MILTON MACIEL e VOCÊ
Resumo do cap.3 – em 451 AD, quando os
hunos marcham para Châlon, o jovem rei franco Meroveu conhece Kyna, a sábia,
sacerdotisa da Deusa. Ela o surpreende com sua beleza e juventude, tendo o
mesmo rosto de sua neta. Então as duas sacerdotisas lhe falam de Alana, aquela que trata de
convencer o rei dos visigodos, Teodorico I, a se aliar aos defensores da Gália.
Alana se entrega ao desejo do rei Teodorico
Enquanto, em Châlons, Kyna e Vérica
tranqüilizavam e entusiasmavam o até a pouco desesperado rei franco Meroveu, em
Orléans a jovem sacerdotisa Alana, de 29 anos, orava ante a estátua da deusa
Vesta, que, independente desse nome, para ela era apenas a Deusa, a única que de fato existia por trás de
todas as centenas de deusas do mundo. Quem tivesse, alguma vez na vida,
conhecido as sacerdotisas Kyna ou Vérica, teria certeza que estava vendo agora
uma delas. Era um fenômeno estranho, talvez único no mundo, o daquelas três
mulheres, separadas por gerações mas que
pareciam simplesmente irmãs gêmeas à primeira vista.
Alana terminou sua meditação e suas preces
e ergueu-se, aprumando o corpo esguio de formas femininas sinuosas e perfeitas.
Saindo para o pátio maior, uma jovem noviça apressou-se a lhe entregar a rédeas
de sua égua branca Almarak, perfeitamente arreada e pronta para sair. Alana suspendeu
a alva túnica de sacerdotisa, sob a qual apareceram suas calças celtas de
montaria. Colheu a rédea na mão esquerda e, com a outra, acariciou longamente o
rosto, o peito e a crina do animal, enquanto lhe falava palavras de ternura.
Pediu-lhe licença para montar sobre ela, agradeceu-lhe a generosidade e a ajuda
e, com um único salto impressionante, montou na sela em um segundo. O animal
agitou-se, relinchou satisfeito e empreendeu uma marcha de trote elegante, até
sair do prédio do templo e ganhar a estrada.
Então, sem que Alana tivesse que fazer ou
dizer qualquer coisa, a água desatou a galopar em alta velocidade. Aquilo era
uma coisa automática. Animal e amazona se conheciam tão bem, tinham uma amizade tão profunda há tantos
anos, que se entendiam como que por telepatia.
Deixando que a égua Almarak escolhesse o
caminho e como percorrê-lo, pois ela sabia muito bem onde chegar, Alana ficou
entregue ao burburinho dos seus pensamentos, sem nada notar das estradas e ruas
que a conduziriam até o pequeno palácio, onde o rei a esperava, em Orléans.
Precisava estar preparada. Hoje seria a entrega. Hoje Teodorico I poderia tomar
do seu corpo perfeito, banhado e perfumado e dele se utilizar para satisfazer
seus instintos primitivos. O velho rei estava completamente submisso, encantado
por sua beleza, enfeitiçado por sua sensualidade, louco, incontrolável de
desejo e paixão.
Tão cego de amor estava por ela, que até
lhe propusera que fosse sua nova rainha. Ele repudiaria sua esposa envelhecida,
que estava em Toulouse, a verdadeira capital do reino visigodo, enquanto
Teodorico permanecia em Orléans, promovida a capital temporária, à espera dos generais com os quais haveria de
celebrar hoje os acordos de aliança. Ou Átila ou Flávio Aécio.
Se Teodorico cumprisse sua parte no acordo,
se assinasse os documentos de aliança com o general romano, os alanos e os
burgúndios, então ele poderia tomar do seu corpo e profaná-lo do jeito que
quisesse. Mas apenas tomaria o corpo da sacerdotisa, não o da mulher. Esse ele
não poderia tê-lo jamais. Ainda a poucos minutos completara o ritual de
purificação para a prostituição sagrada. A Sacerdotisa da Deusa venderia seu
corpo ao rei dos visigodos, para que Deusa fosse glorificada e os povos da
Gália pudessem ser libertos do jugo e da ameaça mortífera de Átila e seus
guerreiros hunos.
Quando deu por si, já estava em frente ao
prédio, onde entrou rapidamente, sem ser contida pela guarda, que já a conhecia
de sobra. Sem esperar que lhe abrissem a porta do salão principal, ela mesmo a
destrancou e empurrou, entrando com seu passo decidido e impetuoso. O que viu
ali a encheu de júbilo e de desagrado ao mesmo tempo. Júbilo porque quem estava
sentado à direita de Teodorico era o general romano Flávio Aécio – e não Átila
ou um de seus generais hunos. Desagrado, porque isso significava que teria que
se deitar com o velho rei dos visigodos e cumprir sua parte do acordo também.
Paciência, ela o faria, havia comprometido sua palavra em nome da Deusa. Que o
rei confirmasse, em sua presença, o acordo com Aécio e os chefes alanos e
burgúndios também presentes. E então poderia reclamar de imediato, ou à hora
que quisesse, o corpo da Prostituta Sagrada.
Quando Teodorico a viu, seu olhos faiscaram
de desejo e luxúria. Apresentou-a rapidamente aos chefes, dizendo ser
necessária a presença de uma sacerdotisa para garantir a boa vontade dos deuses
para o acordo que celebrariam. Todos os homens, inclusive Flávio Aécio, a
devoravam com os olhos. Mas Alana manteve-se impassível, distante, envolta em
seus próprios pensamentos. Os documentos previamente redigidos receberam então
todas as assinaturas e o rei e seus convidados brindaram ao grande acerto com
seus copos cheios do melhor vinho gaulês.
Teodorico manifestava uma estranha pressa,
pedia perdão aos convidados por ter que se retirar por razões de Estado, para
começar de imediato a mobilização de suas tropas. Disse-lhes que deveriam
ficar, que lhes mandaria músicos e companhia feminina para entretê-los. E
também um lauto banquete de bebidas e comidas. E que, tão pronto se
desincumbisse de sua tarefa inadiável e urgente, viria ter com eles com a
máxima satisfação. E dispensou a sacerdotisa, dizendo-lhe que se apresentasse a
quem de direito para receber sua recompensa.
A tarefa urgente e inadiável de Teodorico
era levar Alana de imediato para sua cama. A bela sacerdotisa entendeu
perfeitamente a quem deveria se apresentar: ao rei! E, evidentemente, em seus
aposentos. Ela o fez de imediato. Subiu, foi admitida à câmara real e esperou
que o rei chegasse, o que aconteceu em menos de cinco minutos. Então a
Prostituta Sagrada deu-se ao rei, que saciou todos os seus apetites, enquanto
Alana vagava com sua mente pelas mais belas lembranças de sua infância. Quando
percebeu que o rei ressonava a seu lado, recolocou suas vestes e saiu
discretamente.
Primeiro ficou um tempo a contemplar aquele
porco que roncava satisfeito com seu repasto. Ao lado, um punhal de cabo de
ouro e pedras preciosas a convidava a fazer justiça. Mas Alana sabia que não
podia fazê-lo: ele havia cumprido sua parte do acordo, havia enfim colocado seu
exército numeroso e bem armado à disposição para a defesa da Gália. Só isso
importava. Seu sacrifício não fora em vão. Aquele líquido amaldiçoado, que
começava a escorrer de dentro dela agora, também não lhe faria qualquer mal.
Estava preparada por dentro e por fora com as infusões das ervas secretas.
Quando lançou um último olhar ao rei, veio-lhe a certeza instantânea: Por que pensara em usar aquele punhal, se
aquele era um homem morto? Viu-o claramente tombar morto do cavalo num campo de
batalha e soube que aquilo aconteceria muito em breve.
Apressou-se, saiu do palácio, saltou sobre
Almarak e partiu a galope para o Templo de Vesta. O mais importante agora era
mandar uma mensagem urgente para Kyna e Vérica, contando do resultado positivo
do seu trabalho. Isso não seria feito por mensageiros a cavalo. Iria para o
tripé e visualizaria as duas no ritual da Deusa. E elas, com toda certeza, ficariam
sabendo de imediato aquilo que ela lhes queria comunicar.
Em Châlon Novamente
Na cidadela, no dia seguinte ao encontro de
Meroveu com as duas sacerdotisas, estas se reuniram no pequeno quarto em que
viviam e onde faziam suas meditações e práticas sacerdotais. Era por volta de
três da tarde, quando sentiram que deviam montar o tripé com a água sagrada.
Algo lhes seria comunicado pela Deusa. Aspergiram suas vestes e pronunciaram as
fórmulas sagradas. A água principiou a estremecer e a turvar-se lentamente. Um
vapor esbranquiçado começou a evolar-se da superfície. Então Kyna falou:
– É Alana...
– Sim, avó. E ela nos comunica que sua
missão está concluída com êxito total. Podemos ter esperança agora. Precisamos
contar ao rei imediatamente.
– Sim, criança. Vá ter com ele, anime-o. E
traga-o a seguir para cá, precisamos orientá-lo quanto aos passos de defesa
desta fortaleza e sua gente. Bendita seja a Deusa, que nos acudiu e nos há de salvar.
– E bendita seja Alana, minha irmã e minha
mãe, pois nós duas sabemos o imenso do seu sacrifício.
– Sim, Vérica. Nós sabemos o quanto isso é
penoso para uma mulher. Mas sabemos também que não significa nada para uma
sacerdotisa da Deusa. Agora vá, minha filha, vá ter com o rei. Conte-lhe a boa
nova e traga-o aqui imediatamente.
Menos de vinte minutos depois, Meroveu
estava no pequeno aposento das sacerdotisas.
– Como lamento não poder dispor de um aposento
maior para que você duas possam ali erigir um altar para a Deusa. Mas isto não é
bem uma cidade, é só uma cidadela, uma fortaleza, de modo que tudo o que temos
são estes alojamentos militares precários para soldados, as baias para os
cavalos e os múltiplos paióis para estocar alimentos. E agora que a população
ao redor está sendo recolhida para dentro dos limites das muralhas, vamos ter
que nos amontoar todos nesses exíguos espaços disponíveis.
– Isso não tem importância alguma, meu rei.
Nosso altar e nosso templo estão dentro de nós mesmas, em nossos corações
consagrados à Deusa. Pedi que Vossa Majestade viesse a nós e não o contrário,
porque queremos garantir total privacidade para o que lhe vamos dizer. Vérica,
mostre a nós o mapa que você desenhou.
A moça desdobrou um rolo de médio tamanho e
exibiu um mapa pormenorizado da cidadela e de seus arredores, incluindo a
floresta, os cursos d’água e a planície por onde chegariam os hunos. O rei mais
uma vez ficou embasbacado com os talentos daquela criatura tão jovem. A pintura
era perfeita e a proporção das medidas era mais perfeita ainda. Como será que ela
chegara a tais conclusões? Mas Vérica
não o deixou perguntar por isso:
– Outra hora, senhor eu lhe explico onde
obtive as medidas. Agora vamos começar, nós três, a discutir as estratégias que
vamos usar para recepcionar nossos “amigos” hunos. Mas o senhor não pode
esquecer do seguinte, em momento algum: Nunca nos dê crédito pelas idéias que
vamos apresentar a Vossa Majestade. Apresente-as a seus homens como se fossem
exclusivamente suas.
– Não, não podemos perder tempo com isso
agora. Depois o senhor compreenderá por que tem que ser assim – era Kyna, que,
outra vez, interrompia o pensamento do rei, quando este se aprestava a
perguntar a Vérica por que devia se apresentar como a fonte única das idéias.
Nas horas seguintes da tarde e da noite,
passaram os três a discutir idéias, estratégias de defesa e contra-ataque, uso
das máquinas de guerra e da munição que tinham dentro da fortaleza, mobilidade
dos soldados e dos civis, treinamento dos civis, manipulação das reservas de
alimentos que teriam à disposição. Era quase meia-noite, quando o rei se
retirou, cansado mas, ao mesmo tempo, exultante. Estava agora cheio de
esperanças. E já não pensava mais fatalisticamente em sua morte. As
sacerdotisas repetiram mais de uma vez que ela não ocorreria agora.
Os seis dias seguintes foram de trabalho
extrênuo para todos, militares e civis, inclusive idosos e crianças. Muitas
“surpresas” foram preparadas para os hunos, seguindo as brilhantes e
inacreditáveis idéias da cabeça brilhante de seu jovem rei. Homens e mulheres
trabalharam na planície, nos campos, na floresta, no rio, no fosso e dentro da
fortaleza. Um bando de crianças foi se postar no extremo da planície, guardando
uma distância de duzentos metros umas das outras (mediam quinhentos passos seus
e paravam). Eram as sentinelas avançadas, que veriam antes e avisariam, assim
que os hunos se tornassem visíveis, muitos quilômetros mais ao sul.
Os hunos chegam!
Foi na tarde do sexto dia de preparativos
que aconteceu: a mais distante das crianças levantou o braço e acenou. A que
lhe seguia na fila, a 200 metros de distância dela na corrente de meninos e
meninas espertamente disposta na planície, fez o mesmo. E, como a primeira,
pôs-se a caminhar calmamente de volta para a fortaleza. A corrente de braços
levantados, gesticulando com uma peça de roupa na mão, foi se aproximando assim
da cidadela, de 200 em 200 metros, cinco crianças por quilômetro, cinqüenta
crianças cobrindo 10 quilômetros de planície. Eram os olhos avançados da
cidadela de Châlon. E esses olhos viram os hunos que se aproximavam lentamente,
muito antes que eles pudessem ser divisados da cidadela. E o mais importante:
toda a cadeia de comunicação, do mais distante ao mais próximo menino,
desempenhou sua tarefa em menos de dois minutos.
Inacreditável! – pensou Meroveu– Por que é
que essa idéia nunca aparecera antes? Fora preciso uma cabecinha de dezesseis
anos, encimada pelos mais belos cabelos ruivos, para lhe ensinar essa tática
maravilhosa e inédita: dez quilômetros em dois minutos! Que os deuses protejam
e abençoem você, Vérica!
CONTINUA: Cap.5 - A batalha começa. Vérica guerreira. O cerco de Orléans.
Atenção: este romance é INTERATIVO. Você pode opinar a ajudar a escrever a história, usando os COMENTÁRIOS. Participe, dê ideias, use sua criatividade.
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