terça-feira, 9 de abril de 2013

A NOIVINHA - 5  
MILTON  MACIEL

Final da parte 4 O retratista do lugar não dava vencimento de tirar e revelar fotografias em que os moradores, homens, mulheres e crianças, queriam aparecer ao lado daquelas celebridades. De mais a mais, a punição de João Boto despertava grande comoção e simpatia, a vontade de vê-lo desgraçado sendo uma das poucas unanimidades numa cidadezinha como aquela, irremediavelmente cindida ao meio pela política local.

   O fato é que, quando o cabra malvado pôde andar, a procissão foi formada novamente. Outra vez a cidade se agitou, todos interessados em saber qual seria o desfecho do caso e o destino final de João Boto.

PARTE 5   Como mais tarde se soube, toda a ação foi fruto da mente modernosa de Osmar, o filho mais moço dentre os três que ali estavam. Diferente dos irmãos e do pai, analfabetos, Osmar tinha as luzes da educação. Conseguia assinar seu nome e ler aos tropeços, se o texto não fosse muito difícil, como aqueles de livro. Tinha quatro anos de curso primário nas costas. Está certo que os quatro foram todos na primeira série, de onde saiu irremediavelmente reprovado. Mas, depois de tanto tempo, alguma coisa conseguira penetrar naquele duro bestunto.

  Ao decidir, como os outros dois irmãos ali presentes, seguir a invejável carreira do pai, os anos de aculturamento pesaram a favor de uma visão mais moderna e sofisticada da arte de justiçar ou despachar por encomenda. Foi de sua brilhante e culta cabeça que saiu o plano que estava sendo desenvolvido ali, tendo João Boto como figurante principal.

   É bem certo que teve muita dificuldade para convencer o pai, caboclo velho e rústico, de poucas luzes, acostumado a resolver as coisas na hora, na peixeira, revólver ou repetição. Por ele, Dito Timbó, João Boto já estaria capado e estirado, coisa de pouco tempo, menos de uma hora. Mas aquele menino, o único entre eles que era estudado, quase um doutor, viera com aquela novidade esquisita, a tal idéia da noivinha.

   E agora a idéia ia ser aplicada em sua totalidade. Quando a procissão se formou – Dito Timbó a cavalo, os três filhos e João Boto, claudicante, todos a pé, mais a pequena multidão atrás do andor dos Timbó – ela seguiu em direção ao centro da cidade. Como esta era muito pequena e o ‘centro’ era quase que toda a cidade, em três quarteirões chegaram à segunda estação da nova Via Crucis encenada por João Boto. Pararam todos em frente à loja “A Principal”. Os Timbó e o lento padrasto entraram, a multidão, prudentemente apinhada na calçada em frente, desmanchando-se em conjecturas e interrogações.

   Tardaram coisa de quinze minutos. Quando saíram, o povaréu explodiu numa gargalhada sem fim. João Boto saiu da loja sem as calças, só tinha visível uma atadura nas ex-partes baixas, sendo evidente a falta da documentação masculina. Mas o mais hilário, para a multidão, foi ver aquele homem trigueiro, de média estatura, magro, com uma barba esbranquiçada crescida de vários dias, tendo o peito recoberto por uma blusa branca, feminina. Na cabeça, levava um véu e uma grinalda de noiva. E, na mão direita, segurava um buquê branco, de noiva também.

– Ói só, gentes! Pois si não é João Boto vistido di noiva!

– Arre égua! Oi lá, não tem mais os culhão! Bem feito!

– Vixe, onde é que a noivinha vai?

– Qué casá comigo, minha frô?

– Não, ocê não! Deixa qui eu vô leva ela pro Tisnado, meu jegue. Aceita Tisnado por marido, sinhá? Dexe qui ele vai le satisfazê i é um muito!

– Vai pra igreja, noivinha? Qui é do noivo?
– O noivo é meu jegue, é Tisnado, eu já disse.

– Ói qui eles tá andando di novo! Vamo siguí!
   E a procissão retomou seu passo lento, seguindo os Timbó e seu prisioneiro. Novamente a marcha foi decepcionantemente curta. Em dois quarteirões já estavam parando de novo. Desta vez, em frente à Delegacia. Terceira estação da Via Crucis.

   Polícia?! Aquilo era a última coisa que se podia esperar de Dito Timbó ou de qualquer matador. Que dirá de um grupo de quatro matadores! Mas era verdade. Os homens entraram delegacia adentro. Dito foi logo perguntando, com autoridade:

– Cadê Seu Delegado? Nóis qué um dedo di prosa cum ele. I é pra já!

– Seu delegado tá fora da cidade, Seu Dito, em diligência. Eu juro! – o sargento, oficiando de delegado substituto, falava com voz trêmula, mas era o único macho a ficar no cargo, segurando a vergonha da Pátria amada. Os outros três praças se escafederam pela porta dos fundos, provavelmente estejam correndo até hoje. O delegado estava, desde a chegada dos Timbó, prudentemente acoitado em uma fazenda do município ao lado. Seguro morreu de velho, nunca se sabe.

– Intão tá bom, serve ocê mesmo, qui é a otoridade. Nós troxi esse home qui é pra módi ele sê preso.

– E a acusação qual é? – perguntou o sargento, mais à vontade, tentando mostrar sua autoridade e seu conhecimento da lei.

   Bastião perdeu a paciência com a ousadia do homenzinho.

CONTINUA

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