MILTON MACIEL
Final
da parte 2
Bastião se queimou de vez com aquela
história. Mas já não bastava tudo o que aquela criança tinha sofrido, ainda
tinham que fazer mais essa maldade com ela?! Estendeu o braço sobre a menina,
abriu a porta do lado do passageiro e falou:
– Pois desça qui nóis vai
cumê do bom e do milhó qui tivé nessa joça! Desça qui nóis vai intrá junto e
ocê vai sentá do meu lado. I ai di quem si atreva a querê buli com ocê! – e
empurrou com cuidado Ritinha para fora da cabine.
A menina desceu assustada, tinha pavor
enorme de discussão e de brigas e estava traumatisadíssima com a surra que
levara de João Boto. Ficou com medo de entrar, do que iria acontecer, da...
PARTE 3
... da humilhação que iria passar mais uma vez. E mais medo ainda,
quando pensou no dia seguinte, quando aquele moço forte não estaria mais por
ali para lhe dar garantia. Mas Bastião já havia descido e, tomando-a pelo
braço, a carregou com firmeza até à entrada da lanchonete. Ritinha entrou
tremendo, de olhos baixos, mas a fome era tão grande que ela faria qualquer
coisa para poder botar algo na boca.
A gerente estava na porta e
fez um sinal ao segurança, o qual falou com voz autoritária:
– Quenga não entra!
– I ocê tá vendo sua mãe querendo entrá, seu cabra safado? Podi sê
qui a quenga di sua mãe num entre, mais minha irmãzinha aqui pode entrá sim! Eu
só quero vê quem é macho di querê impidi!
O segurança olhou para a
gerente, desconcertado. Esta, por sua vez, também estava atônita. Mas falou logo,
com arrogância:
– Que sua irmã, que nada! Deixe disso, homem. Isso é uma
vagabundinha que apareceu por aqui, pra fazer a vida no posto, uma
sem-vergonha. Aqui ela não entra, isto é casa de respeito, não é lugar para uma
nojenta que nem essa...
Paaaft!!!
Bastião mandou um tremendo
tapa na cara da mulher, que rodopiou duas vezes no ar antes de se estatelar em cima
de um sofá de espera, apavorada com a reação do homem.
O segurança fez menção de
puxar a arma, mas Bastião imobilizou seu braço com um aperto de mão que mais
parecia uma tenaz de aço. Mantendo o braço do homem seguro, enquanto este gemia
de dor, o irmão de Ritinha falou:
– Num tente fazê isso, sinão le tomo a arma e ocê é um cabra morto.
Pensando bem, é milhó eu fica cum ela por inquanto. Na saída le adivolvo. Vá
qui ocê num mi iscuta e resorve fazê bobage. Na certa ocê é pai di família, num
quero le disgraçá.
O homem, assustadíssimo,
fez com a cabeça que sim. Adiantou-se a abrir o coldre da arma, que era meio
complicado, e deixou que Bastião pegasse o revólver. Guardando-o na cintura, o
pistoleiro deu dois passos adiante e, com um safanão, ergueu a gerente pelo
braço.
– I ocê, sua merda, vai serví a gente di garçonete, intendeu? Vai
trazê i levá os prato di Ritinha. E vai si adiscurpá, vai pidí perdão e vai
falá muito mansa cum ela. Sinão termino di le arrevirá os corno e dexo essa sua
cara mais feia do que já é. Vô tê o maió gosto di le fazê um monte di cicatriz
na cara cum a pexera, ah si vô! Vamo mulé, se avie, si mexa, vá levá a gente
pra milhó mesa dessa joça e é pra já! – e foi empurrando a gerente casa
adentro.
Os fregueses, entre
assustados e divertidos com a cena, ao verem aquela mulher arrogante e
antipática humilhada, ficaram sem ação. Os funcionários adoraram a situação:
sentiam a alma lavada, havia justiça neste mundo, Senhor!
– Venha minha irmã, vamo sentá i cumê – falou Bastião, levando a
menina pela mão até à mesa indicada pela gerente apavorada.
Sentaram-se. Bastião fez
com um dedo sinal para que a gerente ficasse em pé junto à mesa, à disposição.
Um solícito garçom, todo sorridente, trouxe o cardápio, mas foi logo avisando:
– Seu Bastião, aqui está o menu, mas pro senhor eu recomendo o
melhor da casa: nossa buchada de bode está de tinir, uma maravilha. E olhe que
está prontinha, quentinha, não carece esperar nada. Se o senhor me autoriza,
trago pra vocês num minutinho.
– Tá, eu le agradeço e le pergunto: ocê mi conhece? Di donde?
– Pois se até tirei foto com o senhor e seu irmão Jeremias,
apertando a mão de seu pai, lá em frente ao hospital de Dr. Epaminondas.
– Ah, intão é isso! Me adiscurpe si não mi alembro, foi tanta gente
e tantos dia.
Quando o garçom falou
aquilo, os fregueses nas mesas próximas começaram a se levantar de seus lugares
e a cercar a mesa de Ritinha e Bastião.
– É mesmo, gente! Olhem só, é um dos homens que justiçaram João
Boto.
– Sim, é ele mesmo. É um dos filhos de Dito Timbó. Um herói!
– Que presepada que vocês aprontaram com o João Boto, hein!
Aí foi a vez de atentarem
em Ritinha:
– Então essa é a menina?! Pobrezinha!
– Tão criancinha!... Que desgraçado, ainda bem que cortaram os
colhões dele.
– Pois num é? Tinha coisa mais merecida, mais bem feita?
– Pois se tinha! Pois se não levaram ele de noivinha pra casar na
delegacia?
– Poxa, olhando essa criança de perto, chega a doer na alma.
– E veja só: eu vi e ouvi tudo, essa nojenta aqui destratando a
coitadinha, chamando de puta e de tudo que é coisa ruim. Pois vou lhe dizer:
enquanto essa coisa ruim for gerente desta casa, eu não boto mais meus pés
aqui!
– Pois você tem toda a razão, compadre. Eu também vou fazer o mesmo.
Aliás, acho que vou proibir todos os nossos funcionários de virem almoçar aqui
enquanto essa tipa emproada estiver empesteando este restaurante. Por isso é
que esta coisa está entrando em decadência. Também , com um diabo feio desses
dando as cartas!
Para completar o azar da
gerente, não bastasse o tapa, o susto e as frases iradas dos fregueses, nesse
momento vinha entrando o dono do estabelecimento. Alguém tinha corrido a
avisá-lo do acontecido, sua casa era bem próxima. O patrão, que era um homem
prático, não hesitou um segundo, não ia perder mais clientes por causa daquela
coroa mal-amada, azeda, sempre em pé de guerra com cozinheiras, garçons, auxiliares,
até com fregueses ela conseguia implicar. Estava na hora. Errar é humano. Sabia
reconhecer o erro: fizera a escolha errada! Aproximou-se da mesa que virara o
epicentro das atenções, reconheceu Ritinha, reconheceu Bastião, celebridade
instantânea, junto com seus irmãos e o pai, não se falava outra coisa na cidade
próxima. Dirigiu-se à gerente, com voz áspera:
– Dona Matilde, eu ouvi tudo o que esses fregueses estavam falando.
Vou lhe dizer uma coisa, curta e grossa. Uma vez a senhora me disse bem assim,
se referindo a esta mocinha aqui e suas colegas: ou elas ou eu. Pois lhe digo que na hora eu fui um besta, eu fiz a
escolha errada, fiquei com a senhora. Pois agora eu estou corrigindo meu erro.
Fico com as moças, como sempre foi antes. Dona Matilde, vá catar suas coisas,
ponha-se daqui pra fora, estou lhe despedindo por justa causa!
A gerente engoliu o choro,
era orgulhosa demais para dar esse gosto àquela cambada de idiotas, patrão e
funcionários, uns arrematados imbecis. Mas, antes de sair, compreendendo o
perigo que corria, agora que estava sabendo quem era aquele homem, um filho do
terrível Dito Timbó, resolveu limpar sua barra com o homem. Ao mesmo, tempo
caiu a outra ficha: aquela menina a quem havia destratado seguidas vezes era
então, ela também, filha de Dito Timbó!
Céus, estava encalacrada!
Corria risco de vida, aqueles bandidos desalmados podiam acabar com ela em dois
tempos. Precisava fazer algo agora. Amanhã correria à delegacia. Ia dar parte
do homem que a agredira e pedir proteção ao sargento Elias. O sargento saberia
dar o justo castigo àquele agressor! Mas agora precisava engolir o orgulho e
tratar de salvar a pele. Perdeu o resto da pose e caiu de joelhos em frente a
Ritinha. Implorou perdão. Disse que aquilo não era coisa sua, era um demônio
que às vezes a ‘atentava’, que iria pedir ajuda ao pastor.
A
menina estava em estado de choque. Tudo aquilo havia acontecido de uma maneira
tão rápida que a deixara tonta. Então aquele rapaz que a estava defendendo era
filho de Dito Timbó?! Ela ficara sabendo que este homem, famoso e respeitado
matador, havia justiçado João Boto e que o desgraçado estava na cadeia,
devidamente capado, servindo de repasto aos outros presos. CONTINUA
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