segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013


O CERCO – 13 
MILTON  MACIEL 

Resumo do cap. - 12 – Vérica entrou em desespero quando ficou sabendo que a Deusa a concedeu ao rei Meroveu. Ela o deseja fisicamente e o tem como foco de suas fantasias sexuais de mulher virgem, mas tem pavor da ideia de ser subjugada por um homem. Por isso, ao saber da notícia, ela corre para a floresta, em plena noite e lá passa horas de desespero, até se acalmar, porque consegue formular a esdrúxula idéia de usar Meroveu sexualmente até saciar-se e, depois, para poder manter sua liberdade e sua carreira de sacerdotisa, livrar-se dele, matando-o.

Os hunos atacam à noite

Pensando assim, Vérica conseguiu por fim acalmar-se. Quando o tumulto queria voltar a se instalar em sua mente e em seu coração, ela empunhava o punhal e se imaginava terminando com todo o seu sofrimento empurrando-o, ora na garganta, ora no peito do homem que havia ultimamente aquecido suas noites de tórridas fantasias sexuais.

Saiu da floresta, começou a caminhar na planície calmamente em direção à muralha sul da cidadela, por onde saíra usando sua corda de escalada, que ainda estava lá pendente, no mesmo lugar onde a havia deixado. Foi nesse momento, quando ainda estava um pouco longe da muralha leste, que sua atenção foi despertada por um movimento muito sutil que pensou ver lá embaixo, no lugar do fosso que, há poucas horas, havia engolido mais de uma centena de cavaleiros hunos.

Um ser humano normal não teria percebido aquele movimento quase imperceptível dentro da noite escura. Mas Vérica não era uma pessoa comum, era uma sacerdotisa celta! E sua intuição lhe gritava a palavra perigo. Vérica alcançou a muralha leste e começou a se esgueirar bem rente a ela, numa posição tão colada à pedra que as sentinelas nas ameias não poderiam percebê-la.

Quando chegou à esquina com a muralha norte, o movimento distante tornou a se repetir, agora mais perceptível para sua visão aguçadíssima. Aos poucos começou a formar uma imagem mais completa: sem dúvida, vários homens se arrastavam na região do grande fosso. O que quer dizer que só poderiam ser hunos. O coração de Vérica disparou. Não de medo, mas de excitação e prazer! Com que então tivera a felicidade de surpreender o inimigo preparando um ataque secreto noturno! Por um instante ela começou a imaginar o que faria, no lugar dos hunos, para poder cruzar o fosso na calada da noite. Eles não poderiam usar grandes toras de madeira, que teriam que transportar com animais, ao longo dos tortuosos caminhos leste e oeste dos alagados. E isso eles jamais poderiam esconder dos vigias francos nas muralhas.

Sim, só havia uma outra forma, exatamente aquela que ela mesma acabara de usar: CORDAS. E Vérica continuou pensando como ela organizaria um ataque assim. As cordas não poderiam ser presas a estacas, impossível batê-las fundo sem fazer um grande barulho! Então era evidente o que eles estavam fazendo: alguns poucos pioneiros haviam descido ao fosso com uso de cordas e, através delas, conseguiram emergir do outro lado. Com cordas longas o suficiente para terem ficado com a outra ponta ainda do lado de lá do fosso, seria possível, agora, que esses homens que haviam atravessado simplesmente ficassem segurando sua ponta da corda. Do outro lado, outro grupo de homens seguraria a sua própria ponta. E eles retesariam e segurariam a corda, enquanto um enorme número de outros homens conseguiria facilmente cruzar os dez metros de largura do fosso, um após o outro, usando apenas as mãos para se deslocarem ao longo da corda.

Toda uma operação feita no mais absoluto silêncio. Mas o que acontecera com as sentinelas nas ameias da muralha norte? Por mais que os hunos trabalhassem com a proteção da noite escura, agora quase de lua nova, seria impossível não serem notados por quem ocupasse posição tão privilegiada no topo da muralha. Imediatamente uma idéia sinistra passou-lhe pela mente. As sentinelas haviam sido silenciadas! Mas... Como?!

Precisou arriscar-se mais a ser notada pelos inimigos, o que não lhe causava o menor medo. A bem da verdade, nada que de longe pudesse cheirar a combate ou inimigo causava medo em Vérica. Pelo contrário, dava-lhe somente entusiasmo e animação. Então, muito excitada, ela começou a avançar rastejando em frente à muralha Sul agora, colada à parede, de frente para os invasores, que estavam tranquilamente absorvidos em sua tarefa de estender cordas sobre o fosso e permitir a travessia dele pelos soldados suspensos pelas mãos nas mesmas cordas.

Ao cabo dos primeiros cem metros, ela percebeu um vulto imóvel no chão. Era uma das sentinelas francas, sem dúvida. Tinha um punhal cravado nas costas. Ou seja, fora atacado por trás! E arremessado lá de cima sobre o capim alto ali em baixo. Nas costas? Hunos? Impossível! Seriam percebidos se aproximando da muralha, teriam que arremessar cordas de abordagem. Fora de cogitação. Uma outra hipótese desenhou-se então, clara, na mente da jovem sacerdotisa: TRAIÇÃO! Os militares de sentinela haviam sido apunhalados pelas costas, de tal forma que não pudessem gritar. Como seria isso possível? Somente se os assassinos fossem seus próprios colegas.

Mas aí uma outra percepção ocupou, rápida, sua mente: MULHERES! E Vérica viu nitidamente duas mulheres dando bebida aos soldados e fazendo amor com eles nas ameias. E viu-as depois, a esfaquearem os homens já dopados. E a arremessarem-nos lá do alto. Voltou a caminhar agachada: um outro corpo devia estar por ali, teria certamente deixado claros vestígios no capim esmagado. Menos de 10 metros de distância do primeiro, encontrou o corpo do segundo homem. Com que, então, o inimigo era mais insidioso do que se supunha: estava ali mesmo, dentro das muralhas e estava na pele de mulheres jovens que se ofereciam aos soldados. Vérica tivera percepção de duas delas, mas tinha certeza que havia uma terceira, essa a mais perigosa! Precisava dividir esse segredo imediatamente com suas parentas e irmãs sacerdotisas.

E então Vérica deslocou-se o mais rápido que pôde, contornando o resto da muralha norte, toda a muralha oeste, até chegar à sua corda de escalada, suspensa na muralha sul. Subiu-a numa velocidade impressionante, como nenhum homem conseguiria fazê-lo, mas nenhum homem tinha nos braços o preparo muscular de Vérica, única capaz de retesar seu grande arco celta mais de uma vez. Enquanto a jovem corria dentro da cidadela em direção a seu alojamento, onde teria que despertar suas parentas, estas já tinham saído à rua e corriam, por sua vez, em direção à muralha sul. Encontraram-se no meio do caminho.

O entendimento entre elas foi rapidíssimo, quase dispensando palavras.

– Flechas incendiárias! É isso que eles pretendem lançar sobre a cidadela. E dentro de pouquíssimos minutos!

– Sim Alana, é só isso que eles podem fazer lá de baixo, assim que conseguirem chegar bem perto da muralha norte. Obviamente esse é o plano. E muito engenhoso, por sinal!

– Como podemos detê-los, avó? Vamos acordar o rei e todos os arqueiros francos?

– Seria inútil, criança. Não há mais tempo para isso. Até que eles acordem, se ajeitem, se organizem, apanhem as armas e se disponham em linha de tiro, as flechas incendiárias dos hunos já nos estarão convertendo em assados vivos.

– Tão pouco tempo assim avó?

– Dois minutos, talvez três

– E então o que faremos, mãe?

– Vérica o fará, filha! Vamos todas correr para o alojamento. Vérica, pegue o seu arco e quantas flechas tiver e corra para o topo da muralha norte. E você, Alana, venha comigo, vamos preparar o FOGO GREGO imediatamente.

– O fogo grego! Brilhante idéia, mãe!

– Sim, sim, filha! Mas vamos correr agora, ainda temos que fazer a mistura final, vamos fazê-lo a caminho da muralha de Vérica e lá em cima também.

Dois minutos foi tudo o que as três mulheres precisaram para ir ao alojamento, apanhar todos os materiais e correr para o alto da muralha norte. Quando lá chegaram, puderam ver com nitidez um grupo de homens que começava a dar seus primeiros passos em direção à muralha. Todos eles portavam arcos, mas ainda estavam a uma distância grande demais para poderem atirar flechas incendiárias para dentro da fortaleza. Nenhum fogo fora ainda acendido. Evidentemente só o fariam no momento exato de começarem a atirar as primeiras setas.

Mas não era distância demais para a grande flecha de Vérica, mandada do alto da muralha em sentido oposto, a favor da gravidade, em direção ao fosso e aos homens que o transpuseram. A um sinal de Kyna, Vérica retesou seu enorme arco, com uma flecha que agora tinha um estranho objeto amarrado por Alana à sua extremidade. Ela e Kyna trabalhavam febrilmente em misturar duas massas gelatinosas estranhas e encher com elas uma espécie de cone, que amarravam imediatamente à ponta das flechas gigantes de Vérica.

Quando Vérica terminou o enorme esforço de retesar completamente seu monstruoso arco, com a flecha já apontada na direção correta, tendo avaliado mentalmente o desvio de trajetória a ser produzido pelo peso adicional e pela resistência que o cone ofereceria ao ar, Alana acendeu um fogo e ateou-o à ponta da flecha. Imediatamente, para surpresa total do hunos, um raio de luz esbranquiçada, como eles nunca tinham visto, partiu do alto da muralha e em segundos estava atingindo em cheio a posição onde eles estavam.

O que veio a seguir deixou todos apavorados. Ouviram um enorme estrondo, um fogo imenso se esparramou pelo chão, correu entre eles, incendiando a quem encontrava pelo caminho. Ao mesmo tempo, o alto capim verde, que não pegaria fogo se alguém tentasse ateá-lo com tochas, inflamou-se como que por uma mágica do inferno e o fogo começou a se alastrar ainda mais rapidamente. No meio das labaredas, os arqueiros hunos largavam seu arcos e flechas e corriam para o fosso. Só que, na desorganização que se seguiu, não havia homens para segurar as cordas para que os outros as atravessassem.. Todo mundo queira apenas transpor o fosso e ninguém segurou as cordas do lado de cá. Em desespero, homens com os corpos em chama jogavam-se no fosso, imitando outros que ainda estavam ilesos. Para piorar, a cada minuto uma nova flecha incendiária partia do alto da muralha e fazia um novo e maior estrago nas hostes hunas. Caindo do lado de lá do fosso, as flechas incendiárias, com o estanho fogo branco, revelaram outro grupo enorme de hunos a correr desesperados para o norte. Eram os homens que esperavam sua vez de atravessar o fosso pelas cordas suspensas.

No alto da muralha franca, homens em armas chegavam sonados, correndo assustados pelo ruído dos estrondos que os acordaram. Meroveu chegou correndo entre eles, quase nu, com sua espada desembainhada na mão. Ao verem as três sacerdotisas em combate, arremessando as setas gigantes com aquele estranho fogo branco, ficaram todos sem palavras.

Vérica viu Meroveu e teve vontade de virar contra ele o seu arco com flecha de fogo grego. Ele arderia inteiro e se desintegraria em segundos, o fim do problema dela! Mas, no instante seguinte, olhou seu torso nu, seus músculos salientes, viu suas coxas retesadas e notou aquele volume salientado pelo pouco tecido entre elas. Os pensamentos homicidas sumiram de sua mente, dando lugar àquele calorão interno, seguido de tremor, tão seus conhecidos. Virou-se para os inimigos e disparou a última seta gigante para qual Alana e Kyna tinham ainda munição explosiva. Mirou no fosso, retesou pela última vez naquela madrugada o arco, com seus braços que agora ardiam com se tivessem eles pegado fogo. Mas soltou a flecha pensando no corpo de Meroveu. Todo o corpo dela ardia mais do que o campo de capim gigante lá embaixo, onde o inimigo havia encontrado um destino muitas vezes pior do que aquele que viera impor à cidadela que dormia.

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