O CERCO – 38 Novela histórica
MILTON MACIEL
Resumo do cap. 37 – Kyna convence o general romano
Flávio Aécio a não combater os gépides. Ao mesmo tempo, manda Hilduara ao campo
dos inimigos, para conversar com o rei dos gépides, Ardaric, que a conhece muito
bem. Vinda da fortaleza e andando escondida, a moça ostrogoda chega ao
acampamento fortificado vestida de homem huno, conseguindo assim atingir
facilmente à tenda onde Ardaric se prepara para comandar seus homens. Ela então
o convence a não lutar contra os romanos e a deixar o campo de batalha com os
seus. E lhe revela que agora está a serviço da grande Deusa dos celtas, sendo
aprendiz de sacerdotisa.
DESDOBRAMENTOS DE UMA BATALHA (Novo mapa abaixo)
Ardaric, rei dos
Gépides, teve uma rápida conferência com os seus comandantes de divisão.
Contou-lhes como os hunos haviam tramado para que eles, caindo sob ataque dos
francos ripuarianos, fizessem esses inimigos, até então ocultos na floresta,
ter que revelar todo o efetivo de seus guerreiros.
Isso havia
custado aos gépides 20% de seu exército. Quando os comandantes se convenceram
que o rei estava falando a verdade, foram todos unânimes em concordar que,
tendo sido traídos pelos hunos, não deviam mais a eles lealdade alguma. Ardaric
os informou que os romanos também estavam mobilizados para um acordo tácito,
facilitado pela sumo-sacerdotisa celta. Eles não atacariam os gépides, se estes
não os atacassem antes.
Então decidiram
todos, por unanimidade, que avançariam lentamente em direção aos romanos e
depois, no momento certo, voltar-se-iam para a esquerda e chegariam rapidamente
à Via Agripa, por onde, tomando o rumo sul, abandonariam as planícies
catalaúnicas. Dessa forma deixariam de ser aliados dos hunos e dos ostrogodos
e, automaticamente, estariam celebrando um acordo tácito de paz com romanos,
visigodos, alanos, francos e burgúndios.
Os comandantes
não deram essa informação de imediato a seus soldados. Colocaram todos em
posição de batalha e, quando os hunos e ostrogodos avançaram celeremente em
direção a seus respectivos inimigos, alanos e visigodos, os comandantes gépides
e o rei Ardaric comandaram um avanço estranhamente lento, de que os soldados
não conseguiam entender a razão.
Avançaram assim cerca
de quinze minutos, observando que os romanos vinham para eles andando exatamente
no mesmo ritmo muito lento. Estranharam também que o contingente romano fosse
minúsculo, formado apenas por umas poucas centúrias. O grosso do exército havia
ficado parado na retaguarda.
Quando os dois
exércitos estavam a menos de cento e vinte metros um do outro, Ardaric fez um
aceno de mão para o chefe romano mais adiantado. Este retribuiu o gesto, como
se fizesse uma saudação amistosa. Nesse momento, Ardaric ordenou a paralisação
de suas tropas e o centurião romano fez a mesma coisa do outro lado.
Então Ardaric
deitou uma rápida fala para grupo que lhe estava próximo e cada comandante de
regimento fez a mesma coisa com os seus comandados. Minutos depois todo o
exército gépide prorrompia num só grito de exultação: estavam livres da guerra,
não tinham mais que enfrentar o mais terrível de todos os inimigos, a legião
romana! Voltariam ilesos para casa.
Era evidente que
os romanos haviam aceito o acordo facilitado pela sacerdotisa celta, porque o
ridículo contingente que estava ali estacionado, a pouco mais de cem metros
deles, não tinha sequer cinco manípulos, não chegava a inteirar nem mesmo uma
cohorte, era um pífia fração de uma legião romana. Podiam, portanto, voltar-se
para a estrada e abandonar o campo de batalha tranquilamente. Os malditos hunos
que se arranjassem sem eles!
E foi o que
Ardaric ordenou a todos que fizessem. Voltaram-se para a esquerda, e começaram
a avançar, desta vez em marcha aceleradissima, em direção à Via Agripa. O rei
fez um último aceno de mão para o centurião romano e este, retribuindo-o,
comandou o imediato retorno de sua tropa para a retaguarda.
Enquanto
cortavam o campo da planície catalaúnica perpendicularmente à estrada, os
gépides puderam apreciar de longe a grande aglomeração dos hunos que avançavam rápidos
em direção aos alanos. Viram que estes haviam fugido para o sul e os hunos os
perseguiam agora. E viram quando a legião romana em massa saiu no encalço
deles, colhendo-os pela retaguarda e pelo flanco direito. De fato, sem ter que
se ocupar com os gépides, os romanos estavam inteiramente livres para se
dedicarem à guerra aos hunos.
Átila acabava de
ser colhido entre as garras de uma tenaz! Os gépides viram que não haveria
forma alguma através da qual os hunos pudesse se safar do torniquete que essa
tenaz estabelecia sobre eles. Átila estava derrotado! E, consequentemente,
incapaz de qualquer represália contra os gépides que o haviam abandonado em
plena batalha.
Um pouco mais
perto da estrada, viram o outro entrevero maciço, o dos ostrogodos, que haviam
avançado contra os visigodos. Estes os haviam praticamente esperado, tendo
avançado muito menos no campo.
Foi a coisa mais
fácil para os milhares de gépides passarem praticamente despercebidos, longe
ainda das retaguardas dos grupos engalfinhados em combate. E neles, mesmo que
alguém chegasse a vislumbrar aquela estranha marcha de milhares de homens pela
planície e pala estrada, nada poderia fazer, uma vez que, naquele momento,
única coisa que importava era lutar pela própria pele.
Para Ardaric e
seus gépides, a guerra tinha terminado. Trotando em seu cavalo ao longo da
grande estrada, em direção ao sul, já tendo deixado ao longe o grande campo de
batalha, o rei dos gépides tinha o coração cheio e alegria e de gratidão.
Alegria por ter podido, milagrosamente, salvar todos os seus homens de um
destino atroz nas mãos dos romanos. Milhares dos seus retornariam a seus lares,
suas famílias, seus trabalhos. Gratidão infinita àquelas duas mulheres
abençoadas, responsáveis pelo milagre: a sumo-sacerdotisa Kyna e sua aprendiz,
a futura sacerdotisa Hilduara.
Com a retirada
dos gépides, o exército romano ficou literalmente “sobrando”, com o que foi
fácil desbaratar completamente as forças dos hunos. Dois grandes campos de
batalha se formaram na planície naquela tarde:
1 – HUNOS contra todos: alanos, romanos, francos
ripuarianos, burgúndios e alguns visigodos
2 – OSTROGODOS contra visigodos e francos
salianos – os da cidadela, chefiados por Meroveu e Armosic.
CONTINUA: A Morte Não Poupa os Francos. Os Visigodos Perdem Seu Rei.
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