terça-feira, 23 de abril de 2013


RITINHA  
MILTON  MACIEL  
Capítulo 3 de
A ESPERA E A NOIVINHA  
Milton Maciel – IDEL – SP.

Hoje continuo a apresentar o trabalho que, até hoje, foi o que mais me falou ao coração.  Por isso faço questão de compartilhá-lo com todos aqueles que não compraram ou não comprarem meu livro. Apesar dos que vieram antes e depois dele, dentre os meus próprios, ele é o meu livro favorito. Considero-o minha obra-prima.

Já mostrei o que aconteceu com o homem que estuprou Ritinha, de 10 anos apenas, no capítulo A NOIVINHA. Agora temos à frente a saga desta criança incrivelmente corajosa, que, na sua desgraça, jogada à rua, encontra amor e proteção na pessoa de uma outra criança, Gabi/Iracema, que aos 14 anos, já é prostituta há mais de dois, tendo sido escrava sexual em um garimpo no Pará desde os doze.

 A história está ambientada junto a Barbalha, Missão Velha e Juazeiro de Norte, no Ceará, região que percorri dando consultoria para engenhos de açúcar, nos anos em que fui Presidente da Associação de Agricultura Orgânica e Secretário de Agricultura em Alagoas, vivendo-os então na belíssima Maceió. Foi quando conheci de perto a dramática história das meninas prostituídas à força e a saga dos pistoleiros de aluguel. Combino-os todos em três livros meus: Este, A Espera e a Noivinha; Lolita de Aracaju, a Mais Jovem Dona de Bordel do Mundo; e Lolita de Aracaju e o Padre, Um Amor de Redenção, este ainda inédito, em fase de editoração.

Ritinha é filha de Marta com Dito Timbó, o mais famoso matador de aluguel do Ceará. Machista e preconceituoso ao extremo, Dito abandona as filhas mulheres que vai gerando, nos inúmeros casos que tem pelo Nordeste todo. Vem castigar o estuprador da criança apenas por uma questão de orgulho e tradição, porque não acredita que ela possa ser sua filha. Seus três filhos mais velhos, que o idolatram e são também pistoleiros, acompanham o pai nessa empreitada de punição ao agressor João Boto, por eles convertido na Noivinha.

Nesta série para blog, alguns termos mais cruentos do livro são omitidos ou trocados. Cenas de sexo realistas são também omitidas ou “suavizadas”, como a cena do estupro. Tudo em respeito à impossibilidade que temos, no blog, de discernir quem é nosso público leitor. Não se trata de autocensura, mas de deixar o texto acessível a um público maior, inclusive falsos(as) moralistas e crianças de mais precoce gosto pela leitura. Mas advirto que, mesmo com essas pequenas tesouradas, o texto ainda é muito “forte” e apimentado. E, acima de tudo, realístico. Não coloquei açúcar na sua água. Não o recomendo, portanto, para as Polyanas de plantão. Não serve também para crentes fanáticos religiosos, de mentalidade retrógrada. Não o abram, porque o satanás obscurantista que vive dentro de seus corações endurecidos e de suas mentes bitoladas, vai saltar nas páginas do livro e parecer, por mero reflexo, que é delas que se origina.

RITINHA
Enquanto Dito timbó se entendia com Marta e Manuela, seus três filhos – Osmar, Bastião e Jeremias – procuravam entrar em contato com Ritinha. Bastião era o mais interessado. Estava encantado com a idéia de ter uma irmã criança e, ao mesmo tempo, extremamente penalizado com o que havia acontecido com ela. Osmar também ficara sensibilizado com a situação da menina e manifestava que, ainda que chegassem à conclusão que ela não era irmã deles, deviam fazer alguma coisa por ela. Tirá-la da estrada era o mínimo que deviam fazer.

Já Jeremias era mais conservador. Irmão mais velho, era o que mais se assemelhava NA forma de pensar ao pai. Para ele, assim como para Dito Timbó, o caso de Ritinha era um caso perdido. Já lhe haviam comido os tampos, portanto não era mais donzela. Ora, menina nova que não é mais donzela, não pode dar em coisa que preste. Não importa que ela tenha sido descabaçada à força, resistindo e apanhando do agressor. O que importa é que o cabaço não tem mais existência. Então, o que ia impedir essa menina de andar depois por aí, se deitando com os meninos da idade dela? Ou dando para rapazes e homens mais velhos? Nada! O resultado é que ia arranjar barriga em seguida. Além do mais, mulher comida acaba tomando gosto pela coisa e aí vai querer mais e mais. Acaba virando uma desavergonhada, uma qualquer, uma mulher fácil que qualquer um leva pra cama. Daí a se tornar puta é só mais um passinho.

No caso de Ritinha, raciocinava Jeremias, nem tinha sido preciso esperar tempo algum. Nem bem o homem tinha lhe feito o serviço, a desavergonhada já estava pelas estradas vendendo o xibiu e o rabo. Tá se vendo que não prestava mesmo. Se não fosse o padrasto, algum outro ia logo enfiar nela e fazer dela mais uma mulher arrombada. Essa aí não tinha mais jeito, painho Dito é que tinha razão. Já tinha escolhido ser puta e, se já estava na putaria há vários dias, é porque queria; devia gostar, a sem-vergonha. Jeremias sacudia a cabeça, achava uma besteira o que queriam fazer aqueles seus irmãos mais moços, uns sentimentais sem cabeça, sem juízo.

  Pois então painho já não tinha falado o que pensava sobre a menina? Que era mesmo um caso perdido e que ele, Dito Timbó, mesmo que lhe provassem com documento e exame de laboratório, desses que estavam na moda agora, que a menina era filha dele no duro, ele é que não ia querer saber de uma filha puta. Se ela escolheu esse caminho, azar dela. Pois que seguisse agora por ele. Ninguém tinha obrigado, foi para a sem-vergonhice por que quis – esse era o pensar do velho Timbó. Jeremias assinava em cruz, rezava pelo mesmo catecismo do pai.

   Mas aqueles meninos, seus irmãos mais moços, eram uns sonhadores sem juízo. Onde já se viu não seguir a idéia de painho? Por que perderem tempo atrás da putinha? Só se eles estavam querendo era outra coisa. Como a menina dificilmente seria mesmo irmã deles, vai ver que o que atiçava a curiosidade dos dois era mesmo a vontade de comer a tal Ritinha. Ainda mais que o povo falava que ela era por demais bonita, uma formosura de rosto e com um corpinho que já tinha a bunda empinada e as pernas grossas, só faltava mesmo era crescerem os peitos.

   Pensando assim, Jeremias ficou mais tranqüilo. Mas que danados, aqueles irmãos seus! Pois tá na cara que só podia ser isso, por isso é que estavam querendo achar a tal da menina. Queriam era comer a bonitinha, era isso! E ele se preocupando à toa, com medo que os desmiolados fossem fazer coisa que desagradasse o velho, algo impensável para ele, Jeremias. Para este filho mais velho, era Deus no céu e Dito Timbó na Terra. No íntimo era até Dito Timbó no céu e Dito Timbó na Terra, isso sim! Palavra de painho não só era uma ordem, mas era algo de sagrado. Na sua simplicidade rústica, Jeremias endeusava o pai completamente.

   Contente com sua conclusão a respeito do interesse daqueles dois malandros pela mocinha, Jeremias resolveu não acompanhar mais os irmãos. Ia ser perda de tempo demais. Primeiro um, depois o outro, iam se meter em algum quarto com a putinha e sabe-se lá quanto tempo iam levar cada um. Ele é que não ia ficar horas esperando feito besta. Despediu-se dos irmãos e embarafustou-se no bar do posto de gasolina, tão logo chegaram a ele. Foi para os fundos, onde corria um carteado solto, diz que aposta alta, coisa de mais de cinco reais. Taí, Jeremias gostava de um carteado, quem sabe não era hoje o seu dia de sorte? Avisou aos manos que ia ficar por ali no jogo e eles partiram em busca de informações sobre a garota.

   Com certeza Jeremias ficaria decepcionado e, de novo, preocu-pado, se soubesse que na cabeça de seus irmãos não passara jamais a idéia de procurar a menina como mulher da vida.  Ambos tinham a genuína intenção de encontrar a criança e ajudá-la do jeito que fosse possível. Para Osmar, podia ser sua irmã e por isso ele devia ajudar. Para Bastião, mais sentimental ainda, era só uma criança de dez anos, abusada e machucada por um boçal, que já tinha recebido o castigo merecido, mas era só por isso que ele devia ajudá-la. Se fosse sua irmã, tanto melhor. Se não fosse, não era por isso que Bastião ia deixar de lhe estender a mão. Não é porque ele era bandido matador que não tinha dó dos outros.

   Pois se algumas vezes chegava a sentir dó de sua futura vítima!
Mais de uma vez enjeitara encomenda por causa disso, não estava convencido de que o encomendado merecia morrer; De uma certa feita, até tinha devolvido o adiantamento do pagamento. O contratante ficou furioso e desacatou Bastião por causa disso, na frente de um monte de gente. Bastião atirou o dinheiro nas fuças do homem e deu-lhe uns bons tabefes na cara. Depois, por segurança, esperou o desgramado atrás do muro do cemitério e o despachou ali mesmo, com um único disparo no peito. Aproveitou o lugar e jogou o corpo do homem para dentro, por cima do muro, que não era lá muito alto: Vai, coisa ruim, agora tu já pode, tu já é um deles! Depois desse rápido episódio de somenos importância, Bastião nunca mais teve dificuldade com seus cancelamentos de contratos verbais.

   Mas este caso da menina Ritinha era coisa muito séria. Bastião havia pensado muito, durante os dias em que esperavam que a ferida de João Boto cicatrizasse. Ouvira a opinião do pai e, pela primeira vez, apanhou-se discordando do velho. Ficou muito chateado com isso e foi desabafar com mano Osmar. Para sua surpresa, também o irmão mais moço pensava como ele. Osmar era um porreta de um homem inteligente, estudado, sabia até ler um pouco. Pois Osmar disse para Bastião que o pai deles era um homem de certa idade, não que fosse velho, mas era de outro tempo. As coisas agora eram diferentes, os homens tinham que seguir seu próprio tempo.

   Bastião ficou tremendamente impressionado com essa frase. Não se cansava de repeti-la mentalmente. Ele, Bastião, era um homem moderno, devia seguir o seu tempo, era isso. E, pelo que conseguira entender dessa coisa de seguir o seu tempo, isso parecia que era pensar diferente de painho!

   E, desta vez, Bastião pensava diferente mesmo. Sua opinião era uma, a do pai era outra. Não achava certo abandonar uma criança de dez anos na rua e na prostituição, depois de ter passado por tudo o que ela passou. Não importava, para Bastião, que a menina fosse sua irmã ou não. Importava que era uma grande injustiça o que tinha acontecido com ela. Ele pedira e obtivera de Dito Timbó licença para que ele e os irmãos o acompanhassem na missão de correção contra João Boto. Essa missão estava cumprida e encerrada. Mas, para Bastião, o trabalho ainda não estava completo. Uma reparação total à menina não podia envolver apenas a punição a seu estuprador. Afinal, isso fora feito muito mais como cumprimento do ritual de vingança da família ofendida. E, também, porque o homem havia ousado dizer que não temia um homem velho como Dito Timbó.

  Pois painho aceitara vir mais para castigar a ousadia do desinfeliz do que para reparar a honra da família. Era evidente que ele não havia acreditado que Ritinha fosse mesmo sua filha. Assim sendo, que honra havia para lavar?

   E se houvesse? E se Ritinha fosse mesmo uma Timbó, irmã dele e de todos os tantos filhos e filhas de Dito? Então não era mesmo pior a coisa? Não era o caso de a família se unir não só para castrar e matar o descabaçador, mas para ajudar a irmã desgraçada pelo maldito? Por que razão painho – e Jeremias também, outro jegue de teimoso – se recusavam a ajudar e, até mesmo, a conhecer a menina? Jeremias viera com eles a muito custo, mas, ao chegar ao posto de gasolina, não quis mais acompanhá-los e se meteu num jogo de carteado no bar.

    Pois ele e Osmar haviam de localizar Ritinha e falar com ela. Revelar-se-iam seus irmãos e lhe ofereceriam ajuda e proteção.   Os dois irmãos dirigiram-se então aos frentistas do posto, para pedir informação. Fizeram-se de interessados em fazer programa com prostitutas menores de idade. Osmar, espertíssimo, foi logo conversando e brincando com os homens, dizendo que estava a perigo, necessitado de mulher, mas que só gostava de cabritinha bem novinha.

   Os frentistas não se fizeram de rogados.

– Pois olhe, camarada, vocês estão com sorte. Menina menor fazendo a vida aqui é o que mais tem, afinal aqui é ponto de pernoite de caminhoneiros. Há um grupo de umas três ou quatro assim, bem novinhas. Mas tem uma coisa: elas preferem caminhoneiro, não gostam muito de fazer programa com homem daqui, se puderem vão com um forasteiro de passagem. Acho que é porque todas elas têm família aqui, menos uma que veio de fora, foi largada aqui por um caminhoneiro que prometeu mundos e fundos para ela, mas não pretendia cumprir nada, é claro. É sempre assim...

– Pois ocê disse qui nóis tá cum sorte porque tem muita minina nova, di menor, aqui, é isso?

– Não! A sorte de vocês é que agora tem uma quenguinha nova, uma que descabaçaram faz menos de um mês, é carnezinha nova, coisa bonita de se ver. Vocês precisam esperar por ela, ela sempre vem pra cá de noite. Não tarda muito e elas começam a chegar. E aí procuram pelos homens de caminhão. Se vocês querem uma sugestão, façam o seguinte. Tão vendo aquele caminhão azul ali, do Espírito Santo? Pois ele foi deixado aí pelo motorista. Está com problema mecânico mais sério e o homem pegou um ônibus para buscar a peça que falta lá em Juazeiro.  A chave está aqui com a gente. Então vocês entram no caminhão e ficam esperando lá dentro. Quando virem as meninotas chegando, façam o...
CONTINUA

2 comentários:

  1. Ola. Estoria interessante ,

    Estou companhando .

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    1. E o pior, Marcelo, é que é uma história totalmente baseada em fatos reais.

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