(E Deus Criou a
Mulher)[E seu dia intenacional]
MILTON MACIEL
Estou me
apropriando aqui do delicioso título do filme francês de Roger Vadin que, em
1956, catapultou a carreira de Brigitte Bardot e a inseriu para sempre na
posição de grande símbolo sexual. Eu, molequinho de todo, não podia entrar no
cinema, o filme era proibido para menores, é claro!
Mas o que me
fascinava não era a Bardot (a foto aqui é da Rachel Welch!) Era o TÍTULO do filme! Sou de ascendência francesa
por parte de pai (minha avó paterna era descendente direta de um marechal de
Napoleão) e uruguaia por parte de mãe. Em casa eu falava três idiomas:
espanhol, português e francês. E o francês me encantava. Então, quando li no
cartaz do cinema aquele ET DIEU CRÉA LA
FEMME, fiquei extasiado. Por quê? Não tenho a menor idéia. Simplesmente bateu
fundo. Vai ver bateu foi premonição, foi por causa de hoje, dia 8 de Março de
2013, quando vou me apropriar desse título maravilhoso para homenagear uma especial
maravilha da Criação: o ser humano de sexo feminino.
Então com licença,
Vadin. Vamos lá:
Deus olhava
contrafeito para aquele estranho boneco de argila a quem ele infundira vida
horas atrás, com um sopro bem dado em suas narinas ainda ocluídas. O pneuma
divino, abrindo-as, deu vida imediata à bizarra criatura. O Criador estava
pensando que não fora uma boa idéia inspirar-se no macaco como modelo para sua
criação. O resultado acabara ficando muito feio e muito peludo. E tivera que
voltar várias vezes à etapa de produção, por causa de óbvios defeitos. Na
última vez, porque ia escapando o rabo de macaco na nova criatura. Foi retirado
a tempo, por inútil, segundos antes do sopro vivificador.
Copiando ora
partes de um gorila, ora partes de um orangotango, o Criador foi fazendo sua
escultura de barro, com evidente prazer. Adorava moldar criaturas e
infundir-lhes vida depois. Teve o cuidado de corrigir um detalhe ainda: a bunda
de orangotango, vermelha, tinha ficado horrorosa na nova criatura, trocou-a
pela de um bonobo que passava ocasionalmente por ali. Ah, isso haveria de ser um
problema depois! Pois veio junto o incrível apetite sexual dos bonobos. Mas, na
hora, o Criador não se apercebeu disso.
Mas o tal ser, a
quem ele resolveu classificar de HOMEM (Arcanjo
Gabriel balançou a cabeça, detestando o nome: por ele, aquela aberração teria
sido no máximo um princzalt, mas,
afinal, o boneco era de Deus, paciência!), ficou com o gênio dos macacos também. Nem bem levantou do solo de criação, já
começou a coçar a cabeça e reclamar de tudo: que o Paraíso era muito quente,
que os outros bichos olhavam para ele com olhares esquisitos, que se sentia
discriminado e perseguido, coisas assim. No segundo minuto entrou em crise
existencial da braba: tinha acabado de ver um casal de pacas transando, teve
compreensão instantânea do que aquilo significava e imediatamente sua porção
bonobo se manifestou.
Foi assim que,
mesmo estando só como manifestante, o homem realizou sua primeira passeata de
protesto. Começou a caminhar pra lá e pra cá na frente dos arcanjos e de Deus, fazendo
gestos que hoje seriam considerados obscenos, manifestando assim seu
inconformismo com a ausência de uma fêmea para fazer com ela aquele animado
ritual das pacas.
Deus confabulou
com seus arcanjos e considerou seriamente desmontar aquele encrenqueiro
imediatamente. Ora, era claro que ele ia criar uma fêmea da espécie também,
afinal fazia-o sempre, criava-os aos casais, ora bolas! Mas resolveu ter um
pouco mais de paciência e dar ainda uma chance ao grosseirão que tinha criado.
– Gamaliel,
ponha o homem para dormir imediatamente com seu bafo. Vamos fazer uma fêmea
para ele, mas eu vou usar um atalho, não estou mais a fim de trabalhar tanto de
novo. Afinal já vem aí o sétimo dia e eu vou ser obrigado a descansar.
Arcanjo Gamaliel
aproximou-se do bizarro peludo, escancarou a bocarra e deixou sair seu bafo
mefítico, causado por uma incontrolável proliferação de tártaro angélico nos
dentes amarelados. O bicho caiu duro no chão. Então os anjos operários,
indivíduos de menor hierarquia, que ficavam com o trabalho sujo de limpar as
galáxias, vieram apanhá-lo e o colocaram sobre uma pedra chata, que serviria de
mesa cirúrgica.
Uma digressão
aqui se impõe, tenham paciência os leitores e leitoras. É que os anjos estavam
furiosos com seus superiores hierárquicos, cogitando entrar em greve e até a
aliar-se com seu antigo colega Lúcifer. E a razão era mais do que
compreensível: tinha acabado de entrar em vigor a nova lei criada por Arcanjo
Assexuel: Daquela semana em diante ANJO NÃO TEM SEXO! Isso foi, mais tarde, mal compreendido pelos humanos
ignorantes. NÃO TEM aqui significa que NÃO PODE FAZER, não é que não tenha os
órgãos competentes. O Senhor acabou dando força para a Lei daquele arcanjo
sempre de mal com a vida, sempre a fim de, com o perdão da má palavra,
infernizar a vida dos anjos seus subalternos. Em vão Arcanjo Sensuel tentou
argumentar que aquilo criava um precedente perigoso, que a adoção do celibato e
da castidade forçados ainda ia acabar acarretando sérios problemas entre os
anjos. Mas não foi ouvido! De mais a mais, o sistema de governo ali não era uma
democracia. O Patrão decidia, estava decidido!
Aí o Lúcifer
liderou uma revolta e foi embora para Lanticiel, levando um monte de anjos e
anjas com ele. E agora viviam fazendo as maiores orgias, para revolta e inveja
dos anjos que tinham ficado no Céu. Estes foram obrigados, pelo mesmo azedo
Assexuel, a abandonar seus instrumentos musicais favoritos, agora proscritos:
cavaquinho, pandeiro, cuíca e agogô. E foram obrigados e começar a estudar
Lira, uma terrível chatice.
Bem, digressão
encerrada, voltemos ao homem anestesiado. Pois Deus resolveu cortar caminho,
criando a fêmea para o encrenqueiro peludo sem rabo a partir de um pedaço do
próprio corpo dele. O Senhor acabara de inventar a CLONAGEM e ia fazer sua
primeira experiência. O duro foi decidir que parte do corpo ele retiraria. De
início cogitou usar um daqueles ridículos ovinhos que estavam ali de fora,
muito mais fácil de tirar. Mas a equipe argumentou que aquilo era para
reprodução e, como era um alvo muito fácil para os animais predadores, por isso
mesmo é que tinham sido criados em duplicata, quando da invenção dos macacos.
Deus concordou. Seguiram-se momentos tensos de discussão, em que cada um
defendia a retirada de uma parte diferente. Por fim Deus se impacientou e disse:
uni-duni-tê-salamê-mim-güê. E assim,
ao acaso, a escolhida foi a costela.
Aí foi rápido:
costela retirada, fêmea criada. Mas ficou horrível: igualzinha ao macho
encrenqueiro, inclusive nos pelos. Ora, o Criador achava aquilo muito feio e resolveu que estava na hora de dar uns
retoques pra valer e aperfeiçoar muito mais a criatura, antes de soprar-lhe
vida. Mas que modelo copiar agora? Olhou longamente o bicho peludo deitado
sobre a pedra, puxando o maior ronco e se sentiu um escultor fracassado. Mas mais
um momento e todos se surpreenderam com a enorme gargalhada que Ele estava
soltando.
– O que foi
Senhor? – perguntou Arcanja Gabriela.
– Nada, nada
minha filha. É que, para me distrair um pouco enquanto pensava, usei minha
capacidade de tudo ver e fui rapidamente dar uma olhada no futuro dessa
espécie. E até que não vai ficar tão ruim assim, esses pelos ridículos vão cair
quase todos com o tempo. Mas o que me deu vontade de rir, foi que meus olhos
caíram, ao acaso, num texto de revista desses humanos (depois eu explico o que
é revista, agora não temos tempo) e ali estava escrito, assinado por um certo
Millor Fernandes, o seguinte:
“Quando Deus leu
que criou o homem à sua imagem e semelhança, Deus morreu de rir!”
Aí, lógico,
todos explodiram na maior gargalhada, Gabriela teve um ataque de riso difícil
de controlar, chegou a ficar sem fôlego, precisou um soprinho de Deus para
ajudar. Imagine-se só, aquele bicho estranho, feio e desconjuntado ser a imagem
de Deus!
Mas Deus voltou
a seu problema: que modelo usar para aperfeiçoar a fêmea da espécie humana?
Pensou, pensou, até que, de repente, sua atenção foi chamada por um diálogo em
sussurros, o que é de todo inútil perto de quem tem clariaudiência absoluta.
Deus ouviu:
– Não,
Sapatiela, agora acabou! É fim mesmo. Eu me decidi a continuar no céu e vou me
submeter à nova Lei de Assexuel. Acabou! Não tem sexo mais, desista! Foi bom
enquanto durou, mas agora é fim!
Arcanja
Sapatiela olhou Arcanja Gabriela, aspirando seu suave perfume de cravo
(mastigava-o sempre, para não ter o horrível tártaro de Arcanjo Gamaliel),
admirou sua cor de canela, suas suaves e generosas formas, cheias de curvas,
onde seu olhos derrapavam inebriados. E consolou-se. Já que estava acabado
mesmo, deu meia-volta e foi-se embora em passo acelerado. Se se apressasse,
ainda pegaria o expresso das 5 horas para Lanticiel, em menos de duas horas
estaria com a turma do divertido do Lúcifer. Isso se ainda pudesse comprar
passagem para hoje! Desde a entrada em vigor da nova Lei, os expressos para
Lanticiel partiam lotados de anjos e até dois arcanjos tinham sido vistos embarcando,
disfarçados de anjos comuns.
Aquele rápido
diálogo iluminou a mente do genial Criador. Era isso! Por que não pensara
antes? Olhando atentamente para Arcanja Gabriela, Deus viu que ali estava o
modelo perfeito para criar a MULHER (já tinha decidido classificá-la com esse
nome e Arcanjo Gabriel o achara lindo!). Então o Celeste escultor e modelista
pediu para Gabriela posar como modelo e começou o seu trabalho de correção das
inúmeras imperfeições da boneca de costela. Começou por arredondar-lhe e
suavizar-lhe as formas simiescas do rosto, até deixá-las idênticas às do
rostinho perfeito de Gabriela. Aí mandou a própria Gabriela passar as mãos a
uns cinco centímetros do corpo da mulher ainda sem vida e emitir aqueles raios
azuis dos arcanjos e arcanjas. Perfeito, foi a primeira depilação da história
celeste! Lá se foram todos os pelos do corpo da mulher. Exceto de uma pequena
parte, porque Gabriela ficou com receio que passar a mão ali fosse considerado
infração à nova Lei do Anjo Não Tem Sexo. Em compensação, ao olhar a horrível
pelagem no alto da cabeça da boneca de costela, a própria Gabriela teve um
lindo gesto de desprendimento: removeu de seus longos e perfumados cabelos uma
madeixa inteira e aplicou-a na cabeça da boneca. Imediatamente a pelagem escura
foi substituída por uma maravilhosa cabeleira idêntica à da arcanja. Deus
adorou o gesto e o resultado!
Mas quando
viraram a mulher para depilá-la do outro lado, foi que todos se deram conta do
horror que era aquela abunda reta e peluda, igual à do macho. Os pelos foi
fácil remover, mas a nova modelagem, inspirada nos glúteos esculturais de
Arcanja Gabriela, levou muito tempo até que o Divino Escultor conseguisse reproduzir.
Mas no fim, todos balançando a cabeça afirmativamente e se cumprimentando,
realmente valeu a pena: uma perfeição de traseiro, lisinho, brilhante, cheio de
beleza.
Como último
detalhe, viraram a boneca de frente novamente e Deus começou a esculpir nela o
busto perfeito de Gabriela. Foi preciso tirar muito material da cintura, que
era tosca e larga como a do homem, para ter o que colocar no novo par de seios,
lindos, torneados, muito mais volumosos que os mamilinhos de gorila fêmea que
estavam antes ali. Mamilos foram deixados, é lógico, mas foram também torneados
com extrema arte e delicadeza pelo Senhor.
No final, todos ficaram
extasiados com a obra-prima do Criador. E Ele mais do que qualquer outro, é
claro:
– Me superei! Melhor
do que isso não consigo fazer nunca mais! Então declaro encerrada minha
carreira de criador. É bom saber parar quando a gente está por cima! Amanhã é feriado,
pessoal. Todo mundo descansar!
E DEUS CRIOU A
MULHER! Não a partir do rústico macaco, mas a partir do anjo perfeito: uma
arcanja! Et Dieu Créa La Femme!
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