MILTON MACIEL
Final da parte 5:
– Iracema. Eu
já lhe falei, mas acho que você ainda estava muito grogue da anestesia que a
doutora lhe deu. Mas todos me chamam de Gabi. Olhe, deixa eu lhe dizer, ou
melhor, prevenir: eu sou quenga, entendeu? Puta. Não é bom para você ser vista
com gente como eu. Por isso, assim que você ficar melhor, eu vou sumir daqui e
da sua vida, fique tranqüila. Mas enquanto você não estiver bem, eu não
pretendo arredar pé deste quarto aqui. A doutora não só deixou, mas até me
pediu para passar esta noite aqui, cuidando de você. Mas depois, ela lhe dando
alta, eu vou sumir, tá?
Fazendo um enorme esforço, Ritinha balançou
a cabeça para os lados, querendo dizer que não. Mais uma vez forçou-se a falar:
– Não...
vá... por ... fav... – e adormeceu de
novo.
PARTE 6
Só despertou no dia seguinte, de tarde.
Abriu os olhos procurando por Gabi. Ela continuava ali, sentada na cama, com
carinha de sono e cansaço. Segurava o braço de Ritinha, procurando lhe dar uma
posição mais confortável para aliviar a área ofendida pela agulha por onde a
garota recebia soro continuamente. Gabi a recebeu com um sorriso exultante:
– Bem vinda,
amiga. De volta à vida!
– Iracema...
– balbuciou Ritinha – Você está aqui! Obrigada...
– Eu não
falei que ficava? E tenho boas notícias. A doutora disse que fez você dormir
com sedativos, fez você apagar para se recuperar e não pensar em nada. Você está
dormindo faz um dia.
– Um dia?!
Puxa, mas... Ai!
– Calma,
menina, não tente se virar assim. Deixe que eu ajudo. Aposto que você quer
fazer xixi, não é?
– É. Mas e a
dor? Será que vai doer muito? Estou com medo...
– Espere aí
que eu vou buscar a doutora. Ela me pediu para ir correndo atrás dela, assim
que você acordasse. Mas, antes, deixe eu dizer uma coisa: você vai comigo,
quando puder sair daqui. Eu fiquei sabendo de toda a sua história esta manhã.
Não se fala outra coisa por aqui. Sei que você não tem para onde ir. Pois então
vai comigo. Eu tenho um quartinho pequeno, a gente se ajeita por lá.
Dias depois, quando Ritinha teve alta, Gabi
a levou consigo para o seu pequeno quarto com banheiro, alugado nos fundos de
uma casa de comércio, já à beira da rodovia. Como Ritinha não podia andar toda
aquela distância, do Posto de Saúde até o quarto de Gabi, esta acertou uma
corrida de táxi com um motorista. Quando chegaram, Gabi abriu a porta e ajudou
a amiga a entrar. Pediu que sentasse na cama de casal, a única no aposento, e
aguardasse um pouco, enquanto ela ia pagar a corrida. Ritinha lamentou-se:
– Puxa,
Iracema, você vai gastar o seu dinheiro por minha causa, essa corrida deve ser
tão cara!...
– Não,
bobinha. Até que ficou barata, eu já vou dar um jeito. Fique tranqüila que eu
não demoro.
Demorou uns dez minutos, no entanto. Voltou
com cara de contrariada:
– Ô velho
difícil de gozar! Pensei que eu ia ter que ficar pagando a tarde inteira.
– Gozar?! Que
dizer que você... Você teve que dar pra ele? Lá no táxi? Que horror!
– Dar coisa
nenhuma, bobinha. Foi um outro negócio que eu fiz nele..
– Um o que?
– É, você ainda não
sabe nada, mesmo. Mas vai aprender, eu explico tudo para você, pode deixar. É uma coisa que a gente faz no homem com a boca, outra hora eu explico.
Agora vamos ver como a gente faz para se acomodar as duas na cama. E vamos ver
alguma roupa para você.
– Ai,
Iracema, eu não tenho nada, fugi com a roupa do corpo e ela estava toda rasgada
e suja.
– E eu não
sei? Eu mesma botei tudo no lixo, lá no posto. Eu não queria que você tivesse
que ver uma só daquelas peças, iam ser uma péssima lembrança para você. Então
eu saí pelo Posto de Saúde e pelas lojas do centro e pedi roupas para você. Mas
foi a doutora quem mais ajudou. Trouxe esta sandália bonita e roupas que eram
da filha dela, diz que regula com você em tamanho. As sandálias
ela comprou. E eu consegui o que está nessa sacola, olha aqui!
– Meu Deus,
Iracema! Quanta roupa! Você é demais! Obrigada.
– Ah, os
filhos de uma égua não queriam dar, não. Mas algumas lojas acabaram colaborando.
E estas peças melhores aqui – estas mais caras – bem, adivinhe como eu
consegui? Dou um doce!
– Não vá me
dizer que... você teve que dar também?
– Adivinhou!
Fui para dentro do provador com o dono da loja, ajoelhei e paguei o preço.
CONTINUA
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