MILTON MACIEL
(últimos capítulos)
Resumo do cap. 38 – Os gépides, até então aliados dos
hunos, encarregados de dar combate aos romanos, abandonam o campo de batalha,
após um acordo tácito com eles, promovido pela sumo-sacerdotisa Kyna e sua
aprendiz, a ostrogoda Hilduara. Com a retirada dos gépides, os romanos caem em
massa sobre a retaguarda dos hunos, que
até então procuravam alcançar os alanos, aparentemente em fuga. Átila e seus homens
são colhidos entre vários inimigos e suas forças se esfacelam, com milhares de
perdas. Aos hunos só resta agora tentar bater em retirada para sua linha
fortificada. Enquanto isso, os godos guerreiam entre si, ostrogodos contra
visigodos.
OSTROGODOS EM
COMBATE
Quando os hunos
avançaram na sua grande carga contra os alanos, os ostrogodos partiram também,
celeremente, buscando o combate com os visigodos do rei Teodorico I. Estes
optaram por um avançO mais lento, preferindo esperar os adversários em sua
própria área de preparação. Um pequeno destacamento foi deixado para trás, para
agir como isca para os hunos, que avançavam já em caça aos alanos fugitivos.
Essa isca
funcionou perfeitamente, porque Átila, subestimando o potencial de resistência
dos alanos, resolveu mandar um contingente para agredir esses visigodos
retardatários. Já sabemos que a manobre funcionou a contento para os aliados,
pois esse contingente huno, atacado pelas costas pelos romanos, foi
inteiramente dizimado.
Quando os
ostrogodos se aproximaram da linha de encontro das duas facções, Torismundo, o
filho mais velho de Teodorico, liderando um grupo de apenas 800 homens,
procurou tomar a parte mais alta da única colina existente na planície. Seguiu-se
um ferrenho combate, com muitas perdas de lado a lado, mas Torismundo foi vencedor.
A seu lado, uma jovem de beleza e força incomuns cavalgava, em roupas de guerra:
a sacerdotisa Vérica.
Os demais
visigodos avançaram então em grande velocidade contra os ostrogodos. O choque
de armas, escudos e homens foi uma coisa indescritível, tão ensurdecedor o
barulho que objetos em choque e homens gritando produziram. Na longa batalha
que se seguiu, até o fim do dia e a chegada da noite, grandes atos heróicos
foram praticados de parte a parte.
O comandante em
chefe dos ostrogodos era Walamir, um guerreiro de impressionante força física e
tido como invencível por seus homens. Dois de seus irmãos também faziam parte
de seu exército, Theodemir e Widimer. E o homem de confiança de
Widimer era o ostrogodo Andag, que haveria de ter uma participação muito
importante na batalha.
Inicialmente Walamir e seus homens se
impuseram aos de Teodorico, fazendo-os recuar bastante. Mas os visigodos da
retaguarda, que haviam ficado para atrair os hunos, vieram juntar-se aos que
faziam a rápida manobra de recuo. Com o reforço, os visigodos tornaram a
avançar e a opor uma resistência maior aos comandados de Walamir. E, nesse
momento, a divisão de romanos que havia derrotado o contingente huno que
atacara os visigodos, veio somar-se também aos visigodos de Teodorico.
A partir daí, Walamir foi sendo obrigado a
recuar, mas fazendo esforços extremos para não dar mais território ao inimigo.
Por mais de uma hora as forças se estabilizaram em equilíbrio, combatendo
ferozmente e impondo-se terríveis baixas mutuamente. As divisões sob comando de
Theodemir e Widimer começaram de novo a levar discreta vantagem, enquanto a de
Walamir ia sendo aos poucos empurrada para trás.
Depois de duas horas de combate, quando já
as forças hunas batiam em retirada desorganizadamente, em busca de sua linha de
reforço à beira do rio, a batalha entre ostrogodos e visigodos continuava
indefinida, sem vencedor.
Foi somente nesse momento que o rei dos
visigodos, Teodorico, lançou mão de sua reserva estratégica: os homens que
estavam com Torismundo, seu filho, no topo da colina. Essa tropa desceu em
direção ao norte e, fazendo uma rápida curva, investiu contra a retaguarda dos
ostrogodos, pegando-os de surpresa. Como não havia como saber quantos eram os
novos visigodos que chegavam para o combate, os líderes ostrogodos decidiram-se
por reforçar grandemente sua retaguarda, retirando contingentes valiosos da
fronteira sul do combate, onde se desenrolava o grosso da batalha.
E, nessa hora, surgiram também em campo,
contornando a colina, os francos salianos de Meroveu, comandados por ele e
conduzidos sob a experiente liderança de seu general Armosic. Eram, ao todo,
pouco mais de 500 homens de infantaria, toda a força de que o rei Meroveu
sempre dispusera em Châlons.
Com a chegada dos francos e o concomitante
ataque à retaguarda dos ostrogodos, os chefes destes se viram obrigados a
transferir ainda mais homens para o setor norte que estava sendo atacado. Isso,
evidentemente, debilitou ainda mais a linha de frente e os visigodos de
Teodorico puderam outra vez avançar com grande poder de destruição. Teodorico
em pessoa comandava seus homens e os levou
a cair como um flagelo sobre as linha de frente agora mais debilitadas
de Walamir.
Observando o que se passava, Widimer veio em
socorro de seu irmão mais velho, salvando a vida dele quando um lanceiro
visigodo já tinha conseguido arrojá-lo ao chão e se preparava para trespassá-lo
com sua lança. À distância, Widimer conseguiu acertar o lanceiro inimigo com
uma flecha fatal.
Nesse instante, com a aceleração do avanço
dos visigodos, a cavalaria entrou em ação, pois estivera até então à espera da
hora certa de atacar. Avançaram os cavaleiros a grande velocidade, abrindo-se
uma clareira entre seus colegas de infantaria, para que os cavaleiros
avançassem e colhessem a infantaria ostrogoda de surpresa.
O rei Teodorico, sobre seu cavalo, comandava
seus homens de infantaria até então. Ele voltou-se para ver o avanço daquela
que era a melhor fração do exército visigodo, sua famosa cavalaria. Ergueu-se o
mais que conseguiu sobre a sela e fez um sinal para os cavaleiros, chamando-os
para que avançassem na direção em que ele, o rei, se encontrava. Foi seu último
gesto. Muito perto dele, o ostrogodo Andag, que protegia seu chefe Widimer, teve
sua atenção chamada para aquele homem que usava uma armadura extremamente vistosa
e concluiu que era um visigodo importante, da nobreza. Esgueirou-se entre
homens que se matavam mutuamente e, ao chegar a uma distância que lhe garantia
um arremesso seguro, atirou na direção do cavaleiro a sua lança de campanha.
A lança atingiu o rei Teodorico I dos
visigodos exatamente na cabeça, sendo a ponta aparada pelo elmo metálico. Mas a
força do arremesso era muito grande, o rei desequilibrou-se na sela e tombou ao
solo, caindo desacordado sobre um monte de cadáveres de visigodos, previamente
abatidos, quando do primeiro avanço dos ostrogodos.
Menos de dois minutos depois, atendendo ao
aceno do rei, um grande contingente de cavaleiros visigodos atingiu exatamente
aquele ponto, onde os cavalos, para avançar a galope, só o podiam fazer
pisoteando os cadáveres no chão. Um dos corpos tombados, no entanto, era o de
um homem vivo, apenas desmaiado pela força do golpe de lança que recebera no
elmo.
Era o rei Teodorico. Seus próprios
cavaleiros mataram-no, pisoteando-o com seus cavalos dezenas de vezes. E só o
elmo, firmemente preso a sua cabeça, preservou seu rosto do esmagamento a que o
resto do corpo foi submetido. E só isso permitiu que seu cadáver pudesse ser
reconhecido horas depois. Mas isso só foi possível no dia seguinte. Nesta tarde
da grande batalha, começada por decisão de Átila às três horas somente, o sol
já começava a descambar para o poente e a desordem era simplesmente total.
Quando os francos chegaram à retaguarda dos
ostrogodos, foram os homens liderados por Theodemir que vieram recebê-los para
o combate corpo a corpo. Na primeira hora tombaram sem vida mais da metade
daqueles homens de Meroveu que haviam escapado tão facilmente do mal-sucedido
cerco à fortaleza. Um número equivalente de ostrogodos também perdeu a vida.
O general Armosic, vendo que a situação era
desesperadora e que, em mais algum tempo, todos os seus homens estariam mortos,
conseguindo identificar o líder dos ostrogodos, tratou de lhe dar combate
pessoalmente. Foi lutando com sua espada e seu escudo e procurando aproximar-se
de Theodomir. Quando o conseguiu, viu o homem tombar, com o ombro trespassado
por uma flecha. Esse estava fora de combate, menos mal! Um líder que tomba
deixa seus comandados em grande confusão.
Mas
então Armosic reconheceu aquela flecha. Era enorme, era gigante, era o mesmo
tipo de flecha que já o fizera tremer de medo. Era uma flecha de Vérica!
Armosic, tomando todos os cuidados de quem
está no meio de uma batalha de infantaria, conseguiu olhar para todos os lados.
Não conseguiu avistar a sacerdotisa. Onde estaria ela, se era certo que ela não
viera com Meroveu e ele e que havia ficado com os homens de Torismundo. E estes
estavam agora todos envolvidos no mesmo combate de infantaria com os ostrogodos,
ali mesmo. Então lembrou-se de olhar
para o topo da colina.
E lá estava ela, com sua armadura, sua ruiva
cabeleira sobrando por todos os lados ao elmo prateado, seu arco-gigante já
retesado em suas mãos, prontos para o próximo disparo. E então o general se
lembrou de uma frase que lhe parecera enigmática ou apenas simbólica, que
Hilduara lhe havia falado naquela manhã, antes da batalha:
– Vá tranquilo, meu amor. Na hora do perigo
maior, para você e para o rei Meroveu, um anjo estará cuidando de vocês lá do
alto, um anjo com o brilho do sol.
E agora, enquanto procurava por uma posição
de menor risco para poder voltar a observar a sacerdotisa jovem, subitamente a
atenção de Armosic foi chamada por uma cintilação que piscou do alto da colina:
Era a luz do sol poente refletindo-se no capacete e na armadura de Vérica. Sim, era ela! Ela
era o anjo que estava cuidando deles lá do alto. Não do céu, como ele
imaginara, mas do alto da colina. Todos tinham descido, mas ela tinha ficado
lá, com seu arco e suas flechas gigantes, capazes de atingir alvos a distâncias
inacreditáveis.
O general conseguiu penetrar no meio de um
grupo de soldados seus, ficando assim numa condição mais segura para observar
Vérica. À sua frente, o rei Meroveu combatia, ainda montado. Viu quando um
ostrogodo aproximou-se pelas costas do rei montado e aprontou-se para
arremessar sua lança. Não chegou a fazer mais nada. No momento seguinte, uma
flecha gigantesca entrou e saiu do seu corpo, ignorando sua armadura e indo
cravar-se no peito de outro ostrogodo. Os dois tombaram sem vida.
Lá do alto, o anjo da Deusa continuava a
vigiar. Tranqüila, os olhos vivazes a seguir o rei dos francos para o bem dos
francos e a seguir o general dos francos para o bem de sua amiga Hilduara. Tranquilo,
Armosic esqueceu o combate e ficou a olhar para aquela figura impressionante.
Aquela seria a sua futura rainha, aquela menina que nem mesmo era franca, seria
a responsável pela união de todos os francos e a criação de uma grande nação
moderna. Seria impossível acreditar em tal coisa, não viesse a notícia através
da grande Kyna. E não estivesse ele vendo agora, com seus próprios olhos, como
aquela quase criança brilhava intensamente ao sol ponte. Um anjo com o brilho do sol!
Num dado instante, Vérica voltou-se para o
lado esquerdo e acenou para alguém, várias vezes, entusiasticamente. O general
pediu ajuda para alguns de seus homens e subiu nos ombros deles. E conseguiu
avistar um tropel de cavaleiros visigodos que avançava a toda velocidade em
direção ao acampamento huno. À frente deles, inconfundível, aquela a quem outros
hunos haviam chamado de “o cavaleiro do inferno.” Alana e seus 200 cavaleiros
visigodos avançavam!
CONTINUA
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