sábado, 9 de fevereiro de 2013


O CERCO – 2
MILTON MACIEL e VOCÊ

(Esta história de coragem, amor e glória começou ONTEM a ser publicada em capítulos diários, à medida em que vai sendo criada e escrita, um pouco a cada dia. Esta é uma obra INTERATIVA. Todos os leitores estão convidados a opinar e a dar sugestões, a ajudar a resolver as crises e as situações de perigo. Nem o autor, nem ninguém, sabe como tudo vai se desenrolar, muito menos como vai acabar. Tudo o que sabemos no início, é que o assustador exército de Átila se aproxima da cidadela que os habitantes têm que defender. A derrota significará a morte para todos – os hunos não perdoam. E nem fazem prisioneiro). Use sua criatividade, participe!)

A grande batalha se aproxima

Era o ano de 451. Átila chegara à Europa ocidental com um exército monstruoso de quase meio milhão de homens, formado por hunos, ostrogodos e alamanos, que foram ficando espalhados pelas centenas de localidades de que tomavam posse. Espraiando-se em diversas vias tentaculares, foram arrasando os povoados e vilas onde hoje estão as cidades de Estrasburgo, Worms, Maiença, Colônia. Um horda avançou e pilhou as cidades de Tournai, Cambrai, Amiens e Baeuvais, chegando às portas de Paris (então chamada Lutécia). Átila pessoalmente conduzia esse grupo e decidiu não tentar invadir Paris, onde a resistência seria naturalmente muito maior. Contornou-a e tomou o rumo de Orléans, então a capital do reino visigodo do rei Teodorico I. Uma outra horda cruzou o rio Reno mais ao sul de Colônia e igualmente arrasou cidades como Trèves, Metz e Reims, mantendo seu avanço em direção a Paris. Desse ramo invasor fazia parte o grupo que agora se dirigia à cidadela de Châlons-en-Champagne, certo de submetê-la rapidamente. Em Châlon, nosso comandante monta suas defesas e se prepara para resistir ao cerco huno.

O que os hunos não sabiam é que, face à evidente intenção demonstrada de avançar anda mais para o sul, dentro da Gália romana, o rei visigodo Teodorico I decidiu unir suas forças com as de Flávio Aécio, o senador e grande general romano, comandante em chefe de todas as legiões do ocidente. O Império Romano do Ocidente tinha então sua sede não mais em Roma, mas na cidade italiana de Ravena, onde reinava Valentiniano III, na verdade totalmente controlado por sua mãe, Galla Placídia.

Flavio Aécio havia formado um gigantesco exército para resistir aos hunos, agrupando gauleses, romanos, francos, celtas e burgúndios. A chegada do forte exército dos visigodos, liderado pessoalmente por Teodorico I, deu-lhe a consistência numérica de que precisava para enfrentar os invasores. As hostes de Aécio e Teodorico reuniram-se em Orléans antes que Átila ali chegasse e, quando os hunos chegaram, a primeira grande batalha aconteceu. Os hunos, colhidos de surpresa,  preferiram se reorganizar marchando para o nordeste, em direção a Troyes, onde esperavam reunir-se com sua outra divisão que marchava em direção a Paris, depois de ter destruído Metz e Reims.  Flávio Aécio foi-lhes ao encalço, tentando apanhar os fugitivos antes que eles se reunissem aos reforços.

Enquanto isso acontecia, o filho adotivo de Flávio Aécio, o rei franco Meroveu, estava acossado na cidadela de Châlon. Separado ali do grosso de seu pequeno exército de dez mil soldados, ele decidiu que ficaria e daria luta aos invasores, contando apenas com 542 homens, como uma forma de dar mais tempo a seus súditos de organizarem melhor suas próprias defesas. Seus espiões, todos visigodos infiltrados no exército de Átila, haviam lhe dado boas informações sobre o número de atacantes e sobre o tempo que levariam até chegar a Châlon, cerca de nove dias.

No alto da muralha sul da cidadela, na noite de lua minguante, Meroveu, um jovem rei de apenas 29 anos, reflete agora sobre sua situação. Rapidamente conclui que tal situação é em tudo idêntica à de Leônidas, o espartano, liderando seus 300 homens, no desfiladeiro das Termópilas, tentando barrar o avanço dos milhares de soldados do exército persa invasor. Certamente terá o mesmo fim. Dentro de poucos dias estará morto. Mas terá morrido no campo de honra, como Leônidas procurando ganhar tempo para que seus compatriotas possam mais bem organizar suas defesas. Junto com ele, perecerão aqueles pouco mais de 500 guerreiros valorosos, heróis todos eles.

Mas o que deixa Meroveu mais incomodado é a população civil. Mandara deixar o grande portão aberto e a ponte levadiça sobre o fosso abaixada, deixando assim o caminho livre para a fuga de quem quisesse partir. Contudo, quase ninguém foi embora, a contagem da manhã seguinte acusa apenas 83 fugitivos. Como ele havia explicado muito bem, em discurso público, que os que ficassem teriam que lutar por suas vidas e que, se fossem capturados, teriam morte imediata, não esperava aquela maciça adesão à luta de defesa. Cerca de mil pessoas da população civil, homens, mulheres e crianças, sem qualquer preparo militar, estariam ali à espera do massacre huno. Sabiam que não teriam a menor chance com o inimigo cruel. Mas, mesmo assim, escolheram ficar.

Nisso a situação de Meroveu era diferente da de Leônidas. Este não tivera civis com que se preocupar em Termópilas. Mas Meroveu tinha. E sua cabeça fervia pensando nisso. Fossem só os seus soldados, homens treinados tanto para matar como para morrer, não se preocuparia tanto. Nenhum guerreiro havia fugido. Estavam todos ali, prontos para o que desse e viesse. E, como ele mesmo, cientes de que breve encontrariam a morte honrosa no campo de batalha.

Mas e os civis? Os velhos, as mulheres, as crianças inocentes? Não, Meroveu não podia ficar só esperando pela batalha com os hunos. Precisava encontrar alguma forma de resistir ao avanço dos atacantes, uma forma desesperada, diferente de lutar. Não tinha o direito de ficar somente esperando que os hunos chegassem e dar-lhes combate direto, à maneira dos francos. Matar muitos deles, deixar-se matar ao longo da batalha, era tudo o que antevia, neste caso. Mas, com aqueles civis teimosos, era preciso encontrar outra solução. E Meroveu não tinha essa solução, não conseguia atinar com nada, por mais que se esforçasse nessa noite de angústia solitária. Um suor frio começou a brotar dos poros de seus braços desnudos, contrariando o frio da noite gaulesa. E o suor, ao escorrer, manchou-lhe a túnica de vermelho. Sim, ele estava suando sangue! Manifestação do mais extremo estado de angústia em que se encontrava.  O rei franco sentiu uma forte vertigem, procurou agarrar-se à muralha, mas não logrou fazê-lo. Começou a cair. Mas nesse exato instante, foi amparado por uma pessoa.

Recobrando um pouco do controle, o rei surpreendeu-se ao ver que quem o amparava era uma jovem celta. À escassa luz do luar, percebeu tratar-se de uma pessoa muito jovem, de fartos cabelos avermelhados, mal contidos sob o capuz que os cobria. O que pôde ver do rosto deixou-o também surpreso: a jovem tinha feições muito belas, harmônicas, transfundindo serenidade e força ao mesmo tempo. A voz, pôde constatar a seguir, era igualmente bonita, levemente rouca:

– Vossa Majestade está bem agora?

– Si... Sim! Obrigado, acho que eu teria caído, se você não me amparasse. Mas me diga uma coisa: como é que você surgiu assim de repente, do nada, bem na hora que eu precisei.

– Vossa Majestade me desculpe, mas eu o estava observando do escuro, há mais de uma hora.

– Mais de uma hora?! Mas como? E por quê?

– Minha avó me mandou trazer-lhe vinho e uma refeição. Preocupava-se com o senhor, vendo-o lá de baixo, aqui na muralha. Mas me disse para ter bom senso, para não interrompê-lo se estivesse fazendo algo muito importante.

– E eu estava?

– Sim, Majestade. Notei que pensava e sofria por causa do seu povo. Tive certeza que se angustiava procurando uma forma diferente de lutar para nos salvar. Senti em mim mesma uma grande parte do seu sofrimento, fui às lágrimas várias vezes. Mas tive certeza que não deveria interrompê-lo, só o fiz porque Vossa Majestade teve essa vertigem.

Meroveu I posicionou-se de forma que pudesse ter o rosto da moça mais bem iluminado pelo luar. Admirado com a beleza, a força e a serenidade que vinham daquele semblante e, ainda mais, daqueles olhos azuis profundos, falou:

– Vocês, celtas, são um povo admirável. Aprendi muito com seus anciãos desde minha infância. Vejo agora que também as mulheres celtas têm poderes sobrenaturais. Você simplesmente leu minha mente o tempo todo.

– Sim, Majestade. Só discordo em um ponto,  porque se trata de poderes totalmente naturais.

– Bem, só se forem naturais para vocês, celtas. E eu estou abismado com você, menina.

Sem responder, a moça andou rapidamente para o escuro e de lá voltou com um jarro de vinho e um copo de argila. Emborcou o líquido no copo e levou-o aos lábios do jovem rei.

– Beba, Majestade, vai lhe fazer muito bem agora.

Meroveu abriu a boca e sorveu o vinho em largos goles, lentamente. Notou que a moça, dando um passo à frente, amparou-lhe a cabeça suavemente com a mão direita, enquanto que, com a esquerda, com um pano, impediu que gotas do líquido caíssem na túnica branca do rei.

Meroveu, por instantes, se sentiu como se flutuasse. Ainda há pouco, a suprema angústia do seu desespero sem saída. Agora, aquelas mãos de fada a amparar-lhe, primeiro a queda iminente, depois a cabeça para que bebesse. Fechou os olhos e deixou-se ficar assim por um longo tempo. Quando os reabriu, notou que a jovem repetia sem cessar uma espécie de récita em celta e que tinha a outra mão, agora, espalmada logo acima da cabeça dele. Então era AQUILO que o fizera sentir-se tão bem! Que estranha força tinha aquela criatura tão jovem, capaz de retirá-lo instantaneamente do inferno em que estava e transportá-lo ao próprio céu da paz e da tranquilidade? Quem era essa jovem, afinal?

Para sua surpresa, a moça falou:

– Meu nome é Vérica e sou o equivalente feminino de um druida celta. Minha avó Kyna, a sábia, que é minha Mestra, mandou que eu cuidasse de Vossa Majestade. E isso também quer dizer que eu devo ajudá-lo com seus planos de batalha, com as idéias novas que procura.

–  Que os deuses bendigam sua avó! – falou um entusiasmado Meroveu, erguendo alto o copo de vinho, que tomou delicadamente da mão da moça e encheu novamente de bebida – Não sei como uma mulher pode ajudar um guerreiro em seus planos de batalha. Mas se essa mulher for VOCÊ, então acredito que tudo é possível.

– Mais acreditará Vossa Majestade quando conhecer Kyna, a sábia.  Não quer descer comigo, para termos com ela agora?

Meroveu, alegre como uma criança, precipitou-se escada abaixo, descendo os degraus de três em três e postando-se a esperar a moça lá embaixo, Quando ela apontou na última volta da escada de pedra, ele exclamou:

– Só não vou correndo na sua frente porque não sei onde é. Desculpe a indelicadeza de descer correndo na sua frente, mas eu estou ansioso demais para conhecer sua avó Kyna.

Vérica, em silencio, mas com um sorriso radioso nos lábios, pôs-se a andar à frente do rei.
(CONTINUA)

[A bola agora fica com você, leitor(a) e co-criador(a). Use o espaço dos COMENTÁRIOS para apresentar suas idéias e sugestões. Vamos ajudar o comandante a preparar as defesas e as surpresas para o exército inimigo. Como evoluirá a relação do rei com Vérica e Kyna?] 

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