O CERCO – 10
Resumo do cap. 9 – Alana, em Aurelianum (Orléans),
invade o grande salão de reuniões de Teodorico I, que está em discussão com
seus aliados romanos e burgúndios. Desfeiteada por um capitão burgúndio, ela
aplica-lhe um corretivo exemplar. E depois pede e consegue do rei visigodo a
concessão de 200 cavaleiros, que começa a levar, na mesma noite, em direção a
Catalauni (Châlons). Tem muita pressa, para chegar a tempo de ajudar no combate
aos hunos que cercam e atacam a cidadela.
A cavalgada pela
mata e pelo rio
Faltavam duas
horas e meia para o sol nascer quando Alana e seus cavaleiros visigodos
avistaram uma luz bruxuleante a grande distância. Pelo tamanho, era,
certamente, a fogueira do acampamento huno de retaguarda. Daquela fogueira em
diante, por muitos quilômetros, haveria hunos acampados, até chegar à sua vanguarda
de cavaleiros. E ao nascer do sol, com certeza, eles já estariam em movimento
outra vez.
Era preciso que
ela e seus seguidores deixassem então a grande estrada e penetrassem na
floresta, onde o deslocamento seria particularmente difícil, por causa da
escassa luminosidade, proporcionada por uma lua quase minguante. Pelo menos a
floresta, naquele trecho que usariam, não era muito densa, permitindo o avanço de
cavaleiros montados. Mas a velocidade em que avançariam haveria de ser,
naturalmente, muito reduzida. Ainda assim, se não parassem muito, seria
suficiente para contornarem o todo das tropas de Átila e seus hunos.
Para os cavalos,
a redução da velocidade de um galope acelerado para uma marcha normal cairia
como uma bênção. Contudo uma parte considerável de esforço ainda
sobrecarregaria suas patas, porque o caminho, desde a entrada na floresta, era
de uma subida consideravelmente íngreme. Alana estava conduzindo sua tropa para
o terço inferior da montanha, onde sabia que poderia encontrar as corredeiras
do grande rio e descer então pela picada íngreme, que a ladeava pela esquerda.
Quando o sol
saiu no horizonte da planície de Châlons, Alana e seus cavaleiros ainda
marchavam em direção às corredeiras, mas estavam agora a mais de 12 quilômetros
da estrada por onde avançavam, com lentidão, os hunos de Átila. A marcha
haveria de continuar pelo resto do dia, só que agora Alana podia comandar
intervalos de repouso para animais e homens, uma vez que estavam muito longe do
inimigo. Os cavalos conseguiam encontrar comida de sobra nos espaços entre os
troncos das árvores. E a água corria abundante, livre e tumultuosa nas
corredeiras, disponível para todos. Lá pelas oito horas todos pararam e
afrouxaram os arreios dos cavalos, levando-os para beber água e liberando-os,
vigiados, para que pastassem à vontade. Os homens fizeram um rápido repasto com
o material que traziam em suas mochilas de montaria.
E depois de um intervalo
de menos de uma hora, em que Alana a todo instante consultava o avanço do sol acima
das árvores, para medir o tempo, todos se puseram de novo em marcha, agora
começando a difícil tarefa de descer os íngremes e estreitos carreiros que
margeavam as corredeiras. Seria aí que despenderiam o maior número de horas de
caminhada, mas isso era simplesmente inevitável.
Caía já a tarde,
quando Alana sinalizou que era chegado o momento de afastarem-se todos do rio e
suas corredeiras, retomando uma trilha pela floresta, em direção à estrada
principal outra vez. Nesse trecho, a distância entre o rio, que descia selvagem
a montanha, e a estrada era de menos de cinco quilômetros. Mas, em compensação
a floresta, além de continuar numa descida íngreme, era muito mais fechada
nesse trecho, de forma que a velocidade de avanço foi quase tão lenta quanto a
da subida. Mas, pelo menos, a distância a percorrer era muito menor.
Quando a nova
noite chegou enfim, a sacerdotisa com um grito de contentamento, dirigiu-se a
sua companheira Almarak, que disparou imediatamente a pleno galope. Estavam de
nova ao leito da grande estrada, muitíssimo à frente da vanguarda huna, que era
forçada a esperar pelo grosso da tropa, a qual estava impossibilitada de um
deslocamento rápido como o da cavalaria. Agora que tinha encontrado a
retaguarda huna, Alana podia estimar que o avanço dos invasores se dava de um
maneira tão lenta que eles levariam mais de oito dias para chegar à grande
planície de Châlons.
Já sua situação
era muito mais favorável. Sua Almarak era uma recordista de velocidade: À toda
brida, numa competição em cancha reta, podia chegar à impressionante velocidade
de 50 quilômetros por hora. Ou seja, poderia cobrir a distância entre Orléans e
Châlon em apenas quatro horas. Mas, claro, isso era apenas um cálculo vazio,
pois nem mesmo Almarak, que dirá outros cavalos, poderia agüentar um tal
esforço muscular por mais do que uns poucos minutos. Na prática, Alana se dava
por feliz por estarem agora a cerca de 150 quilômetros de Châlons ainda e por
terem conseguido se afastar 50 quilômetros de Orléans, pelos difíceis caminhos
da floresta e do rio, numa marcha forçada de quase um dia completo, com duas
paradas de repouso somente.
Agora a o
restante da marcha, pela estrada principal, em suave declive até Châlons, seria
uma maravilha, se comparada com a jornada do primeiro dia. Dosando com cuidado
o esforço dos animais, poderiam fazer o percurso restante em menos de um dia.
Alana esperava cavalgar de noite e de manhã, chegando a seu destino final em
algum momento da tarde seguinte. Os membro de sua tropa de visigodos não
queriam acreditar que aquela mulher os estivesse conduzindo a seu destino com
tal velocidade final. Para eles, aquilo era uma clara impossibilidade. Os
cavalos não resistiriam a tão poucos intervalos de recuperação, como os que ela
propunha.
No entanto,
observaram alguns mais atentos, havia alguma coisa diferente com seus cavalos
desta vez. Quando paravam para beber água, comer e descansar, a sacerdotisa
vinha com sua égua, que a seguia por onde ela fosse, e parecia que ela – e
também a égua – como que conversavam com os animais. Alana, ao invés de
descansar ela mesma, ficava andando de cavalo a cavalo, falando alguma coisa
para eles o tempo todo. A égua Almarak, a todo instante, emitia relinchos
curtos e de baixa intensidade, ao qual muitos dos cavalos respondiam de forma
similar. O fato é que, na hora de retomarem a marcha a galope, os cavalos
visigodos pareciam totalmente recuperados, como se estivessem na primeira hora
da jornada, quando recém saíam de Orléans.
A segunda
batalha do “lago”
Em Châlons, os
chefes hunos tinham agora um novo plano de batalha. E, como já o esperavam os
francos e as sacerdotisas Kyna e Vérica, só poderia ser um: avançar
simultaneamente numa manobra em pinça, com a cavalaria contornando o “lago” e
caindo sobre as muralhas da cidadela. Ou sobre os próprios francos, fossem eles
loucos o suficiente para esperá-los em campo aberto, com sua raquítica
infantaria.
Os planos de
ataque foram estabelecidos em função da narrativa dos que haviam participado e
sobrevivido no primeiro ataque. Eles conseguiram descrever com razoável
exatidão a posição dos pontos de onde haviam partido os ataques com flechas, as
casamatas protegidas de onde os arqueiros francos haviam atacado os hunos. Era
evidente que por ali passavam caminhos sólidos, não alagados, nas margens esquerda
e direita do “lago” amaldiçoado dos francos.
Teriam que
avançar ainda um pouco às cegas, porque o enorme capim gigante não permitia
nenhuma visibilidade até alguém estar totalmente embrenhado dentro dele. Mas
agora as probabilidades de sucesso no avanço eram imensamente maiores.
Então, assim que
o dia começou, os cavaleiros hunos começaram e se dispor para o ataque. Estavam
acampados a cinco quilômetros do rio, o que só permitia uma visibilidade
limitada a partir da muralha da fortaleza franca. Mas era o suficiente para
perceber que a movimentação significava o apronto para mais uma carga de
cavalaria huna.
Os invasores
partiram a galope antes das dez horas e atingiram a passagem rasa do rio em
poucos instantes. Até ali, nenhuma surpresa por parte dos francos, não havia
mais arqueiros a esperá-los. Possivelmente agora, ante sua grande
inferioridade, quer numérica, quer por não disporem de cavalaria, eles se
limitariam a ficar dentro da cidadela e defendê-la do cerco huno.
Tendo transposto
o rio, os hunos puderam, com toda calma, sem serem emboscados por francos desta
vez, estudar com cuidado as duas passagens que existiam dos dois lados do “lago”.
Ficaram surpresos ao constatarem como essas passagens eram estreitas, menos de
6 metros de largura cada uma, muito sinuosas, só quem as conhecesse muito bem
poderia se deslocar por elas sem cair nos perigosos alagados. A passagem por
elas teria que ser, obrigatoriamente, realizada em fila, com no máximo dois
cavaleiros lado a lado, até que pudessem chegar ao início da parte íngreme da
planície, já próxima da cidadela. O reconhecimento e estudo do terreno levou
quase duas horas e os chefes levaram outro tanto discutindo entre si a melhor
tática a seguir. Por fim concluíram que só havia uma coisa a fazer: dividir a
tropa em dois grupos, transpor as passagens estreitas com cuidado e lentidão,
reunir todos os cavaleiro do outro lado e começar a subida para a fortaleza. Em
resumo, o mesmo plano que haviam estabelecido em teoria, na noite anterior. E o
mesmo plano que os francos esperavam que eles seguissem. Exatamente o mesmo.
Eram cerca de
duas da tarde quando os cavaleiros hunos começaram a transpor as passagens
estreitas, cavalgando lentamente e com o máximo cuidado. Depois de meia hora,
já começavam a dispor-se em linha para a primeira grande carga contra a
muralha. Alguns cavalos, em comboio, transportavam as escadas de assalto e o
pesado aríete.
A essa hora, a
brigada visigoda da sacerdotisa Alana estava a menos de uma hora de Châlons.
A segunda
batalha do “lago” parecia agora que não teria a participação da área alagada.
Disso tinham certeza os hunos quando partiram em sua arremetida a toda
velocidade. Mas estavam enganados!
CONTINUA
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