Honi soit qui mal y pense
MILTON MACIEL (Contos Eróticos)
Sabe, amigo, eu
era um executivo de finanças, assessor de diretoria, considerado o mais jovem e
mais promissor da multinacional em que trabalhava. Pois veja você, meu caro,
como uma brilhante carreira pode ser destruída em coisa de minutos, sem que
você tenha a menor culpa de nada. Deixe que eu lhe conte com calma, enquanto a
gente pede mais uma rodada de absinto ao garçom.
Pois bem, na
noite daquele dia fatídico haveria uma festa na empresa. E, durante essa festa,
meu diretor iria fazer o anúncio de qual de seus assessores seria o escolhido
para a grande promoção. Seria eu, ele já me havia confidenciado. Tinha total
confiança em mim.
Além do mais,
minha esposa se fizera amiga da esposa dele. Então, na tarde daquele dia, as
duas resolveram ir juntas ao Shopping Morumbi, procurar sei eu que raio de
complementos e adereços para usarem à noite.
Eu fui escalado
para acompanhá-las, a pedido do meu chefe, que me deu a tarde livre. Ele
queria, também, que eu relaxasse e me preparasse para o meu grande triunfo
daquela noite. Então fomos para o Shopping, minha esposa e eu, e lá nos
encontramos com a esposa do diretor. Mas ela não estava sozinha, Junto com ela,
estava sua filha de dezessete anos, belíssima adolescente que, assim que me
viu, tratou de deixar bem claro que iria atormentar minha vida.
Como? Já lhe
digo, camarada. Vai mais uma? Pra mim também. Como me atormentar? Bem a garota
me lançava olhares devoradores, sorrisos marotos, ia para trás das outras duas
para fazer gestos com a boca, passando a língua entre os lábios. Eu não sabia o
que fazer, comecei a entrar em pânico.
Veja bem: minha
mulher tem o ciúme doentio de dez Otelos, o gênio furibundo de Mike Tyson, a
menina era menor de idade e, para piorar, era filha do meu chefe. É claro que
eu não ia querer nada com ela, por mais tentadora que fosse aquela boca
carnuda, aquele rosto perfeito, aquele corpo enlouquecedor. A sacana sabia que
era irresistível, estava era tirando uma com a minha cara, foi o que eu logo percebi.
Tentei me manter
distante, mas minha mulher exigia minha presença, pois tem a mania de me
mostrar cada coisa que escolhe e de pedir sempre a minha opinião. Pois a safada
da menina começou a fazer o mesmo. E a coisa ficou preta – literalmente preta,
você já vai ver – quando elas foram todas para os provadores de uma loja de
roupas.
Pois a garota
esperou que as outras duas entrassem em seus respectivos provadores e aí, de
uma arara bem próxima, retirou algumas calcinhas, tanguinhas minúsculas e veio
me mostrar. Eu tremi na base quando ela me perguntou, na maior cara de pau, com
qual delas eu gostaria que ela estivesse no nosso primeiro encontro. Fiquei
mudo, estático, de olhos arregalados, sem saber o que falar.
Nesse momento
exato, a mãe dela abriu a cortina do provador. A menina, muito esperta e ágil,
virou de frente para a mãe, levou a mão com uma tanguinha preta rapidamente
para trás do corpo e a arremessou, ainda mais para trás.
Só que nesse ainda mais para trás estava eu, meu
chapa. A calcinha veio aterrissar diretamente no meu rosto. Acho que não teria
tido maior problema se eu não fosse um indivíduo de reações muito lentas. Mas,
infelizmente, eu o sou
.
.
O que tem isso?
Ah, camarada, você não sabe o quanto eu desejei sempre ser um indivíduo de
respostas rápidas. Pois o raio da calcinha preta deixou tudo escuro na minha
frente e eu levei um tempo enorme para entender o que estava acontecendo,
demorei para levar as duas mãos à face e começar a afastar aquele estranho
objeto que me envolvia o rosto. Lembro de ter levado um tempo a mais, aspirando
o cheiro bom de tecido novo, nunca usado, daquela peça de roupa.
Pois foi
exatamente nessa hora que minha mulher tinha que abrir a cortina do provador
dela. E aí deu de cara comigo, com uma calcinha preta no rosto, segurando-a ali
com as duas mãos, com uma gesticulação de quem está aspirando um perfume. Quando
minha visão foi restaurada, escapando ao nylon preto, dei de cara com a
expressão furibunda da minha esposa.
Ah, companheiro,
aquela ali não se controla. Vi que ela ia aprontar o maior escândalo, como de
hábito. E aí ia ser o fim para a minha carreira, imagine a esposa do chefe
contando tudo para ele. Não tive dúvida, dei meia volta e saí dali quase
correndo. Por um espelho de coluna vi que minha mulher tinha ficado parada no
mesmo lugar – eu tinha ganhado uma sobrevida. Curta, somente até encontrá-la de
novo.
É, você está certo,
foi isso mesmo, eu precisava me esconder, não tinha outro jeito. Assim dava
tempo para ela, ao menos, perceber que não podia armar um barraco em plena
loja, junto à esposa do meu chefe e à sua filhinha.
Filhinha! Pois
sim, uma capeta escolada é o que era aquela menina. O fato é que eu consegui me
escafeder por entre prateleiras e colunas e – ó, visão salvadora – um bendito
conjunto de provadores na ala de roupas masculinas. Pois foi ali mesmo, no
primeiro deles, que eu me enrusti, fechando a cortina. Aí abri uma frestinha e
fiquei espiando a loja. Minha mulher e a esposa do chefe passaram duas vezes
por ali. Na segunda, eu tive certeza que à minha procura.
Pois é, amigo, pois
é, você tem razão. Que situação! As duas sumiram do meu campo de visão, mas outra
mulher se aproximou do meu esconderijo. Era ela, camarada. Ela!
Ela tinha
conseguido me seguir pela loja, veja só. Pois a danada abriu e fechou rapidamente
a cortina do provador, jogando-se para dentro dele, com dois sutiãs na mão. E
aí, rindo o tempo todo para mim, tirou a blusa, o sutiã que usava e, com
aqueles dois monumentos de fora, teve a cara dura de perguntar qual dos dois
sutiãs que ela tinha numa das mãos eu ia querer na nossa primeira noite. E fez
isso posicionando-se de uma tal forma que não me permitia sair do provador.
E eu, você
pergunta? Ah, eu em pânico total, meu amigo. Total! Meus hormônios me faziam
querer partir pra cima daquela deusa, meus neurônios me avisando do risco, do
ilógico, do absurdo daquela situação. E os neurônios predominaram. Você pode
não acreditar, mas eu, em cinco anos de casado, nunca traí minha mulher. E,
logicamente, não haveria de ser ali, naquela hora, dentro daquele provador que
eu ia começar. Até porque, você sabe, trair e coçar é só começar.
Então, com minha
lentidão habitual, fiquei procurando as melhores palavras para convencer aquela
maluca a me deixar em paz, botar o sutiã e a blusa e se mandar dali. Pensei em
pedir para que me deixasse em paz, que tivesse só um pouquinho de juízo. Mas eu
estava tremendo e gaguejava demais. Mesmo assim falei, de forma entrecortada,
mas bem alto:
– Por favor... Me deixa... Deixa... Só um
pouquinho...
Falei alto
demais, companheiro! Minha mulher e a mulher do chefe vinham passando, minha
voz foi reconhecida, a cortina do provador puxada com violência e...
– Marcelo!!! Desgraçado! Tarado! Ah, eu te
mato, infeliz. E começou a bater ali mesmo.
A mulher do chefe
nem me olhou, encarava a filha com olhos de reprovação e horror:
– Helena!!! Sua
vaquinha, sua ninfo! Só pode ter sido você, não é?
Pois a Heleninha
nem se perturbou. Vestiu-se calmamente, calmamente ficou a olhar a cena magnífica
da perseguição que minha mulher, enlouquecida, empreendia no meu encalço,
jogando tudo o que ela pudesse apanhar pela loja, em cima de mim. Roupas,
frascos de perfume, relógios, sapatos, até um manequim. Imagine, meu chapa,
imagine só o vexame, o quebra-quebra. E todo mundo, é claro, a dar razão para
ela.
Quando enfim eu
consegui chegar à porta de saída da loja, a esposa do chefe já estava conseguindo
conter a fera furiosa, usando toda a sua força muscular. Mas, é claro, não
conseguiu conter a gritaria, o berreiro infernal, a chuva de palavrões mais
variegada que aquele Shopping conheceu até hoje.
Bom, foi assim,
camarada. A minha carreira acabou naquela tarde. Nada de festa, nada de
nomeação para mim. Tudo acabado. Imagine só, eu dando escândalo sexual,
atracado com uma menor de idade, que eu tinha acabado de conhecer, ainda por
cima filha do meu chefe, no provador de uma loja, conseguindo que ela já
tivesse tirado o sutiã e pedindo para ela deixar, deixar só um pouquinho. Cara,
eu estava acabado.
A última coisa
que eu lembro, daquele inferno de Dante, foi que, quando eu ia transpor a porta
de saída, uma gerente velhusca me encarou com nojo e falou:
– Sim senhor! Que
vergonha! Como se explica...
Não a deixei
concluir. Do fundo da minha desgraça, do alto da minha total inocência, do
alvor da minha pureza, emergiu um brado terrível, colérico, que deixou todo
mundo imóvel e assustado. Olhei para todos com raiva e desprezo e gritei, muito
alto e em bom francês, algo que brotou do fundo do meu cérebro, do meu
inconsciente, talvez:
Honi soit
qui mal y pense!!!
E fui embora para nunca mais.
Ah, o que isso
significa? Você não entende? Ora, também ninguém naquela loja entendeu. Quer
dizer, eu acho que a esposa do meu chefe sabia o que eu estava dizendo, pois eu
a vi sacudir a cabeça concordando, enquanto dava um beliscão fenomenal em sua
filha, que soltou um berro de dor. Nesse momento minha mulher se aproximou por
trás dela e desferiu-lhe um sonoro tapa na cara. E, enquanto as duas embolavam
no chão a puxar-se os cabelos e a gastar estoques inteiros de xingamentos, com
todo mundo – menos a mãe da garota, que olhava tudo com um sorriso, veja só –
tentando a apartar a briga, eu tomei calmamente um elevador, paguei o
estacionamento e, pegando meu carro, comecei minha viagem sem rumo para o
interior de São Paulo. E hoje estou aqui com você, neste bar da sua
cidadezinha.
Ah, sim ia
esquecendo. “Honi soit qui mal y pense”
quer dizer mais ou menos o seguinte: “Maldito
seja quem pensar mal disso!” Ou: “Vergonha para quem pensar mal disso”.
Afinal, camarada,
eu era completamente inocente, eu era a única virgem pura ali. Ou, se eu não
era a única, certamente a Heleninha é que não era outra.
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