sábado, 6 de abril de 2013

A NOIVINHA - 3  
MILTON  MACIEL

FINAL DA PARTE 2:


João Boto tinha agora que defender seu prestígio. O imbecil o havia desacatado na maior cara dura, estava na hora de lhe dar um corretivo completo, furar o infeliz todo na peixeira, arrancar-lhe as orelhas com o punhal. O sangue de João Boto estava mais do que fervendo, quando ele empunhou punhal e peixeira, um em cada mão, e gritou:

– Pois agora ocê vai morrê, seu besta! – E já ia pulando em cima do adversário, quando notou, pela primeira vez, a presença do outro estranho, Osmar. Este havia levantado da cadeira, colocando-se

PARTE 3:

colocando-se ao lado de Jeremias. O mais notável, é que os dois homens sorriam, como se estivessem se divertindo muito. João Boto estacou por um momento, não estava preparado para enfrentar dois homens ao mesmo tempo. Olhou rapidamente para os lados, para avaliar se algum daqueles outros homens poderia vir se juntar a ele. Era evidente que não. Ia ter que lutar sozinho. Foi quando Jeremias falou para o irmão:

– Pode sentá di novo, mano véio. Prá incará esse chibungo mirradinho num carece di dois macho, não. Dexe qui eu tomo conta dela, dessa frufruzinha, sozinho.

   Osmar fez que sim com a cabeça, voltou à cadeira e cruzou as pernas, voltando a beber sua cachaça com cara de enfado. Isso foi o suficiente para dar segurança a João Boto, que partiu como um louco para cima de Jeremias, que o olhava com um sorriso nos lábios, mas agora com um olhar gelado e sinistro. Avançando com a peixeira na mão esquerda, por baixo, e o punhal na direita, por cima, João Boto gritou:

– Morre agora, mardito!

   Mas o que se viu a seguir chegou às raias do inacreditável para aquela gente toda, João Boto inclusive. Quando a mão com o punhal estava chegando perto do pescoço de Jeremias, este pegou o braço do agressor e, com um impressionante giro de corpo, não só se desviou da peixeira que vinha por baixo, em direção à barriga, como fez João Boto mergulhar espetacularmente em direção ao chão, onde ele foi se estatelar amassando a cara. Antes que ele pudesse entender o que tinha acontecido, aturdido pelo choque, já o forasteiro o havia desarmado. Com um movimento extremamente rápido, tomou-lhe faca e punhal e os atirou para o irmão.

   Osmar esperou que as armas caíssem no chão, levantou-se da cadeira e as apanhou. Espetou o punhal na mesa onde estava e, voltando a sentar e cruzar as pernas, retornou calmamente ao divertimento de sorver sua cachaçinha na maior calma.

   Quanto a Jeremias, ficou em pé, braços cruzados, sorrindo, esperando que João Boto se levantasse do chão. Este, passada a surpresa e o susto, estava agora mais possesso do que nunca, via seu reinado em risco de desabar, não podia ficar desmoralizado perante aquele povo, tinha que fazer alguma coisa, tinha que matar aquele desgraçado sem as armas mesmo. Ia ser no muque. E partiu de novo para cima de Jeremias, desfechando um soco que era um verdadeiro coice de mula.

   Mas o que aconteceu foi que a cena anterior se repetiu. Jeremias pegou o braço de João Boto, interpôs seu próprio corpo na trajetória do agressor e, com um rápido giro e um puxão, o fez estatelar-se no chão outra vez. Desta vez o impulso foi muito maior, proporcional à força do gorado coice de mula. João Boto rolou pelo chão, o barulho foi algo impressionante. A força do impacto foi tanta que o deixou sem respiração por vários segundos. Quando conseguiu respirar, a dor apareceu em todos os ossos, em todos os músculos, parecia que tinha levado uma enorme surra.

   Bem, pena para o padrasto de Ritinha, que a coisa não pudesse ficar só no parecer. Surra de verdade foi o que Jeremias começou a lhe aplicar no minuto seguinte. Batia no homem apenas com as mãos abertas, espalmadas, sem jamais lhe desferir um único soco de punho fechado. Jeremias estapeava e falava:

– Vai apanhar de tapa, como mulher que é!

   E só se ouvia paff, e paff, e paff e os gemidos de João Boto, cada vez mais altos, transformando-se em gritos engolidos de dor. A velocidade dos golpes era tanta que João Boto não conseguia se defender, que dirá reagir. Jeremias falando de novo:

– Este é pela minina. Este pela mãe dela. Este é pelos qui ocê matô. Este é por esses cabra froxo qui tivero medo d’ocê, seu merda! Este é por painho, qui ocê vai logo cunhecê. I este é pela noivinha! – e Jeremias passou uma rasteira em João, que desabou pesadamente no chão, outra vez.

– Si alevanta, seu chibungo froxo! Quem le deu licença di discansá no chão, seu priguiçoso? Si alevanta pra apanhá mais!

   E puxava João Boto para cima, obrigando-o a se erguer, já com as pernas bambas, incapazes de sustentá-lo em pé. Jeremias agora passou a desferir uma série de tapas contra o estômago do homem, que desabou em seguida, quase desacordado. Nesse momento dois ou três homens fizeram menção de avançar em direção a Jeremias. Foi quando viram Osmar levantar da mesa, com a peixeira e o punhal de João Boto. Recuaram imediatamente. Para surpresa de todos, Osmar simplesmente jogou as armas no chão, em frente aos candidatos a agressores e desafiou:

– Ói as arma aí, gentes! Eu num priciso delas pra dá em ocês. Porque qui ocês num aproveita e ataca mano véio cum elas, como o bestalhão qui tá no chão já feiz?

  Silêncio total. Então os dois irmãos ergueram João Boto do chão e o levaram meio carregado, andando trôpego, para fora. Jeremias falou, ao sair:

– Agora nóis vai levá o diabo aqui pra painho. E ocês num seje besta di si metê no nosso caminho.

   Apesar disso, seis homens saíram do bar, três deles armados com paus e uma foice. Cercaram os dois irmãos, o que animou João Boto que já se recuperava. Foi quando Jeremias falou:

– Mai intão qué dizê qui ocês qué defendê esse coisa ruim aqui, é? Ocês num qué deixá nós levá ele pra nosso painho, Dito Timbó? – mas os homens caíram na gargalhada, achando que era mentira, é claro – Qué dizê qui ocês ameaça nóis dois i ocês é só sete, contando a frufruzinha aqui? Vão tê a ousadia, é? Vão tê mesmo, seus merda?!

  Nesse momento ouviu-se o ruído dos cascos de um cavalo, vindo do beco atrás deles. Todos se voltaram e alguns reconheceram o homem montado, para pavor geral: era Dito Timbó em pessoa!

– Vão tê não... – disse o pistoleiro, com voz calma e arrastada.

   Dito Timbó! Sim, era ele mesmo! Quem ali nunca tinha visto uma das muitas fotografias do famoso matador, volta e meia estampada nos jornais, até mesmo nos da capital? Dois dos homens já o tinham visto pessoalmente, à distância, uma vez que Dito circulava livremente pela região, sem ter que se acoitar por causa de polícia ou de homens a fim de vingança.

   O padrasto começou a tremer e caiu de joelhos, suplicando:

– Seu Dito, pelo amor de Deus, eu num fiz nada! Mi perdoe, num fui eu qui comecei a briga, foi seu fio qui mi provocô, todo mundo viu isso. E aí eu briguei, mas o moço me deu a maior coça, seu Dito. Mi releve, pelo amor de Deus! Eu num fiz nada pro seu fio!!

– I num feiz mesmo. Se alevante! Deixem o home si erguê, num sujeita ele – Dito disse isso com toda a tranqüilidade, com um quase sorriso nos lábios.

   O cabra respirou aliviado, ressuscitou dos mortos, o matador tinha compreendido a situação. Ergueu-se de um salto, feliz da vida. Começou a se curvar, fazendo gestos repetidos de gratidão.

– Mas fez cum minha fia, seu cabra safado! – e agora Dito Timbó tinha o revólver na mão. O homem voltou a tremer, assustado. Que história maluca era aquela?

– Sua fia?! Que qui é isso, Seu Dito? Num cunheço fia sua ninhuma, juro pelo qui há di mais sagrado!

– Pois foi cum Ritinha, seu mardito!

– Mas... Mas... Mas Ritinha é mermo sua fia? É verdade intão?

– Verdade verdadera – e todos ouviram o ruído da arma sendo engatilhada.

   O padrasto começou a tremer mais fortemente. Caiu de joelhos de novo. Mas agora entendeu que não adiantava falar mais nada. Ia morrer ali mesmo, naquele minuto. Entendeu tarde demais que o que a mulher falava de Ritinha era verdade. Inúmeras vezes ela o havia advertido:

– Você bata em mim e nas crianças, faça o que quiser, mas você nunca bula com Ritinha. Ela é filha de Dito Timbó e você sabe muito bem quem é Dito Timbó. Eu tô vendo seus olhos pra menina, tô vendo qual é sua tenção com ela. Pois não faça, que se você fizer maldade com ela, eu juro que mando contar tudo pro pai dela. Não faça!

   É claro que ele nunca acreditou nessa bobagem, truque de mãe que queria salvar os tampos da filha. Quando chegou a propícia situação, cachaça e tesão, a bichinha na flor da idade, até os peitinhos já começando a apontar, não se segurou mais. Prá quê? Pois se ele não comesse, logo, logo, algum outro haveria de comer. Melhor que fosse ele, que gastava do seu para dar de comer àquela moleca da mulher. Já estava na hora da menina mostrar gratidão. Pois que abrisse as pernas para agradecer. Por bem ou por mal. Por bem ela não quis, então foi por mal. Mas agora a desgraça dele estava feita! Pois então não era verdade que o pai da dita cuja era mesmo Dito Timbó?! Mas ele era mesmo muito azarado! Podia ter pegado Manoela, era até um ano mais velha que Ritinha, já tinha onze anos completos. Mas não tinha graça, não dava tesão como a outra. É, mas pelo menos não era filha de Dito Timbó...

   Bem, mas agora era besteira ficar lembrando disso. O que estava feito, estava feito. Ia morrer. Estava frente ao pai da menina que descabaçara à força. O código era muito claro: o pai primeiro capava e depois matava o desgraçante da filha. Não tinha perdão. Ficou tremendo de medo, implorando mentalmente pelo tiro de misericórdia. Teve certeza da morte chegando, o homem já tinha até engatilhado a arma, sentiu um alívio enorme, morria inteiro, com os bagos no lugar. Pois então havia de morrer como homem. Já que morria inteiro, como um homem também não iria suplicar pela vida. Besteira, era inútil, estava morto mesmo...
CONTINUA

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