MILTON MACIEL
FINAL DA PARTE 2:
João Boto tinha agora que defender seu prestígio. O imbecil o havia desacatado na maior cara dura, estava na hora de lhe dar um corretivo completo, furar o infeliz todo na peixeira, arrancar-lhe as orelhas com o punhal. O sangue de João Boto estava mais do que fervendo, quando ele empunhou punhal e peixeira, um em cada mão, e gritou:
PARTE 3:
colocando-se
ao lado de Jeremias. O mais notável, é que os dois homens sorriam, como se
estivessem se divertindo muito. João Boto estacou por um momento, não estava
preparado para enfrentar dois homens ao mesmo tempo. Olhou rapidamente para os
lados, para avaliar se algum daqueles outros homens poderia vir se juntar a
ele. Era evidente que não. Ia ter que lutar sozinho. Foi quando Jeremias falou
para o irmão:
– Pode sentá
di novo, mano véio. Prá incará esse chibungo mirradinho num carece di dois
macho, não. Dexe qui eu tomo conta dela, dessa frufruzinha, sozinho.
Osmar fez que sim com a cabeça, voltou à
cadeira e cruzou as pernas, voltando a beber sua cachaça com cara de enfado.
Isso foi o suficiente para dar segurança a João Boto, que partiu como um louco
para cima de Jeremias, que o olhava com um sorriso nos lábios, mas agora com um
olhar gelado e sinistro. Avançando com a peixeira na mão esquerda, por baixo, e
o punhal na direita, por cima, João Boto gritou:
– Morre
agora, mardito!
Mas o que se viu a seguir chegou às raias do
inacreditável para aquela gente toda, João Boto inclusive. Quando a mão com o
punhal estava chegando perto do pescoço de Jeremias, este pegou o braço do
agressor e, com um impressionante giro de corpo, não só se desviou da peixeira
que vinha por baixo, em direção à barriga, como fez João Boto mergulhar
espetacularmente em direção ao chão, onde ele foi se estatelar amassando a
cara. Antes que ele pudesse entender o que tinha acontecido, aturdido pelo
choque, já o forasteiro o havia desarmado. Com um movimento extremamente
rápido, tomou-lhe faca e punhal e os atirou para o irmão.
Osmar esperou que as armas caíssem no chão,
levantou-se da cadeira e as apanhou. Espetou o punhal na mesa onde estava e,
voltando a sentar e cruzar as pernas, retornou calmamente ao divertimento de
sorver sua cachaçinha na maior calma.
Quanto a Jeremias, ficou em pé, braços
cruzados, sorrindo, esperando que João Boto se levantasse do chão. Este,
passada a surpresa e o susto, estava agora mais possesso do que nunca, via seu
reinado em risco de desabar, não podia ficar desmoralizado perante aquele povo,
tinha que fazer alguma coisa, tinha que matar aquele desgraçado sem as armas
mesmo. Ia ser no muque. E partiu de novo para cima de Jeremias, desfechando um
soco que era um verdadeiro coice de mula.
Mas o que aconteceu foi que a cena anterior
se repetiu. Jeremias pegou o braço de João Boto, interpôs seu próprio corpo na
trajetória do agressor e, com um rápido giro e um puxão, o fez estatelar-se no
chão outra vez. Desta vez o impulso foi muito maior, proporcional à força do
gorado coice de mula. João Boto rolou pelo chão, o barulho foi algo
impressionante. A força do impacto foi tanta que o deixou sem respiração por
vários segundos. Quando conseguiu respirar, a dor apareceu em todos os ossos,
em todos os músculos, parecia que tinha levado uma enorme surra.
Bem, pena para o padrasto de Ritinha, que a
coisa não pudesse ficar só no parecer. Surra de verdade foi o que Jeremias
começou a lhe aplicar no minuto seguinte. Batia no homem apenas com as mãos
abertas, espalmadas, sem jamais lhe desferir um único soco de punho fechado.
Jeremias estapeava e falava:
– Vai apanhar
de tapa, como mulher que é!
E só se ouvia paff, e paff, e paff e os
gemidos de João Boto, cada vez mais altos, transformando-se em gritos engolidos
de dor. A velocidade dos golpes era tanta que João Boto não conseguia se
defender, que dirá reagir. Jeremias falando de novo:
– Este é pela
minina. Este pela mãe dela. Este é pelos qui ocê matô. Este é por esses cabra
froxo qui tivero medo d’ocê, seu merda! Este é por painho, qui ocê vai logo
cunhecê. I este é pela noivinha! – e Jeremias passou uma rasteira em João, que
desabou pesadamente no chão, outra vez.
– Si
alevanta, seu chibungo froxo! Quem le deu licença di discansá no chão, seu
priguiçoso? Si alevanta pra apanhá mais!
E
puxava João Boto para cima, obrigando-o a se erguer, já com as pernas bambas,
incapazes de sustentá-lo em
pé. Jeremias agora passou a desferir uma série de tapas
contra o estômago do homem, que desabou em seguida, quase desacordado. Nesse
momento dois ou três homens fizeram menção de avançar em direção a Jeremias.
Foi quando viram Osmar levantar da mesa, com a peixeira e o punhal de João
Boto. Recuaram imediatamente. Para surpresa de todos, Osmar simplesmente jogou
as armas no chão, em frente aos candidatos a agressores e desafiou:
– Ói as arma
aí, gentes! Eu num priciso delas pra dá em ocês. Porque qui ocês
num aproveita e ataca mano véio cum elas, como o bestalhão qui tá no chão já
feiz?
Silêncio total. Então os dois irmãos ergueram
João Boto do chão e o levaram meio carregado, andando trôpego, para fora.
Jeremias falou, ao sair:
– Agora nóis
vai levá o diabo aqui pra painho. E ocês num seje besta di si metê no nosso
caminho.
Apesar disso, seis homens saíram do bar,
três deles armados com paus e uma foice. Cercaram os dois irmãos, o que animou
João Boto que já se recuperava. Foi quando Jeremias falou:
– Mai intão
qué dizê qui ocês qué defendê esse coisa ruim aqui, é? Ocês num qué deixá nós
levá ele pra nosso painho, Dito Timbó? – mas os homens caíram na gargalhada,
achando que era mentira, é claro – Qué dizê qui ocês ameaça nóis dois i ocês é
só sete, contando a frufruzinha aqui? Vão tê a ousadia, é? Vão tê mesmo, seus
merda?!
Nesse momento ouviu-se o ruído dos cascos de
um cavalo, vindo do beco atrás deles. Todos se voltaram e alguns reconheceram o
homem montado, para pavor geral: era Dito Timbó em pessoa!
– Vão tê
não... – disse o pistoleiro, com voz calma e arrastada.
Dito Timbó! Sim, era ele mesmo! Quem ali
nunca tinha visto uma das muitas fotografias do famoso matador, volta e meia
estampada nos jornais, até mesmo nos da capital? Dois dos homens já o tinham
visto pessoalmente, à distância, uma vez que Dito circulava livremente pela
região, sem ter que se acoitar por causa de polícia ou de homens a fim de
vingança.
O padrasto começou a tremer e caiu de
joelhos, suplicando:
– Seu Dito,
pelo amor de Deus, eu num fiz nada! Mi perdoe, num fui eu qui comecei a briga,
foi seu fio qui mi provocô, todo mundo viu isso. E aí eu briguei, mas o moço me
deu a maior coça, seu Dito. Mi releve, pelo amor de Deus! Eu num fiz nada pro
seu fio!!
– I num feiz
mesmo. Se alevante! Deixem o home si erguê, num sujeita ele – Dito disse isso
com toda a tranqüilidade, com um quase sorriso nos lábios.
O cabra respirou aliviado, ressuscitou dos
mortos, o matador tinha compreendido a situação. Ergueu-se de um salto, feliz
da vida. Começou a se curvar, fazendo gestos repetidos de gratidão.
– Mas fez cum
minha fia, seu cabra safado! – e agora Dito Timbó tinha o revólver na mão. O
homem voltou a tremer, assustado. Que história maluca era aquela?
– Sua fia?!
Que qui é isso, Seu Dito? Num cunheço fia sua ninhuma, juro pelo qui há di mais
sagrado!
– Pois foi
cum Ritinha, seu mardito!
– Mas...
Mas... Mas Ritinha é mermo sua fia? É verdade intão?
– Verdade
verdadera – e todos ouviram o ruído da arma sendo engatilhada.
O padrasto começou a tremer mais fortemente.
Caiu de joelhos de novo. Mas agora entendeu que não adiantava falar mais nada.
Ia morrer ali mesmo, naquele minuto. Entendeu tarde demais que o que a mulher
falava de Ritinha era verdade. Inúmeras vezes ela o havia advertido:
– Você bata
em mim e nas crianças, faça o que quiser, mas você nunca bula com Ritinha. Ela
é filha de Dito Timbó e você sabe muito bem quem é Dito Timbó. Eu tô vendo seus
olhos pra menina, tô vendo qual é sua tenção com ela. Pois não faça, que se
você fizer maldade com ela, eu juro que mando contar tudo pro pai dela. Não
faça!
É claro que ele nunca acreditou nessa
bobagem, truque de mãe que queria salvar os tampos da filha. Quando chegou a
propícia situação, cachaça e tesão, a bichinha na flor da idade, até os
peitinhos já começando a apontar, não se segurou mais. Prá quê? Pois se ele não comesse, logo, logo, algum outro haveria de
comer. Melhor que fosse ele, que gastava do seu para dar de comer àquela moleca
da mulher. Já estava na hora da menina mostrar gratidão. Pois que abrisse as
pernas para agradecer. Por bem ou por mal. Por bem ela não quis, então foi por
mal. Mas agora a desgraça dele estava feita! Pois então não era verdade que o
pai da dita cuja era mesmo Dito Timbó?! Mas ele era mesmo muito azarado! Podia
ter pegado Manoela, era até um ano mais velha que Ritinha, já tinha onze anos
completos. Mas não tinha graça, não dava tesão como a outra. É, mas pelo menos
não era filha de Dito Timbó...
CONTINUA
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