MILTON MACIEL
Resumo do cap. 22 – Hilduara descobre, interrogando o
jovem prisioneiro huno, que o rapaz é apenas um menino e que não é huno, porém
ostrogodo, com ela mesma. O menino, cuja idade verdadeira é de quinze anos incompletos
apenas, declara odiar os hunos, que destruíram sua aldeia natal e mataram sua
família. Serve-os, uma vez que os ostrogodos são agora aliados dos hunos, mas
na esperança de um dia encontrar o general huno que comandou esse massacre,
quando então espera vingar-se. A sacerdotisa Kyna confirma que isso tudo é
verdade e o rapaz poderá ser um aliado interessante para os francos,
principalmente em função de uma idéia que Hilduara apresentou em segredo a
Kyna, e que obteve dela entusiástica aprovação.
A BATALHA DA TÁTICA DA MULTIPLICAÇÃO
Feitos todos os
ensaios e treinamentos durante a tarde, quando começou a chegar o início da
noite o rei Meroveu começou a colocar as duas linhas de cavalaria de que
dispunha. À frente, os 200 cavaleiros visigodos e os 20 únicos cavaleiros
francos, todos sob o comando da sacerdotisa Alana, que montava sua fiel e veloz
Almarak. Esse grupo de cavaleiros contornou o “lago” Châlons e atravessou o
rio, começando a marchar lentamente em direção ao novo acampamento huno, situado
agora a menos de dois quilômetros da passagem no Marne. Logo as sentinelas dos
hunos detectaram esse movimento de tropas e correram a avisar seus comandantes.
Desses, o principal jazia entre a vida e a morte, atingido que fora pela
gigantesca flecha de Vérica dias atrás. Os outros dois estavam ainda perplexos,
sem saber ao certo que atitude tomar.
Tinham perdido,
entre mortos e feridos, mais de quinhentos homens, de modo que seus efetivos
capazes de combater estavam agora reduzidos a pouco mais de 1400 homens. Pelos
cálculos deles, os francos deviam ter mais ou menos essa quantidade de
guerreiros disponíveis também. Isso ocorria porque estes haviam vestido como
soldados a maior parte da população civil da fortaleza, no dia do primeiro
ataque huno. Quando, na verdade, os francos contavam com 540 guerreiros
somente, entre arqueiros e infantaria, os hunos haviam somado a estes mais de
700 civis vestidos com uniformes militares e mantidos a prudente distância do
“lago”; E os 200 cavaleiros visigodos que haviam visto chegar por ocasião do
segundo ataque repelido pelos francos.
Quando tentaram
transpor o traiçoeiro fosso da planície, usando cordas para atravessá-lo, a mulher franca de cabelos ruivos os havia
atacado com mortíferas setas gigantes, que além de vencerem uma distância
impossível para qualquer outro arco, huno, franco ou romano, ainda caíram sobre
eles trazendo cargas infernais de um material que explodia e gerava violentos
incêndios. Essas flechas de longa distância e esse material terrível que elas
traziam, totalmente desconhecido para os hunos, é que os mantiveram ali no
acampamento, sem coragem de empreender um novo ataque e sem justificativa para
desistirem do cerco à cidadela.
O grande receio
dos hunos era que todos os arqueiros francos, além daquela mulher diabólica,
começassem de repente a cuspir aquelas flechas incendiárias gigantes em
conjunto, contra os invasores. Ora, se uma reles mulher podia manusear aquele
maldito arco gigante, era evidente que todos os homens de arco também podiam fazê-lo,
e com muito mais facilidade.
Infelizmente suas
espiãs dentro da fortaleza há vários dias não lhes mandavam mais informações,
desde que a tentativa de transposição do fosso com cordas fora abortada pela
mulher ruiva amaldiçoada e seus explosivos incendiários. Tudo indicava que as
três espiãs e assassinas haviam sido capturadas e, se afirmativo, imediatamente
executadas pelos francos.
Por isso foi com
enorme surpresa que os dois chefes hunos receberam a informação que os francos
se preparavam para atacá-los. Ordenando que todos os homens preparassem seus
cavalos e arcos, os chefes subiram até o topo da torre de observação que haviam
erguido à entrada de seu acampamento aberto. Dali, puderam ver, conforme
anunciado por suas sentinelas, que os cavaleiros visigodos já haviam transposto
o rio e estavam agora estacionados a menos de 800 metros de distância do
acampamento.
Ora, aquilo
seria arrematada loucura, se só aqueles 200 e poucos homens resolvessem atacar
os mais de 1400 soldados hunos. A contagem dos visigodos foi confirmada por
três batedores, os quais receberam ordens de se aproximar mais deles, até
chegarem ao limite de alcance das flechas gigantes do inimigo. Eram ao todo 220
homens. Era evidente que aquilo só podia ser uma armadilha. Os visigodos se
expunham, os hunos saíam do acampamento e cavalgavam de encontro a eles. Então
os provocadores fugiriam, atravessariam o rio e sabe-se lá que armadilhas
infernais não esperavam os cavaleiros hunos do outro lado daquele rio
desgraçado. Os chefes hunos concordaram que não deveriam mover um só dos seus
cavaleiros, que deveriam aguardar montados – como montados estavam os visigodos – na área
do acampamento.
Ao alcance da
vista dos batedores hunos, que mandavam constantes recados para aos chefes, os
cavaleiros visigodos esperavam sob a liderança de seu comandante. Enquanto
isso, o sol ia declinando rapidamente no oeste. Antes que isso acontecesse por
completo, uma visão aterradora mostrou-se para os hunos. A mulher diabólica de
cabelos de fogo e túnica branca, chegou carregando seu arco gigantesco e uma
aljava enorme, cheia de flechas que mais pareciam pequenas lanças. Na ponta da
flecha que ela tinha ao arco, um volume estranho estava amarrado: o explosivo,
na certa!
Mas o que
aconteceu a seguir deixou os hunos completamente apavorados. A mulher ruiva era
uma FEITICEIRA! Estava explicado porque ela tinha tanta força assim, coisa que
quase nenhum homem poderia ter. Uma bruxa! Tiveram certeza disso quando
constataram com seus próprios olhos estarrecidos, que a feiticeira, de repente,
havia SE MULTIPLICADO! Agora existiam TRÊS daquelas figuras horrendas, a mesma
cara, a mesma roupa, os mesmos cabelos de fogo, completamente iguais. E, o
pior: o mesmo arco inacreditavelmente grande na mão. Não havia dúvida, era
bruxaria! A criatura começara se multiplicando em três. Em quantas poderia
chegar a se multiplicar? 10, 100, 1000? Para os demônios e suas criaturas tudo
era possível. O grande ataque das feiticeiras era iminente. O que poderiam
fazer contra elas os guerreiros hunos? Estavam acostumados as lutar com homens
e de homens nunca tinham medo. Mas lutar contra o sobrenatural, contra demônios
e feiticeiras?! O terror foi se instalando no meio das hostes invasoras, à
medida que anoitecia.
Os francos
acenderam enormes tochas, que iluminavam perfeitamente o espaço ao redor de
cada uma das efígies da feiticeira diabólica. De início três, as tochas
começaram a se multiplicar, e era só uma questão de tempo para mais uma
reprodução da feiticeira maldita se tornar visível. Já eram seis agora! Nesse
ponto, os três batedores não agüentaram mais o medo e, coerentes com o nome,
bateram... em retirada. Chegaram esbaforidos, aterrorizados, contando aos
demais soldados e aos chefes que fugiram por que as bruxas se multiplicavam numa
velocidade alucinante. E, para que não ficasse mal de todo para eles, para não
pareceram tão covardes, encarregaram-se de inflacionar o número total de bruxas
multiplicadas: Vinte, disse um. Que
vinte! Muito mais de cinqüenta,
afirmou o outro. Que cinqüenta! Quando tive que correr, avançavam, só contra
mim, mais de cem bruxas armadas com os grandes arcos de flechas explosivas.
O moral das
tropas caiu a zero. Um enorme número de cavaleiros propôs que fugissem
imediatamente dali, antes que a bruxa de cabelos de fogo, multiplicada em
centenas, os cercasse de fogo real, atirando simultaneamente centenas de
flechas incendiárias gigantes.
A noite havia
caído plenamente e agora tudo estava escuro, exceto o local onde várias dezenas
de novas tochas, fincadas no chão, marcavam o lugar onde iam surgindo, a todo
instante, novas multiplicações da feiticeira dos francos. Os chefes discutiam
acaloradamente. Um deles concordava com a maioria da tropa, defendendo que
abandonassem aquele campo de batalha eivado de demônios e tratassem de salvar a
própria pele, fugindo para o norte, de volta para o seu lugar de origem, na
segurança de Cologne, a uns bons 200 quilômetros daquele lugar demoníaco.
Mas o outro
chefe resistia, dizendo que tinham a obrigação de defender a honra dos hunos,
ainda que tivessem todos que perecer, lutando contra os demônios, as bruxas, e
os visigodos. Ou eles preferiam enfrentar o pelotão de execução do próprio
Átila, ao qual ele se encarregaria pessoalmente de denunciá-los? Disse isso
empunhando seu arco, ameaçando matar o primeiro que debandasse. Isso fez os
homens que já começavam a se afastar do acampamento retrocederem. Mas nesse
instante algo novo – e ainda pior – aconteceu.
Viram quando uma
das feiticeiras levou uma corneta à boca e fez soar uma nota aguda e
estridente. Imediatamente, na planície dos dois lados da estrada principal, na
estrada inteira visível, sobre a grande ponte de pedra romana que atravessava o
rio, na planície do lado de cá do rio, acenderam-se milhares de tochas em movimento,
marcando o avanço de uma tropa de infantaria de proporções enormes.
E, como se não
bastasse, a um novo toque de corneta da bruxa, começou a se deslocar um outro
enorme grupo de tochas que, pelo espaçamento maior e modo característico de
marcha, só podia ser uma tropa de cavalaria. Esses cavaleiros, às centenas
também, avançavam pela planície íngreme que margeava a estrada, já mais próxima
à muralha oeste da cidadela.
Os hunos
apavorados fizeram rápidos cálculos mentais e, na confusão reinante, suas
avaliações do número de inimigos iam desde dois mil até dez mil homens em
armas. Mas não era isso o que os mantinha mais apavorados. Era o sobrenatural,
a bruxa ruiva multiplicada e suas centenas de arcos gigantes com flechas
mortais. E então, para fazer tudo ficar pior, os cavaleiros visigodos começaram
a avançar lentamente em direção ao acampamento huno. À frente deles, agora
conduzidas por criaturas medonhas, corcundas,
de muito baixa estatura, certamente gnomos a serviço da bruxa, vinham as
dezenas de tochas. E, do meio delas, saiu a primeira flecha incendiária, que
caiu a menos de 50 metros do acampamento.
Os atacantes
continuavam a avançar sem parar, lentamente, de forma que, um minuto depois de
a primeira flecha ser lançada do centro do grupo, uma outra flecha foi lançada
a partir do lado direito. E essa explodiu a menos de 20 metros de onde estavam
os primeiros homens hunos, que fugiram apavorados para o norte, ignorando os
gritos do chefe que resistia à idéia de fuga. Os primeiros fogos começaram a se
alastrar em direção ao acampamento. Os visigodos e a bruxa multiplicada
continuavam seu lento avanço. Atrás deles avançava a imensa massa de infantaria
e o outro contingente de cavalaria.
Nesse exato
momento, mais uma coisa insólita aconteceu: um cavaleiro huno, que cavalgava a
grande velocidade, apareceu vindo do lado esquerdo da margem do rio, como quem
havia margeado a floresta e descido ao longo das corredeiras. A confusão no
acampamento era tanta que ninguém chegou a interceptá-lo. Quando ele saltou do
cavalo, todos notaram que era um menino ainda, muito alto, mais ainda um
menino. Não estranharam, porque era uma
pratica comum dos hunos mandar mensageiros assim, que podiam facilmente se
misturar aos habitantes locais, quando em risco de serem apanhados e,
fingindo-se de mudos e retardados mentais, conseguiam enganar a todos, salvando
a mensagem que levavam escondida no corpo e na memória.
O rapaz falou
aos gritos, em desespero:
– Fujam, fujam
rápido enquanto têm tempo! Sou um emissário de Átila em pessoa, levo uma
mensagem para o exército do norte. Contornei há pouco essa massa de visigodos
que está chegando. Tenho informações que eles são mais de doze mil homens. E,
fiquei sabendo agora, há uma horda de bruxas, que subiu diretamente do inferno e
que vai avançar sobre nosso exército para arrancar e comer a cabeça de cada
homem que puderem pegar. Elas de alimentam de miolos e sangue de soldados
valentes, por isso preferem os hunos e os alamanos, não os francos covardes,
com os quais se aliaram para nos atacar. Fujam, andem logo, façam como eu!
E dando um salto
monumental sobre o cavalo, partiu a toda brida em direção ao norte, demandando
a estrada principal.
CONTINUA
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