar sua atenção com um inimigo mais fraco, porém ainda muito ativo e
perigoso, que o atacava pela frente. galopou entre seus comandados, organizando
sua vanguarda para desfechar um ataque maciço e fulminante contra os alanos
remanescentes.
Mas quando a
vanguarda huna partiu para esse ataque final, uma nuvem escura de cavaleiros
irrompeu pelo sul da Via Agripa e começou a invadir a planície catalaúnica.
– Os burgúndios,
senhor!
– E os francos
ripuarianos também!
E agora os hunos
estavam colhidos entre vários inimigos. Pela frente os alanos, os burgúndios e
os francos ripuarianos. Pelo flanco esquerdo, os visigodos e os romanos. E pela
retaguarda, os romanos.
As perdas eram
enormes de parte a parte, porém eram muito maiores para os hunos. Depois de
duas horas de combate nessas condições, ficou claro para eles não tinham mais
condições de resistir ali. Era preciso encontrar uma maneira de bater em
retirada. Teriam que atravessar toda a planície e se refugiar atrás da linha
dos carroções onde poderiam resistir ao cerco dos inimigos com facilidade. Mas como lograr essa fuga, se a retaguarda
estava totalmente cercada e envolvida em combates?
E o que eles
mais se perguntavam era o que teria acontecido com os gépides? Será que os
romanos tinham conseguido lhes impor uma derrota total em curtíssimo tempo, a
ponto de poderem se voltar depois contra os hunos? Só o saberiam quando pudessem
bater em retirada. Se pudessem!
Visigodos x
ostrogodos
Durante todo
esse tempo, em que Átila e os hunos foram sendo progressivamente envolvidos por
diversos grupos inimigos, desenvolveu-se a mais feroz de todas a as batalhas
daquela tarde, envolvendo ostrogodos contra visigodos, com lances heróicos
surpreendentes de parte a parte.
CONTINUA
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