MILTON MACIEL
O português
Manuelão do Pão era um respeitadíssimo comerciante do bairro paulistano do
Brás, um autêntico panificador. Apesar de homem experiente e vivido, tinha um
registro bastante pobre de conquistas femininas. Primeiro, porque tivera que
trabalhar como um escravo desde pequenino, naquele mesmo ramo de negócios que
herdara do pai, lá na sua Trás os Montes, em Portugal. Segundo, porque casara
ainda muito jovem com sua Catarina, moçoila de buço preto e temperamento do
cão, difícil de dominar.
Difícil também
nas coisas de cama. Possivelmente porque tivesse sangue mouro, os vastos
pentelhos até o umbigo o atestavam, embora não houvesse registro quanto a isso
na família dela. Pois essa moça Catarina, o que tinha de pentelhos, tinha
também de quentura. Queria sempre mais e mais, era um desparramo, um exagero.
Manuel não dava conta.
Tinha ele que
levantar às três e meia da madrugada, para preparar o forno e a primeira
fornada de pão da manhã. E depois emendava o resto do dia no trabalho pesado,
atendendo os fregueses, entregando pão nas casas e estabelecimentos, a pé e de
bicicleta. Chegava em casa, ao cair da noite, meio morto de cansaço.
Nem bem chegava,
já vinha aquela moura insaciável para cima dele, era um terror! Terror porque
Manuel sabia que não ia dar conta, mal conseguia funcionar uma vez – e nem
todos os dias – de tão cansado. Mas a moura queria mais e mais. Aí ficavam
ambos irritados, ela porque insatisfeita, ele porque chateado com o resultado.
Evidentemente, uma situação assim só poderia fazer o casamento degringolar.
Catarina perdeu todo o respeito pelo marido e este desandou a comer cada vez
mais e a engordar como um porco.
Depois de uns
dez anos de casados, ele já tinha o aspecto de uma pipa de vinho apoiada sobre
dois finos gambitos. Para piorar, os cabelos deram para cair quase que de
repente e, em pouco mais de dois anos, uma careca reluzente se afirmava em meio
aos cabelos pretos remanescentes nas laterais da cabeça. Manuel, que nunca fora
belo, ficou um espetáculo de feiúra!
Catarina acabou
se aquietando, parou de importunar Manuel todos os dias, contentava-se com
umazinha só uma vez por semana. Não há mesmo nada como tempo para passar... A
paz se fez no lar sem filhos dos Trindade e Gouveia. Sim, sem filhos, essa era
outra tristeza de Manuel, já agora chamado de Manuelão, por causa da enorme
barriga. Deus não lhe dera a felicidade de um Manuelzito, que usaria esse seu
mesmo nome para manter a tradição da família, longa de várias gerações. Um dos
dois deveria ser estéril. Ora, evidentemente que só poderia ser aquela diaba
louca por cama, mulheres assim nunca dão boas mães. Deus estava vendo isso lá
de cima e não permitira que a infeliz pusesse crianças no mundo para serem mal
criadas, carentes de mãe.
Mas um dia a paz
de Manuelão, conquistada a duras penas, ruiu por terra. Um bilhete anônimo, uma
campana e lá estava a safada rolando no paiol com o filho do vizinho, moleque
de seus dezesseis anos apenas. Manuel deu uns safanões nos dois, o moleque conseguiu
escapar e sumiu do lugar. Mas a mulher teve que agüentar toda a raiva e
frustração do marido. Apanhou sem parar de chamá-lo de frouxo, de molengão, de
ruim de cama, de gordo broxa e muito mais. Apanhou e bateu. Apanhou de tapa e
pontapé. E bateu de boca, de palavras duras, de acusações de incompetência,
corno porque merecia; Paneleiro, não
podia ser homem de verdade. Ser chamado de paneleiro
deixou Manuel completamente possesso e ele reforçou o estoque de pancadas. Aí
chegaram os vizinhos e conseguiram apartar o entrevero.
Mas o dano já
estava feito. Reputação de corno acabava com qualquer um por ali e Manuel não era homem de matar ninguém, não
lavaria sua honra com sangue, única forma de comprar o indulto daquela gente
atrasada. Logo nos primeiros dias, tendo Catarina voltado para a casa dos pais,
na cidade do Porto, Manuel viu seu negócio degringolar. Pouca gente ia buscar o
pão em seu estabelecimento, a outra panificadora do lugar cresceu com a nova
procura, apesar de fazer um pão de sofrível qualidade. Era o fim.
Não lhe restando
outra opção, encerrou o negócio, despediu-se dos parentes e embarcou de
terceira classe para o Brasil, desembarcando no porto de Santos, dali seguindo
para São Paulo. Trazia referências para vários trasmontanos já influentes na
capital e foi muito bem recebido pela comunidade. Desta forma, com muito
trabalho e muita economia, conseguiu se estabelecer ali no bairro do Brás,
prosperou e agora, na quadra dos sessenta anos, podia-se dizer que era um
vitorioso.
Quanto a mulher,
ficou escaldado com Catarina. Nunca mais quis saber de outra esposa. Usava
apenas os serviços profissionais de algumas garotas de programa,
ocasionalmente, quando a pressão subia demais nos bagos. Acostumado a
economizar cada tostão duramente ganho, Manuelão detestava ter que dar dinheiro
a putas. Mas, de vez em quando, que remédio... Mas isso só depois de muito
regatear, pedir desconto ao telefone, botar defeito no serviço depois da
execução, recusar-se a pagar o taxi. Enfim, toda e qualquer manobra mesquinha
que permitisse poupar alguns caraminguás.
Manuel Gouveia,
118 quilos bem montados em cima de um metro e sessenta de altura, tinha sido,
sem que o soubesse, um multicorno de longa data, pois o flagrante dado em
Catarina com o garoto do vizinho revelara apenas um dos muitos adornos que
construíram sua volumosa galhada em terras lusitanas. Manuelão virou um
desiludido do amor, descrente da fidelidade das mulheres, descrente também de
sua capacidade de satisfazê-las sexualmente, aqueles monstros insaciáveis,
libertinas de uma figa, prontas a adornar seus maridos e a se comportarem como
putas. Pois, se putas iam ser, putas muito caras lhe sairiam. A bem da
segurança e da economia, optara por ficar com as putas propriamente ditas, as
profissionais.
(Extraído
de “ATALIBA, UM PAULISTANO FELIZ” –
Milton Maciel – IDEL, 2009 – pgs. 50 – 54)
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