quarta-feira, 24 de abril de 2013

RITINHA - 2a. parte
MILTON   MACIEL

Final da primeira parte: 
– Pois ocê disse qui nóis tá cum sorte porque tem muita minina nova, di menor, aqui? É isso?

– Não! A sorte de vocês é que agora tem uma quenguinha nova, uma que descabaçaram faz menos de um mês, é carnezinha nova, bonita de ser ver. Vocês precisam esperar por ela, ela sempre vem pra cá de noite. Não tarda muito e elas começam a chegar. E aí procuram pelos homens de caminhão. Se vocês querem uma sugestão, façam o seguinte. Tão vendo aquele caminhão azul ali, do Espírito Santo? Pois ele foi deixado aí pelo motorista. Está com problema mecânico mais sério e o homem pegou um ônibus pra buscar a peça que falta lá em Juazeiro.  A chave está aqui com a gente. Então vocês entram no caminhão e ficam esperando lá dentro. Quando virem as meninotas chegando, façam o...

Parte 2:  ...façam o seguinte: acendam a luz da cabine e liguem o rádio, assim elas vão ver que tem freguês no posto. Sabe como é, aqui é um lugar pequeno, não tem muito movimento e tem noites que não pernoita nenhum motorista por aqui. Quando tem freguês, elas caem matando, vocês vão ver.

– E ocê faiz isso por nóis, é? Abre a porta do caminhão pra gente?

– Claro, meu camarada, porque não ajudar quem precisa? Aí, se um de vocêS quiser deixar uma cervejinha, muito que bem. Mas não precisa, se não tiver. Eu faço a coisa do mesmo jeito. E... Olhe, lá vêm elas! Olhem lá, bem na direção daquela placa acesa, estão vendo? Duas meninas, justo o que você precisam, uma pra cada um. Deixa eu correr no escritório e pegar a chave, você já se encaminhem prO caminhão. Rápido!

   Momentos depois os dois irmãos já estavam na cabine do veículo. Osmar tinha alguma noção de painel de automóvel, procurou ansioso pelo botão de luz no caminhão e acabou dando com ele, depois de várias tentativas mal sucedidas. Esqueceram de ligar o rádio, estavam tensos os dois.

   Coisa de dois minutos se passaram e viram duas meninas muito novas se aproximando. Bastião avaliou as idades: uma aparentava uns quatorze anos. A outra era muito mais jovem ainda: Ritinha?

   Os dois homens ficaram estáticos, observando as moças que agora chegavam junto ao caminhão. A mais velha, mais experiente, escalou os degraus externos e bateu no vidro da porta de Osmar, que estava ainda fechado:

– TIO, ME QUEIRA POR FAVOR, ESTOU COM FOME!... Vamos nós dois? Eu faço gostoso, você vai ver.

   Osmar encarou a mocinha. Era de fato muito linda, o viço de sua pouca idade acendeu um fogaréu no homem. O corpinho era bem feito, a menina já era bem formada, tinha carnes, tinha os peitos bem salientes, empinados. Ela era alta, delgada, elegante, tinha uma carinha de indiazinha linda, os cabelos negros e bem compridos. E OLHOS VERDES! Um tesão! Na hora Osmar esqueceu seu propósito e passou a pensar com os bagos, ficou cego de desejo:

– E onde é qui a gente vai? E quanto custa?

    A mocinha saltou ao chão com um sorriso de felicidade e disse:

– Venha comigo, é aqui mesmo, tem os quartinhos dos fundos, atrás da borracharia. É ali que a gente se vira. O quarto custa dez reais, e eu cobro só cinco. Mas se o moço não quiser o quarto, a gente faz aqui no caminhão mesmo, mas aí tem que ser uma de cada vez, juntas nós temos vergonha.

   Osmar, excitadíssimo, pulou da cabine e já se atracou com a garota, tratando de beijá-la e de passar as mãos por todo o corpo dela.

– Aqui não, seu moço. Vamos pro quarto, é logo ali atrás.

– Bastião, ocê ispere pela Rita. Eu num posso agora!...

   Bastião ainda estava olhando, admirado, a rápida mudança de planos do irmão, quando ouviu as batidas no vidro de sua porta. Uma vozinha delicada, algo hesitante, falou:

– Moço, me queira, por favor. Por favor...

   Bastião voltou-se para fora e viu aquele palminho de rosto bonito, sutil, delicado, com marcas evidentes de equimoses, amarronzadas pelo tempo. Havia um marca feia, como uma cicatriz, no pescoço. Uma criança assustada, uma criança com olhos súplices, uma criança perdida. Era Ritinha, sem dúvida.

   Baixou o vidro e ficou mais um tempo a encarar a menina, que estacou sem saber o que fazer ou falar. Era evidente que não tinha experiência nenhuma de vida, de putaria...

– Ritinha? – foi a pergunta de Bastião, meio sem jeito.

– Sim. O senhor já soube de mim? Veio por minha causa também, como os outros?

– É, vim atrais di ocê. Que bom qui le encontrei.

– Olhe, moço. Eu também cobro só cinco reais e, como a minha colega já foi com o seu amigo para o quarto, a gente pode ficar aqui mesmo na cabine, poupa o seu dinheiro.

   Bastião resolveu esticar um pouco aquele assunto, queria saber até onde a menina iria:

– E ocê faiz o que? – e viu que a menina destrancava a porta e entrava para a cabine. Ela respondeu, já sentada no banco:

– Olhe moço, não vou lhe mentir. Se o senhor veio atrás de mim é porque já conhece a minha história. Então vai entender que eu não posso fazer tudo o que as outras fazem, não posso ainda, o senhor compreende?

– Não sei si intendi dereito. Num pode o que?

– Moço, aquele maldito que está na cadeia agora me machucou demais, é isso. Então eu não posso... dar, entende? Tem que fazer só por fora e eu uso as mãos, pode ser?

   Bastião provocou:

– Ah, mas assim num tem graça! Cumo é qui ocê qué cobrá o mesmo qui sua amiga, qui faiz di um tudo, cum certeza?

– Então o moço me dá menos. Mas, por favor, me queira assim mesmo. A gente tem passado muita fome, sabe. Tá muito difícil ter cliente no posto e não quero homem aqui da cidade, não.

– Ara! E por causa di que?

– Ah, moço, eu tenho vergonha sabe. É tudo gente conhecida da minha família, é muito pior pra mim. E também tem esse problema meu, que eu estou muito machucada lá. A médica do posto de saúde que me atendeu me avisou para não ter nada por um bom tempo. Então está muito difícil começar nesta profissão, sabe? O pior é que os homens vêm aqui atrás de mim, vêm os da cidade, que estão sabendo do meu caso, acho isso um horror. Aí eu me escondo. Só vou com gente de fora, como o senhor. Mas aí, quando eu digo que não posso fazer, a maior parte não aceita. Querem de um tudo e eu não posso. E nem sei direito ainda...

– Pois fique sussegada, qui eu vô le dá o dinhero assim mesmo. Ocê disse que tem passado fome?

– Muita, seu moço. Se não fosse por essa minha colega, que pode ganhar mais do que eu, acho que eu já tinha morrido. Ela compra comida pra ela e pra mim, é um anjo que Deus botou no meu caminho, teve dó da minha desgraça. Me levou para morar no quartinho que ela paga. E ela fica me ensinando tudo o que eu devo fazer com os homens, sabe? Ela entende de um tudo, está há mais de dois anos na profissão. Só que eu ainda não posso, é difícil.

– Pois toca a cumê, intão! Vamo lá na lanchonete qui eu le pago o jantá.

– Não dá, moço. Eles não deixam a gente entrar lá e sentar para comer. A gente pode comprar a comida, mas tem entrar pelos fundos, pela cozinha.

– Ué, mas por causa di que? – quis saber Bastião, admirado.

– Porque a gente é puta e a gerente nova é crente. Antes puta podia entrar, mas agora ela não deixa, disse para o dono que era a gente ou ela. Ele preferiu ela, é claro! A lanchonete é grande, é restaurante também e vem muitos clientes da cidade. Aí eles não querem puta misturada com gente decente, é o que disseram para nós ainda ontem, mais uma vez.

  Bastião se queimou de vez com aquela história: Mas já não bastava tudo o que aquela criança tinha sofrido, ainda tinham que fazer mais essa maldade com ela?! Estendeu o braço sobre a menina, abriu a porta do lado do passageiro e falou:

– Pois desça qui nóis vai cumê do bom e do milhó qui tivé nessa joça! Desça qui nóis vai intra junto e ocê vai sentá do meu lado. I ai di quem si atreva a querê buli com ocê! – e empurrou com cuidado Ritinha para fora da cabine.

   A menina desceu assustada, tinha pavor enorme de discussão e de brigas e estava traumatisadís-sima com a surra que levara de João Boto. Ficou com medo de entrar, do que iria acontecer, da...
CONTINUA 
(RITINHA é o capítulo 3 do livro A ESPERA E A NOIVINHA - Milton Maciel - IDEL - SP)

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