MILTON MACIEL
Final da parte 6 - Sargento Elias ria às bandeiras despregadas. Dobrava-se de tanto rir, chegava a perder a fala e a respiração, os olhos cheios de lágrimas. Sim, senhor! Quando é que ia poder imaginar uma coisa assim, tão insólita? Pois não é que um jagunço, um jagunço que era o mais famoso e o mais temido matador de toda a região, lhe trazia aquele desordeiro ali, pronto para ser preso? Um matador – aliás, um não, quatro ao todo – bandido matador dando uma de policial, prendendo bandido descabaçador e fazendo entrega em domicílio, direto na delegacia, mas que mundo era esse, meu Deus?! O que mais faltava inventarem?!
Pois a resposta estava ali mesmo: bandido
doutor, fazendo castrar cirurgicamente bandido estuprador, com cuidados e
requintes de assepsia. Mais essa, Senhor! E a execução final do plano, então:
tirar as calças do homem (homem?), vesti-lo de noiva, desfilar com ele pela
cidade e, por fim, entregá-lo como noivinha a seis maridos de má catadura,
prisioneiros evidentemente famintos de mulher.
PARTE 7 - Pois os homens confabularam um pouco entre
si, decidiram-se por prioridades, estabeleceram a fila, os turnos e o revezamento.
E partiram imediatamente para a execução. Enquanto os outros seguravam a
noivinha ajoelhada de quatro, pelos braços, pernas e pescoço, o primeiro deles,
evidentemente o líder natural, partiu para a
consumação do ato nupcial, falando em meio ao maior sorriso desdentado:
– Ói,
pessoar! Ocês é tistimunha: o degas aqui é qui vai sê o discabaçadô da
noivinha. Vô discabaçá ele qui nem qui ele feiz cum a criança, num sabe? Deus castiga! Ocês num si isquece disso, tem qui contá pra
todos qui eu é qui fui o primero! – e, com prazer duplicado, partiu para os
finalmente...
Com o berro de João Boto, os Timbós deram
por encerrada a missão. Saíram dali imediatamente, aquela cena, apesar de ser o
coroamento de tudo e o castigo justo ao desgraçado, era por demais deprimente
para ser presenciada por machos de verdade. Arre! Manifestaram o nojo que
sentiam e trataram de sair logo da delegacia. Antes, porém, Dito deixou um
aviso para os outros presos:
– Mecês
ganharam um presente hoje, mas é pra usá i usá bem usado! Aquele qui num
cumparecê cum seu dever di marido, nóis fica sabendo i manda capá também, vai
sê mais otra noivinha, dividí as obrigação conjugar cum essa daí.
Com esse aviso vindo daquela voz cavernosa,
os prisioneiros sentiram um aperto nas partes baixas e trataram de garantir, um
por um, que não iam decepcionar a noiva de jeito nenhum. Dito fez então um
sinal a Osmar, que voltou à frente da cela e, dando um último olhar de nojo à
cena em frente, fez um sinal para o único homem que não estava ocupado,
segurando ou executando a noivinha. O homem se aproximou da grade. Era
assassino, como todos os que estavam recolhidos ali, exceto um. Osmar lhe
falou, em voz bem baixa:
– Ocês vai
ficá uns dia cum a isposa di ocês. Mais dispois ocês vai tê a tristeza di qui
vai tudo ficá viúvo. I ocê é qui fica incarregado di sangrá a mulezinha di
ocês. Tá aqui o punhal qui esse nojento usava pra mutilá as oreia dos qui ele
matava nas briga. Mi dissero qui ele usou isso pra assustá a minina quando pegô
ela à força. Intão é o siguinte: ocê pega o punhal i essa nota de cinqüenta.
Daqui um meis mano Bastião vorta aqui. Conta bem os dia. Quando ele chegá, é o
dia da viuvez. Ocê executa a sentença cum esse punhal – tem qui sê cum ele,
intendeu bem? Num pode sê cum outra coisa – e mano Bastião le dá uma outra nota
igual a esta, qui morte incomendada tem que sê sempre bem paga. Agora, si ocê
num cumpriu seu devê cum nóis, os Timbó, pode dexá qui aí a gente fura é ocê
mesmo.
Quando os Timbós iam saindo, sargento Elias
se aproximou e fez questão de apertar a mão de todos, um por um:
– Em nome do
Doutor Delegado, no meu mesmo e de toda a comunidade, eu quero lhe dizer que o
município é muito grato por sua ajuda na prisão desse malfeitor.
E, puxando Osmar para uma prosa particular,
segredou:
– Vi quando o
senhor chamou o Zé Bode para uma prosa. Vi que lhe entregou alguma coisa
também. Acho que sei o que é, mas queria só confirmar com o amigo, para não ter
nenhuma surpresa. Até porque eu acho que os amigos não iam deixar esse coisa
ruim vivo, pra um dia, quem sabe, ganhar coragem e armar um emboscada contra
algum de vocês, não é mesmo?
– O sargento
é um home muito do vivo, sim sinhô...
– Bom,
entendo isso como uma confirmação. E para quando vai ser a sentença?
– Mano
Bastião vorta aqui na data certa. Mecê acha qui pode tê argum pobrema?
– Por causa
do delegado? Não, o amigo pode ficar tranqüilo. O João Boto era um dos poucos
problemas que a gente tinha por aqui, o doutor vai ficar é muito contente com o
que vocês fizeram. E ainda vai contar ponto para ele lá na capital, resolveu um
caso de estupro de menor tão rapidamente. Ele não vê a hora de poder voltar
para Fortaleza. Mas, para facilitar para todos nós, peça a seu mano para não voltar
em dia de segunda ou de terça-feira, que é quando o delegado fica por aqui. Em
qualquer outro dia, Seu Bastião pode contar com a minha colaboração e a minha
discrição. Assim é mais fácil.
– Pois o
sargento é que divia di sê o delegado daqui.
– Mas eu sou,
na prática. O doutorzinho moço deixa tudo nas minhas mãos, mesmo quando está
aqui. Só que eu não tenho o diploma, sabe como é.
CONTINUA
Olá, Milton!
ResponderExcluirSou a Bruna de Joinville, SC, que estava na sua palestra na Feira do livro, "e-tudo", como a dinossauro, mais nova representante da velha guarda.
Seu trabalho me inspirou tanto que resolvi divulgar meus textos e criei meu próprio blog.
Sei que seu tempo é ocupado, mas, se possível, dê uma lida:
http://brunaletit.blogspot.com.br/
Com carinho,
Bruna.