sexta-feira, 5 de abril de 2013

A NOIVINHA - 2
MILTON MACIEL
(2a. parte do cap 2 de "A ESPERA E A NOIVINHA" - Milton Maciel  - IDEl, SP

final da primeira parte (postada ontem, 4/4):

– Ela iscreveu qui o diabo debochô dela e di painho. Disse qui era mintira dela, mas, qui si fosse verdade, ele é qui não ia tê medo dum cabra véio qui nem Dito Timbó. Óia só qui disabusado, painho: chamo mecê di véio!

– Pois olhe, meu fio. Eu também num acredito muito nesse causo di sê minha fia essa Ritinha. Mas, si é verdade qui esse cabra falô essa bestera, intão ele cavô a sepultura dele cum a língua. Toca imbora isclarecê isso tudo. Deixa eu arreiá o cavalo i é pra já!

– Pois mano Osmar já deu jeito di falá com mano Jeremias e eles tá vindo aí pelo caminho, devem di tá chegando. Todos nós qué pidi pra painho deixá a gente i junto também. Não qui painho pricise da gente pra dispachá um bunda-mole desses. Mas é qui nós qué sabê si a minina é mesmo nossa irmã. Si for, mecê sabe, é obrigação di todos os macho da famia participá do corretivo no sem-vergonha do discabaçadô da criança.

Parte 2:
Dito Timbó respondeu, feliz:

– Bom, si eles já tá vindo mesmo... Bem qui vai sê divertido a gente viajá junto esses dias, até chegá no lugar ondi tá o mequetrefe. Mecê sabe bem qui lugar é esse? Ainda é lá pras banda di Barbalha? Ou será qui a tar di Marta si mudô pra otras banda mais distante?

– Pois ainda é em Barbalha, sim sinhô. Não na cidade, mai num vilarejo antes di nóis chegá nela, é até mais perto.

   Dito Timbó acelerou os preparativos para a vigem, trancou a porta da casa e terminou de arrear o cavalo. Evidentemente, a viagem seria, como quase sempre, em lombo de animal. Embora tivesse ganho e juntado dinheiro para ter mais de um automóvel se quisesse, Dito Timbó era um homem às antigas – detestava automóvel. Havia começado sua vida profissional no lombo de um cavalo. Então seria assim até morrer.

   Os três filhos, mais orgulhosos que nunca do pai famoso, copiaram logo também esse sua mania. Se painho não gostava de automóvel, eles também não gostavam e ponto final. Assim, quando, duas horas depois, Jeremias e Osmar chegaram à casa de Timbó, obviamente vinham montados a cavalo. E assim, após cumprimentarem o pai e virarem uma rodada de pinga com rapadura, montaram os quatro e partiram a bom trote, com a finalidade de pernoitar numa fazenda de um dos muitos compadres de Dito Timbó, a seis horas de cavalgada dali.

   De lá, na madrugada do dia seguinte, retomaram a cavalgada rumo ao vilarejo antes de Barbalha. Chegaram ao cair da tarde. Timbó passou ao largo com Bastião e foram os dois procurar um lugar para passar a noite acampados. Os outros dois, Jeremias e Osmar, entraram na cidadezinha para assuntar. De boteco em boteco, chegaram a um onde o assunto da roda de cachaça não era outro senão o descabaçamento da menina Ritinha. 

Ali, assuntando como quem não quer nada, ficaram sabendo de muitos detalhes sobre o acontecido. Primeiro, que o nome do desgraçante da menina era João Boto. E que era Boto porque inventava que era como o boto do Amazonas, lá no Norte, onde tinha vivido por um tempo: ele era um conquistador de donzelas. Encantava as moças e elas vinham se entregar a ele. Vivia se gabando de suas muitas aventuras. A última, que ele não parava de trombetear, era a conquista dos três vinténs de sua enteada, a menina Ritinha. Ao ouvir isso Jeremias, que era mais cabeça quente, já queria partir no encalço do indivíduo. Mas Osmar, que era o gênio da família, tinha outros planos. Convenceu o mano mais velho a se acalmar. Precisavam saber mais, muito mais. E, também, tinha que achar o tal do médico, para que os tais planos pudessem dar certo. Tivera um enorme trabalho para convencer o pai a deixá-lo fazer as coisas do seu jeito e não na grosseria.

   Osmar tinha concebido uma idéia muito original e, para colocá-la em ação, precisaria de um médico cirurgião. Perguntando, ficou sabendo que havia um tal de Dr. Epaminondas, no pequeno hospital local de doze leitos apenas, que fazia cirurgias delicadas e difíceis. Inteirou-se que seu horário de trabalho ia até sete da noite, normalmente. Satisfeito com a informação, e vendo que ainda era relativamente cedo, cinco da tarde, Osmar continuou sua investigação, procurando saber mais sobre a menina e sobre João Boto.

– A menina? Emputeceu, seu moço! Pois que havia de fazer? Assim que o padrasto lhe comeu os tampos à força – diz que judiou muito da bichinha, que fez de tudo que é jeito, entende? Que lhe deu uma surra muito grande, porque ela não queria se abrir de jeito nenhum. Depois que fez o serviço, ele deu uma surra na mãe dela também, porque ela teve coragem de reclamar quando ficou sabendo. Só que, antes disso, ele apavorou a criança, dizendo que ia matar a menina e a mãe dela, se ela contasse o que tinha acontecido e se ousasse se negar a ele outras vezes, todas as vezes que ele quisesse.

   Jeremias começou a ver tudo vermelho, a mão procurou instintivamente a peixeira. Mas Osmar lhe fez sinal para se aquietar e continuou a assuntar:

– I como é que mecê tá sabendo disso tudo?

– Pois se não é o próprio João Boto que conta todo dia isso, pra quem quiser ouvir? Tá interessado, moço? Pois é só ficar por aqui mais uns minutinhos que logo, logo ele aparece por aqui pra tomar umas e outras e se fazer de valente.

– E ele é valente mesmo? – entusiasmou-se Jeremias.

– Com a gente, ele é sim. Sabe como é, ele tem mais de uma morte nas costas, anda sempre com um punhal, que jura que usou para isso. Já bateu em muita gente desta vila e vive sempre procurando encrenca. Nas primeiras doses de cachaça, já começa a provocar a gente pra briga. É claro que ninguém aqui tem coragem de se meter com ele. Mesmo quando ele se mete com as mulheres dos outros, o que ele vive fazendo. Se não respeitou nem a própria enteada, que é uma criança, imagina se vai respeitar filha dos outros ou mulher casada! O pessoal aqui tem muito medo dele, mas também ninguém gosta dele, não.

– I por causa di que ocês não se reuniu nunca pra dá um jeito no disinfeliz? – a pergunta foi feita por Osmar.

– Porque ninguém tem coragem de ser o líder, compreende. Como eu disse, aqui todo mundo tem medo dele.

– E num tem polícia? – o sangue de Jeremias fervia cada vez que ele falava esse nome.

– Tem um delegado novinho, muito rapaz, não sabe? É da capital, só fica aqui um par de dias e some, deixa tudo na mão do sargento Elias. E ninguém, nunca, teve coragem de dar parte do homem, entende? Quem vai ter ousadia de fazer isso? Pois se nem mesmo a mãe da Ritinha teve...

– E o que é da minina? – perguntou Jeremias.

– Como lhe disse, emputeceu. Com medo de João Boto, ela fugiu de casa, só com a roupa do corpo, ainda manchada de sangue, dava dó. Aí não tinha pra onde ir, sentiu medo, depois veio a fome, o povo todo sabendo do sucedido. Bem, poucos dias depois já estava no posto de gasolina, lá na estrada, fazendo a vida com caminhoneiros. É uma coisa dura de se dizer, seu moço, mas ninguém tem coragem de ajudar, por medo de João Boto, que avisou para ninguém se meter com a menina. E olhe, falando no diabo, apontam os chifres: aí tá o homem chegando.

   Os dois Timbó se voltaram e encararam o homem de meia idade, estatura mediana, mas compleição forte. Viram que ele estava armado de peixeira e punhal. Ao passar pelos forasteiros, dirigiu a eles um olhar ameaçador. Foi a deixa para Jeremias, que já não se agüentava mais:

– Tá mi olhando com esses óio feio por que qué namorá comigo, minha frô?

– O que qui ocê disse, cabra safado?! Qué morrê, abestado? Intão num sabe com quem tá falando?

– Sei sim! Com um chibungo, um frufru, um covarde qui só tem corage pra bate em mulé.

  Foi o maior alvoroço! Havia uns quinze homens presentes no bar e ninguém entendeu o que estava acontecendo, nem mesmo João Boto. Afinal, quem era aquele doido, capaz de provocar o maior arruaceiro da cidade, com crimes de morte nas costas, temido e odiado por quase todos? Aquele forasteiro tinha provocado a própria morte, só podia ser um lunático, com certeza.

  João Boto tinha agora que defender seu prestígio. O imbecil o havia desacatado na maior cara dura, estava na hora de lhe dar um corretivo completo, furar o infeliz todo na peixeira, arrancar-lhe as orelhas com o punhal. O sangue de João Boto estava mais do que fervendo, quando ele empunhou punhal e peixeira, um em cada mão, e gritou:

– Pois agora ocê vai morrê, seu besta! – E já ia pulando em cima do adversário, quando notou, pela primeira vez, a presença do outro estranho, Osmar. Este havia levantado da cadeira, colocando
CONTINUA

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