quinta-feira, 11 de abril de 2013

A NOIVINHA - 7  
MILTON  MACIEL

Final da parte 6 - Sargento Elias ria às bandeiras despregadas. Dobrava-se de tanto rir, chegava a perder a fala e a respiração, os olhos cheios de lágrimas. Sim, senhor! Quando é que ia poder imaginar uma coisa assim, tão insólita? Pois não é que um jagunço, um jagunço que era o mais famoso e o mais temido matador de toda a região, lhe trazia aquele desordeiro ali, pronto para ser preso? Um matador – aliás, um não, quatro ao todo – bandido matador dando uma de policial, prendendo bandido descabaçador e fazendo entrega em domicílio, direto na delegacia, mas que mundo era esse, meu Deus?! O que mais faltava inventarem?!
   Pois a resposta estava ali mesmo: bandido doutor, fazendo castrar cirurgicamente bandido estuprador, com cuidados e requintes de assepsia. Mais essa, Senhor! E a execução final do plano, então: tirar as calças do homem (homem?), vesti-lo de noiva, desfilar com ele pela cidade e, por fim, entregá-lo como noivinha a seis maridos de má catadura, prisioneiros evidentemente famintos de mulher.
 
PARTE 7 - Pois os homens confabularam um pouco entre si, decidiram-se por prioridades, estabeleceram a fila, os turnos e o revezamento. E partiram imediatamente para a execução. Enquanto os outros seguravam a noivinha ajoelhada de quatro, pelos braços, pernas e pescoço, o primeiro deles, evidentemente o líder natural,  partiu para a consumação do ato nupcial, falando em meio ao maior sorriso desdentado:

– Ói, pessoar! Ocês é tistimunha: o degas aqui é qui vai sê o discabaçadô da noivinha. Vô discabaçá ele qui nem qui ele feiz cum a criança, num sabe?  Deus castiga! Ocês num si isquece disso, tem qui contá pra todos qui eu é qui fui o primero! – e, com prazer duplicado, partiu para os finalmente...

   Com o berro de João Boto, os Timbós deram por encerrada a missão. Saíram dali imediatamente, aquela cena, apesar de ser o coroamento de tudo e o castigo justo ao desgraçado, era por demais deprimente para ser presenciada por machos de verdade. Arre! Manifestaram o nojo que sentiam e trataram de sair logo da delegacia. Antes, porém, Dito deixou um aviso para os outros presos:

– Mecês ganharam um presente hoje, mas é pra usá i usá bem usado! Aquele qui num cumparecê cum seu dever di marido, nóis fica sabendo i manda capá também, vai sê mais otra noivinha, dividí as obrigação conjugar cum essa daí.

   Com esse aviso vindo daquela voz cavernosa, os prisioneiros sentiram um aperto nas partes baixas e trataram de garantir, um por um, que não iam decepcionar a noiva de jeito nenhum. Dito fez então um sinal a Osmar, que voltou à frente da cela e, dando um último olhar de nojo à cena em frente, fez um sinal para o único homem que não estava ocupado, segurando ou executando a noivinha. O homem se aproximou da grade. Era assassino, como todos os que estavam recolhidos ali, exceto um. Osmar lhe falou, em voz bem baixa:

– Ocês vai ficá uns dia cum a isposa di ocês. Mais dispois ocês vai tê a tristeza di qui vai tudo ficá viúvo. I ocê é qui fica incarregado di sangrá a mulezinha di ocês. Tá aqui o punhal qui esse nojento usava pra mutilá as oreia dos qui ele matava nas briga. Mi dissero qui ele usou isso pra assustá a minina quando pegô ela à força. Intão é o siguinte: ocê pega o punhal i essa nota de cinqüenta. Daqui um meis mano Bastião vorta aqui. Conta bem os dia. Quando ele chegá, é o dia da viuvez. Ocê executa a sentença cum esse punhal – tem qui sê cum ele, intendeu bem? Num pode sê cum outra coisa – e mano Bastião le dá uma outra nota igual a esta, qui morte incomendada tem que sê sempre bem paga. Agora, si ocê num cumpriu seu devê cum nóis, os Timbó, pode dexá qui aí a gente fura é ocê mesmo.

   Quando os Timbós iam saindo, sargento Elias se aproximou e fez questão de apertar a mão de todos, um por um:

– Em nome do Doutor Delegado, no meu mesmo e de toda a comunidade, eu quero lhe dizer que o município é muito grato por sua ajuda na prisão desse malfeitor.

   E, puxando Osmar para uma prosa particular, segredou:

– Vi quando o senhor chamou o Zé Bode para uma prosa. Vi que lhe entregou alguma coisa também. Acho que sei o que é, mas queria só confirmar com o amigo, para não ter nenhuma surpresa. Até porque eu acho que os amigos não iam deixar esse coisa ruim vivo, pra um dia, quem sabe, ganhar coragem e armar um emboscada contra algum de vocês, não é mesmo?

– O sargento é um home muito do vivo, sim sinhô...

– Bom, entendo isso como uma confirmação. E para quando vai ser a sentença?

– Mano Bastião vorta aqui na data certa. Mecê acha qui pode tê argum pobrema?

– Por causa do delegado? Não, o amigo pode ficar tranqüilo. O João Boto era um dos poucos problemas que a gente tinha por aqui, o doutor vai ficar é muito contente com o que vocês fizeram. E ainda vai contar ponto para ele lá na capital, resolveu um caso de estupro de menor tão rapidamente. Ele não vê a hora de poder voltar para Fortaleza. Mas, para facilitar para todos nós, peça a seu mano para não voltar em dia de segunda ou de terça-feira, que é quando o delegado fica por aqui. Em qualquer outro dia, Seu Bastião pode contar com a minha colaboração e a minha discrição. Assim é mais fácil.

– Pois o sargento é que divia di sê o delegado daqui.

– Mas eu sou, na prática. O doutorzinho moço deixa tudo nas minhas mãos, mesmo quando está aqui. Só que eu não tenho o diploma, sabe como é.

CONTINUA

Um comentário:

  1. Olá, Milton!
    Sou a Bruna de Joinville, SC, que estava na sua palestra na Feira do livro, "e-tudo", como a dinossauro, mais nova representante da velha guarda.
    Seu trabalho me inspirou tanto que resolvi divulgar meus textos e criei meu próprio blog.
    Sei que seu tempo é ocupado, mas, se possível, dê uma lida:
    http://brunaletit.blogspot.com.br/
    Com carinho,
    Bruna.

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