quinta-feira, 4 de abril de 2013


A NOIVINHA  - 1
MILTON MACIEL
A NOIVINHA – parte 1 (Como uma família de pistoleiros do Ceará vai punir o estuprador de uma menina) – Do cap. 2 do livro  A ESPERA E A NOIVINHA – Milton Maciel – IDEL, 

Cap. 2 - A NOIVINHA

   Pois para se ver como são as coisas! Quem diria que o maior matador vivo de todo o Nordeste haveria de se converter à causa de Lolita de Aracaju – a quem nem mesmo conhecia então – e seus aliados, na luta contra a prostituição infantil? Só mesmo vindo a ter uma filha envolvida com prostituição infantil é que um homem duro e frio como ele poderia mudar seu modo de ser e pensar – a conversão de Dito Timbó! Como são estranhos os caminhos da Providência...

   O ínclito pistoleiro cearense estava num bem merecido descanso, durante a entressafra das encomendas – entenda-se durante aqueles meses esquisitos que precedem as grandes guerras da política local, quando se vai definir, no dinheiro ou na bala, quem serão os futuros ganhadores das convenções partidárias, seja do governo, seja da oposição.

   Numa dessas tardes quentes do sertão, logo depois de acordar da sesta (à qual se recolhera para dormir o sono dos justos e sonhar que estava numa tocaia, seu sonho favorito, que o deixava mais do que feliz ao acordar), ouviu um tropel de cavalo se aproximando da casa. De longe reconheceu que era Bastião, aquele seu filho bom de briga que morava agora em Juazeiro do Norte. Caprichos do rapaz, que mudara para lá enrabichado por uma certa quenga. A coisa acabou dando em nada, mas o moço foi se acostumando com o lugar e resolveu ficar por lá mesmo. Mas, como seus outros irmãos, estava sempre pronto a atender ao chamado do pai, cada vez que uma missão de maior envergadura exigia que Timbó levasse um reforço de contingente.

   Dito Timbó era um caboclo bastante rústico, não tinha o costume de demonstrar sentimento por gente da família, mas por aquele filho, assim como por Jeremias e Osmar, o mais velho e o mais moço dentre os filhos homens, tinha especial apreço. A razão, evidentemente, era a escolha que todos os três haviam feito quanto à profissão que abraçaram: eram todos pistoleiros como o pai. Era evidente o orgulho que sentiam, todos eles, por aquele pai que era uma lenda viva no sertão e na caatinga. Isso, é bem certo, sentiam também todos os outros dezoito filhos de Dito Timbó, homens e mulheres. Mas somente aqueles três levaram esse orgulho às raias da adoração, a ponto de quererem, eles também, adotar por profissão o nobre mistér do afamado matador cearense. Por isso, Dito Timbó tinha evidente predileção por aqueles três filhos, machos de verdade, que não negavam o colhão roxo da raça dos Timbós.

   Dito tinha também muitas filhas mulheres, mas a essas ele normalmente ignorava. Que ficassem com as mães. Quase sempre acabava fazendo barriga em muitas das mulheres que vinham se oferecer a ele, natural conseqüência de sua fama e de sua reconhecida competência com outro tipo de arma, aquela que ele brandia na cama. Pelo que sabia, tinha pelo menos vinte e um filhos espalhados pelo Nordeste, da Bahia até o Piauí, lugares por onde andara despachando viventes encomendados por seus respectivos inimigos. Mas bem que podia ter muito mais do que isso, muitas das mulheres nunca voltavam a dar sinal de vida e nem ele as procurava depois de se fartar delas, o que acontecia em poucos dias, no máximo algumas semanas. Seja como for, tempo mais que suficiente para um macho como ele emprenhar mulher normal.

   Pois era isso mesmo que ia agora ficar patente. Bastião apeou do cavalo e se dirigiu ao pai, tomando-lhe a mão direita, que este lhe estendera para o beijo regulamentar.

– A bênça, painho! – falou o filho, inclinando-se e levando os
lábios grossos à mão trigueira.

– Deus bençoi – foi a resposta contente de Timbó – Que qui traz mecê aqui, parece isbaforido...

– Pois é uma carta, painho. Uma carta qui chegou pra painho lá in Juazero, mi intregaro ela onti. Vim pra cá cedinho hoje, passei antes no mano Osmar, mano Osmar é sabido qui nem dotor, sabe lê muito bem. Pois ele leu i eu adecorei o que ele falô pra modi recitá pra painho. Ele mi feiz repiti um montão di veiz, mi feiz jurá qui ia dizê iguarzinho pra mecê.

– Ara, pois intão vamu lá, num si avexe, disimbuche logo qui deve di sê importante. Di quem qui é a tar carta?

­– Pois é di uma tar Marta, lá das banda di Barbalha. Diz qui pegô barriga di painho, coisa di uns onze ano atrais, painho si alembra?

– Marta?... Marta... Pois acho qui mi alembro, sim. Era uma pitiça, muito da bunita, a gente fez as coisa, sim. I ela teve minino, teve?

– Não, painho. Diz qui teve minina.

– Ah, minina... Ora, isso num mi interessa muito, não...

– Mas a tar Marta iscreve qui a criança si chama Ritinha é qui ela não le procurô antes e qui nem pretendia le procurá é nunca. Num quis e nem qué nada di dinhero di painho.

– É bão mesmo, eu não ia dá é nada! Ara.

– Mas ela iscreve qui sua fia pricisa di ocê agora, qui é por causa di uma disgracera qui fizero cum a bichinha. Discabaçaro ela!

– Ai é?! Num mi diga. A minina deve di tê deiz ano intão. Quem fez o serviço nela?

– Pois diz qui foi o home di Marta, o qui veve cum ela agora, num sabe? I ela diz na carta qui avisô o home qui a fia era sua, qui si ele fizesse coisa pra ela, ela mandava contá tudo pra painho.

– E o disgramado num acreditô?

– Ela iscreveu qui o diabo debochô dela e di painho. Disse qui era mintira dela, mas, qui si fosse verdade, ele é qui não ia tê medo dum cabra véio qui nem Dito Timbó. Óia só qui disabusado, painho: chamo mecê di véio!

– Pois olhe, meu fio. Eu também num acredito muito nesse causo di sê minha fia essa Ritinha. Mas, si é verdade qui esse cabra falô essa bestera, intão ele cavô a sepultura dele cum a língua. Toca imbora isclarecê isso tudo. Deixa eu arreiá o cavalo i é pra já!

– Pois mano Osmar já deu jeito di falá com mano Jeremias e eles tá vindo aí pelo caminho, devem di tá chegando. Todos nós qué pidi pra painho deixá a gente i junto também. Não qui painho pricise da gente pra dispachá um bunda-mole desses. Mas é qui nós qué sabê si a minina é mesmo nossa irmã. Si for, mecê sabe, é obrigação di todos os macho da família participá do corretivo no sem-vergonha do discabaçadô da criança.

CONTINUA




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