terça-feira, 26 de fevereiro de 2013


O CERCO -14 
MILTON  MACIEL

Resumo do cáp. 13 – Vérica retornava de sua noite de agonia dentro da floresta, quando descobriu que os hunos estavam se esgueirando por cima do fosso da planície, usando cordas. Descobriu também que as sentinelas sobre a muralha foram apunhaladas e jogadas para o chão, em frente à muralha norte, com a possível intenção que caíssem no fosso de água da muralha. E visualizou mulheres como as responsáveis pela traição. Depois escalou a muralha sul e se encontrou com suas parentas sacerdotisas. Vérica correu para o alto da muralha norte com seu grande arco e as outras duas prepararam o FOGO GREGO. Antes que os hunos pudessem se aproximar para lançar suas flechas incendiárias sobre a cidadela adormecida, Vérica os surpreendeu com suas mortíferas setas gigantes, com o fogo grego. Explosões e fogo colocaram os hunos em fuga desordenada, amargando mais uma derrota e muitas baixas.

UMA NOITE DE ÓDIO E AMOR

Meroveu, apesar de extasiado ante tudo o que acontecera, estava mortalmente preocupado com o incêndio que grassava no capim gigante próximo ao fosso, de ambos os lados. Aquele capim com suas touceiras enormes, era uma importantíssima arma de defesa da cidadela. Era imprescindível que seus homens combatessem aquele incêndio imediatamente. Chamou seu lugar-tenente, Armocic:

– Leve todos os homens com você, inclusive os civis que estiverem por aqui também. Levem todos os baldes, ânforas vazias, barris, tudo enfim que puderem encontrar aqui dentro para juntar água nos alagados. Formem correntes humanas, precisamos apagar esse incêndio. Não é preciso temer os hunos, que já correrem de volta para sua base.

– NÃO! – Gritou, alarmada, a sumo-sacerdotisa Kyna. – Não se pode jogar água para apagar o fogo grego. A água só serve para espalhá-lo ainda mais.

– Como, Kyna. Você está dizendo que esse fogo não pode ser apagado com água? Isso é impossível!

– Claro que é possível, Meroveu! Você é que não sabe de nada!

O rei surpreendeu-se com o tom agressivo de Vérica. O que teria acontecido?

Alana olhou pra Vérica com ar de reprovação e de compreensão ao mesmo tempo. Pobre criança! Era evidente que conseguira metabolizar seu ressentimento com a ordem da Deusa transferindo sua raiva para a pessoa de Meroveu. Achou melhor intervir.

– Rei Meroveu, nessa mistura que chamamos fogo grego, há um material que, em presença de água, se inflama ainda mais.

– Pelos deuses! Como isso é possível? É magia?

– Não, meu senhor, é ciência. Uma ciência muito antiga, que nos chegou preservada de maneira iniciática e oculta. Essa fórmula que usamos hoje é um dos pouquíssimos conhecimentos de uma monumental ciência química muito antiga, que chegou aos gregos através dos egípcios e, a estes, através de cientistas que migraram fugindo da destruição de uma grande civilização, situada no mar oceano do ocidente, depois das colunas de Atlas.

– E existiu uma civilização no oceano de Atlas? Como é que nossa tradição não fala dela?

– Porque as tradições dos francos são primárias, ora bolas! – falou Vérica, com voz irritada, surpreendendo Meroveu outra vez. Kyna sorriu, balançando a cabeça de fulvos cabelos iridescentes. E Alana retomou a palavra:

– Existiu, sim, rei Meroveu. Uma civilização adiantadíssima, que dominou todos os elementos da matéria e da energia, que construiu máquinas colossais e que, por causa delas, acabou destruindo sua civilização, ao voltá-las contra si própria, através de guerras de destruição em massa.

– E o que aconteceu então?

– O continente deles afundou e eles pereceram.  Qualquer criança celta sabe isso desde bebê!

– Vamos, Vérica, não exagere, querida. Acalme-se, a batalha já acabou. Desculpe minha neta, rei Meroveu, ela está ainda inflamada pelos humores da guerra, pelo fogo da batalha. Pode-se dizer que o fogo grego subiu-lhe à cabeça, não é verdade, Vérica?

Como única resposta, a moça apanhou seu grande arco e, fazendo uma rápida semi-flexão com o joelho direito, saudou as sacerdotisas e se retirou, com uma autêntica rabanada, que fez sua vasta cabeleira ruivo-dourada estremecer e agitar-se. Nem saudou o rei dos francos, nem se dignou a dirigir-lhe sequer um olhar.

Meroveu engoliu em seco, nunca tinha visto Vérica tratá-lo assim com tal desrespeito, com hostilidade mesmo. O que teria acontecido? Então, nesse exato momento, lembrou-se da consulta à Deusa e chegou rapidamente à única conclusão possível: o óbvio havia acontecido! Sim, certamente a Deusa não só tinha negado que sua jovem sacerdotisa pudesse ter um relacionamento amoroso com ele, mas, com toda certeza, recomendara que ela se afastasse dele e o tratasse com indiferença e hostilidade. Era isso! Meroveu sentiu-se como que afundando nos alagados!... Tudo o mais perdeu sentido para ele. Precisava retirar-se dali urgentemente, tinha que ficar só, não podia mostrar fraqueza na frente das outras pessoas, dos seus subordinados, das duas sacerdotisas. Pensou desesperadamente numa desculpa, mas não encontrou nada plausível. Contudo Kyna, fazendo um gesto perceptível só para Alana, veio livrá-lo daquela situação insustentável, dizendo:

 – Rei Meroveu, o fogo continua grassando livre em seu capinzal. Leve todos os seus homens e vá apagá-lo. Só não use água. Improvise grandes maços com o próprio capim gigante e mande seus homens baterem forte na base do fogo, procurando abafá-lo. Não façam nada diferente disso e, como o dia já vem nascendo, vai ser mais fácil para vocês trabalharem. Agora vá, não perca nem mais um minuto.

Meroveu partiu numa corrida louca, agradecido pelas palavras de Kyna, que o haviam livrado de um grande embaraço. Para todos os efeitos corria para lutar contra o incêndio. Na verdade corria para isolar-se e poderia fazê-lo agora no meio de centenas de homens, pois cada um estaria cuidando de si e do fogo que combatia. A fumaça densa dificultava a respiração, rolos de chama subiam de repente e quase os envolviam, alguns tiveram dolorosas queimaduras. Mas, para Meroveu, o melhor é que todos ali tinham os olhos vermelhos por causa da fumaça. Ninguém notaria que seu rei tinha os seus ainda mais vermelhos por causa das lágrimas, que ele agora não precisava conter nem disfarçar. Ao mesmo tempo, batia nas partes incendiadas dos capins com toda força e toda raiva, o que servia para aliviar sua tensão insuportável.

Quando o sol subiu no horizonte, mais de setecentos homens, entre militares e civis, se viram sujos, suados, extenuados, enegrecidos de fuligem, terríveis. Mas vencedores! O fogo havia sido completamente extinto e a maior parte do capinzal pudera ser preservada. As partes queimadas levariam mais de seis meses para atingir metade da altura que tinham, mas ressurgiriam mais fortes e ainda haveriam de superar, no futuro, não só a altura, como o diâmetro dos colmos originais. Esse era o efeito das queimadas.

Meroveu retirou-se para seus aposentos, usou toda a água que tinha de reserva, baldes e baldes, para lavar-se e, a seguir, jogou-se nu sobre a cama, exausto no corpo e na alma. Ficou por mais de duas horas assim, de barriga para baixo, pensando exclusivamente na recusa da Deusa e na conseqüente hostilidade de Vérica. Não conseguiu cochilar, que fosse, nem por um minuto.

Nesse mesmo tempo, Vérica estava sentada no chão, numa das ameias da muralha sul, para onde batera em retirada, ao deixar as outras sacerdotisas conversando com Meroveu. Aquele idiota, querendo combater o fogo grego com água! Ignorante! Tão ignorante que suas tradições não contavam nada, absolutamente nada sobre a fabulosa Atlântida. Ora, de onde tinham os celtas, seus druidas e suas sacerdotisas, absorvido todo o conhecimento secreto que possuíam, seu domínio sobre as forças da natureza, senão de pálidos resquícios que haviam sobrado, perdidos por tantos lugares ao longo do Mar Mediterrâneo, dos conhecimentos ciclópicos dos grandes cientistas atlanteanos?

Certamente os francos ignaros, primitivos, não sabiam que um grupo diminuto desses atlanteanos havia conseguido chegar às terras do que um dia, no futuro, viria a ser o Egito. Que, quando chegaram, encontraram apenas povos rústicos, que ainda viviam em enormes habitações coletivas, dominando apenas as técnicas mais rudimentares de uma canhestra agricultura de subsistência. Graças aos poucos atlanteanos e aos descendentes deles, miscigenados já com os povos locais, houve a rápida expansão da nova cultura egípcia. Mas isso não valia a pena tentar explicar para aquele chefe estúpido, que tudo o que queria, certamente, era deitar-se com ela, fazer-lhe um monte de filhos, como era costume dos bárbaros, e proclamar-se amo e senhor da vida dela. Pois sim! Ele que esperasse! E sua mão crispou-se automaticamente sobre o cabo do seu punhal.

Mas, daí a instantes, sua memória lhe trouxe a visão fascinante de Meroveu quase nu, subindo rapidamente as escadas da muralha norte. Viu e reviu seu peito e braços musculosos, lembrou suas coxas retesadas. E aquele volume desconhecido, antevisto sob o pouco pano entre elas, que a deixava nesse instante aquecida e excitada. De repente o cabo do punhal deixou de ser o que era. Na imaginação de Vérica, ele passou a ser aquilo havia por baixo dos panos de Meroveu. Ela apertou com mais força o cabo, imaginou como deveria ser aquilo na verdade e enfiou a mão esquerda por baixo de sua túnica, em direção ao cálido ponto umedecido que clamava por uma atenção imediata. E de repente decidiu: já que o seu iniciador seria Meroveu, então teria que ser agora, nesse momento. Ela não iria esperar mais! Se aquela era a vontade da Deusa, então ela, Vérica, haveria de somar a isso sua própria vontade agora. A mão direita deixou de empunhar o imaginário objeto do seu desejo, a mão esquerda saiu de sua quente intimidade. 

Vérica levantou-se com um salto felino, embainhou seu punhal, correu para sua corda de escalada, que continuava no mesmo lugar ainda e arrancou de si a túnica que usava, pois ali não havia ninguém que pudesse vê-la. Desceu nua pela corda celeremente, deixando-se desta vez cair dentro fosso que circulava as muralhas em toda a sua extensão. A água do fosso era corrente, vinha do regato que o alimentava a partir da floresta, era límpida, pura e gelada. Vérica imaginou que tomava um banho ritualístico, purificando-se e preparando seu corpo para a iniciação no amor. Ao sair do fosso, nua e pingando água, subiu com toda a facilidade os oito metros de altura da muralha sul, usando apenas a força descomunal dos seus braços sobre a corda, sem usar as pernas como apoio. Sem secar o corpo, cobriu sua nudez, vestindo novamente a túnica branca.

Molhada por fora e por dentro, correu, esgueirando-se em busca dos aposentos do rei. Sabia que ele estaria lá e que estaria só. Sentia-o, tinha plena certeza disso. Chegou à modesta porta sem ser notada por ninguém, a população em massa dormia para se refazer do susto e das atividades cansativas da madrugada.

Vérica empurrou a porta destravada e entrou em silêncio. Sobre a cama, Meroveu, completamente nu, de barriga para baixo, parecia dormir. A moça ficou deslumbrada com a visão do macho nu, melhor do que havia imaginado. Aproximou-se pé ante pé e ficou a admirá-lo. Nesse momento, Meroveu pressentiu sua presença e se virou na cama. Então, enfim, Vérica pôde ter a visão completa do que era um homem, depois de tantos anos de só imaginá-la. E também isso era melhor do que o que ela havia imaginado.

Meroveu olhava para Vérica extasiado, sentindo seu sangue ferver e sua virilidade se expandir. Vérica, sua musa, a mulher mais linda e desejável desse mundo estava ali, a olhá-lo nu, sem nenhum receio ou pudor. Com era possível isso, se a Deusa...

Não pôde pensar mais nada. Vérica com um único movimento arrancou de si a túnica sacerdotal, expondo-se magistralmente nua ao seu desejo. Mas, quando ele quis tomar a iniciativa de abraçá-la pela cintura, ela lhe deu um tapa forte no braço e outro, este bem suave, no rosto. E falou:

– Não! Fique quieto! Tem que ser do meu jeito. Eu vou instruí-lo e fazer de você meu gamo-rei.

Ato contínuo, deu-lhe um empurrão e jogou-o deitado de costas sobre a cama. E então passou a explorar meticulosamente, lentamente, tudo o que não conhecia do corpo de um homem.

Sim devia ter imaginado que seria assim. Não precisava ter qualquer medo, nunca participara desses jogos, mas sua intuição lhe ditaria cada passo, cada movimento, cada carícia, cada palavra. Sim, ela era uma sacerdotisa! Ela é que conduziria o gamo-rei e, apesar de ter ainda intacto o hímen, ela é que tiraria a virgindade daquele homem tolo e ignorante, que certamente jamais tivera na vida a ventura de deitar-se com uma sacerdotisa da Deusa. E deitar-se com uma virgem da Deusa, na primeira vez dela, era deitar-se com a própria Deusa. Nem todos os homens resistiam, alguns perdiam a vida na experiência.

CONTINUA

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