MILTON MACIEL
Final da parte 7 - Mas, para facilitar para todos nós, peça a seu mano para não voltar em dia de segunda ou de terça-feira, que é quando o delegado fica por aqui. Em qualquer outro dia, Seu Bastião pode contar com a minha colaboração e a minha discrição. Assim é mais fácil.
– Pois o sargento é que divia di sê o delegado daqui.
– Mas eu sou, na prática. O doutorzinho moço deixa tudo nas minhas mãos, mesmo quando está aqui. Só que eu não tenho o diploma, sabe como é.
PARTE 8:
– Pois intão
tá tudo bem assim. O sargento é um home moderno, compreende as coisa.
– Claro,
claro. E Deus me livre de ter um dia qualquer problema com a sua família. Se
alguma vez algum de vocês tiver que despachar uma encomenda aqui, me procurem
antes, a gente se entende e dá um jeito de não ter que ficar, nunca, um contra
o outro.
– Pois taí,
sargento. O sinhô é um home decente! Vô falar pra painho, ele vai ficá muito do
sastisfeito cum o sargento, ora se vai.
– Pois mais
satisfeito fico eu de ter podido participar dessa missão conjunta das forças de
vocês com as nossas. Mais uma vez eu quero dizer o quanto o município vai ficar
agradecido a Dito Timbó e seus filhos. Ainda mais agora que eu fiquei sabendo
que o Zé Bode vai despachar o amaldiçoado, isso vai ser uma maravilha para nós
da polícia! Ficamos livres do pior problema que já tivemos por aqui.
– Bem, tá tudo
certo intão. Nóis já se vamo. O home ficô com um punhal, o sargento deve di tê
visto. Acha qui é perigoso pro sargento e os praça? Acha qui o home podi tentá
fazê argo pra fugi?
– Quem? O Zé
Bode? Não, não tem perigo, não. O homem é dos nossos, sabe como é? Tá ali por
pouco tempo, mais uns quatro meses e nós vamos soltar o dito cujo. O amigo deu
sorte na escolha. Eu vou deixar a arma com ele mesmo, só vou mostrar que eu
estou sabendo de tudo, do arranjo com os Timbós, tudo isso. Pode ir embora
tranqüilo, tudo vai andar do jeito que vocês querem. O amigo falou baixo para
os homens na cela não ouvirem, mas eu ouvi daqui, estava bem perto. Pode ir
seguro de que, no dia certo da volta do Bastião, vão ficar aqui seis viúvos
inconsoláveis – e sargento Elias não segurou a gargalhada.
Despedindo-se do sargento, a milícia
vingadora dos Timbós já poderia voltar para casa, com a consciência tranqüila
do dever cumprido. Mas Osmar, Bastião e Jeremias estavam preocupados também com
a menina, possível irmã deles. Queriam tirar a cisma, precisavam ver a criança.
Pegaram as informações e foram em busca dela na estrada grande de asfalto, no
posto de gasolina.
Já Dito Timbó partiu em outra direção, para uma fazenda
próxima, onde – haviam lhe garantido – Marta teria se refugiado com os outros
filhos, depois de ter sido surrada e ameaçada de morte, mais uma vez, por João
Boto.
Com menos de duas horas de trote Timbó
estava na porteira da fazenda. Indagou de Marta e lhe confirmaram que ela
estava lá, mas que estava sob a proteção do dono da terra, que se alguém
quisesse falar com ela, tinha que ser com autorização do homem.
Dito não via a hora de botar os olhos em
Marta outra vez.
MARTA
O casal de trabalhadores que atendeu Timbó
na porteira se prontificou a comunicar sua presença ao pessoal na casa grande.
Coisa de uns quinze minutos depois chegaram dois homens a cavalo, armados, com
caras de poucos amigos e interpelaram o visitante:
– Que qui ocê
qué cum Marta, seu cabra? É di parte di João Boto? Si fô, pode vortá daí mesmo,
qui o patrão num le dá permissão di entrá.
Dito Timbó tirou o chapéu e falou tranqüilo:
– Diga a seu
patrão qui é da parte di mim mesmo, Dito Timbó.
Ao ouvirem aquilo, os dois homens tiveram um
instante de incredulidade e surpresa. Um deles tocou o animal até chegar mais
perto do visitante e então deu um puxão no freio, fazendo o cavalo quase
empinar:
– Vixe! Pois
se é Seu Dito Timbó mesmo, Zacarias! Dito Timbó em pessoa! Anda, se mexe, abre
essa portera já, seu molenga, num faz Seu Dito isperá! O senhor nos adiscurpe,
Seu Dito, nós num sabia, nunca qui ia imaginá qui Dito Timbó em pessoa ia istá
na nossa frente, em carne i osso!
– Tá certo!
Num tem pobrema. Vamo intão até donde qui tá a Marta, to pricisado di um dedo
di prosa cum ela – foi o que disse o matador, enquanto seu cavalo entrava na
fazenda.
Trotaram uns poucos minutos até a casa-sede,
com os homens se desmanchando em desculpas e elogios a Dito Timbó, que gostou
da prosa dos dois. Ao chegarem, Timbó reconheceu Marta de longe, sentada nos
degraus da pequena escada de acesso à varanda, passando um pente nos cabelos de
uma menina já crescida, sentada ao lado dela. A mulher encarou os três cavaleiros,
arregalou os olhos e deixou cair o pente, com um grito:
– Dito!!!
Benza Deus, você veio, homem! Deus é pai, você veio valer sua filha!
– Tardes,
Marta. Mecê segue uma mulé bunita como só. Qué dizê qui essa minina qui o
safado buliu cum ela é mesmo minha fia? Posso acreditá nisso?
– Ah, pode
sim, Dito. Tanto é sua menina que eu nunca lhe incomodei por causa dela. Nunca
lhe falei e nunca, nunquinha, quis saber de lhe pedir algo pra coitadinha.
Quando você se foi e eu descobri que estava de barriga, eu quis ter a criança
pra ficar com uma lembrança de você, uma lembrança boa na minha vida infeliz.
Aí, quando nasceu e eu vi que era mulher, aí mesmo é que nem quis mandar lhe
dizer nada, pois todos sabem que Dito Timbó não dá bola pra filha mulher. Mas
agora, com a desgraça que aconteceu com a coitadinha, eu tive que lhe pedir
socorro, você é mesmo o pai e só o pai ou irmão mais velho é que pode punir o
agressor.
– E mecê
quer qui eu dê um corretivo no home qui fez isso?
– Foi como lhe
escrevi. Você é que é o pai e a ela não tem mais ninguém no mundo que possa
defender a coitadinha. Sabe, o homem que fez isso é muito ruim e muito perigoso.
– Pois si é
um tar di João Boto, não é? I esse era o marido qui ocê tinha agora, não é?
CONTINUA
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