MILTON MACIEL
Resumo do cap. 10 – Contornando os hunos, que avançam
lentamente pela estrada principal em buscA do Rio Marne, à altura de Châlons, a
sacerdotisa Alana conduziu seus 200 cavaleiros visigodos, primeiro através da
floresta, depois margeando as corredeiras do rio e, novamente pela floresta,
até voltar à estrada larga bem à frente da vanguarda da cavalaria huna. Agora
sua tropa estava a cerca de uma hora de Châlons. Ali a tropa huna arremete
nesse momento, após conseguir contornar os dois caminhos estreitos que margeiam
o “lago” onde tiveram sua primeira derrota, dois dias atrás.
Uma nova
surpresa
Os cavaleiros
hunos agora estão preparados para o primeiro grande combate. Em linha,
arremetem pelo início da planície em aclive, depois de se livrarem do fantasma
das áreas alagadiças da margem sul do rio. Os quinhentos metros que os separam
da muralha serão vencidos em pouquíssimo tempo. Os homens já se preparam para
erguer seus pequenos escudos presos ao braço esquerdo, pois certamente serão
recebidos com saraivadas de flechas pelos defensores, encarapitados no alto da
muralha.
O comandante
huno solta seu grito de guerra e as trombetas soam o toque de atacar. Os
guerreiros se exaltam, mais uma batalha a ser ganha facilmente pelos invencíveis
soldados de Átila, o huno. O capim gigante atrapalha o avanço, mas quanto mais
eles se distanciam do rio, menos alto ele vai ficando. Quando as primeiras linhas
de cavaleiros chegam a uns 100 metros de distância da muralha, uma coisa
inesperada acontece. De repente o chão começa a se abrir aos pés de seus
cavalos e mais de uma centena de homens, com seus animais, se precipitam em um
buraco gigantesco.
Há um fosso seco
de enormes proporções à frente dos invasores. Os francos o haviam disfarçado com
uma frágil cobertura de madeira, encimada por terra com capim mais baixo Como os atacantes avançam a grande
velocidade, é totalmente impossível deter de repente os cavalos. Dessa forma,
linha após linha, os hunos da vanguarda vão caindo no grande buraco, que tem
mais de cem metros de comprimento, seis de profundidade e uns dez de
largura. O buraco, em seu comprimento,
está instalado ao longo de todo o percurso natural para uma tropa de cavalaria,
como a dos hunos.
O ato seguinte
foi um ataque de arqueiros francos. Igualmente ocultos pela vegetação mais
baixa, mas suficientemente alta para esconder soldados deitados, os 80
arqueiros apoiaram um joelho ao chão e dispararam sua flechas mortíferas,
atingindo tanto os soldados que estavam dentro do fosso, como os que haviam
conseguido se deter a tempo, evitando a queda. Evidentemente, a formação dos
atacantes estava um caos total, o que dificultou totalmente sua reorganização
em termos de defesa e contra-ataque. Aos poucos, mais por iniciativa de alguns
do que por algum comando coordenado, os hunos perceberam que não havia como
transpor o fosso para atacar os arqueiros agressores, mas que eles poderiam
revidar com seus próprios arcos, devolvendo as rajadas de setas dos arqueiros
francos. O difícil, contudo, era conseguirem se posicionar para o ataque,
porque eles estavam nitidamente esmagados uns contra os outros na borda do
fosso e, os que estavam mais distantes, não tinham boa distância para o tiro de
arco.
Dessa forma,
antes que os hunos pudessem recuar alguns metros e se dispor em linhas de
homens desmontados, para possibilitar o melhor uso dos arcos, os arqueiros
francos continuaram fazendo sua devastação entre os invasores. E então
subitamente, ao toque de uma corneta, todos saíram correndo, muito espalhados,
em direção à muralha. Os hunos, por fim, começaram a disparar suas setas, mas
quase não alcançaram mais os arqueiros inimigos em fuga. Alguns deles,
exatamente nove, chegaram a ser atingidos por flechas hunas, como dois feridos
mortalmente e sete tendo ferimentos menores. Os arqueiros recolheram os colegas
flechados e continuaram sua corrida acelerada para a cidadela. Consigo
carregavam a duas primeiras baixas francas. E mais sete feridos, quatro dos
quais não poderiam tão cedo voltar ao combate.
Enquanto isso,
os hunos, com auxílio de cordas improvisadas, tratavam de resgatar seus homens
caídos no fosso. Mas poucos eram os que estavam em condições de subir pelas
cordas. Em sua maioria, eles estavam feridos demais, esmagados que foram pelos
cavalos pesadíssimos. Um grande número, quer de homens, quer de animais, havia
simplesmente perecido. Por mais de uma hora, os invasores ficaram dedicados ao
complexo trabalho de descerem ao fundo do fosso de seis metros de profundidade,
amarrarem os corpos dos feridos e dos mortos, e içá-los até à borda, onde os
ainda vivos começavam a receber os primeiros socorros.
Os mortos foram
deixados no fosso mesmo, só suas armas foram resgatadas. Os cavalos, não
importando se mortos, feridos ou vivos e ilesos, todos foram abandonados, pela
clara impossibilidade de retirar lá de baixo animais com até quinhentos quilos
de peso. Além do que, pelo menos para os hunos mortos e gravemente feridos, de
nada valeriam seus respectivos cavalos. Assim como, muito provavelmente, não interessaria
também aos francos esse resgate impossível.
Do ponto onde
estavam agora, a 100 metros da muralha, os hunos contemplavam com ódio os
francos que, em grande número, comemoravam mais um feito de guerra, a segunda
derrota dos invasores em menos de 48 horas. Avaliavam, num primeiro instante,
entre mortos e feridos, que suas baixas poderiam chegar a algo entre 150 e 200
homens. Um número equivalente de cavalos estava perdido naquela maldita
armadilha defensiva dos francos.
O chefe da
expedição, o huno Meltroi, voltou-se furioso para os francos no alto da muralha
e começou a insultá-los em altos brados, prometendo uma vingança terrível e a
destruição total daquela cidadela. Naquele momento, uma pessoa armou um arco de
proporções incomuns, muito grandes, e apontou para ao alto, com evidente
intenção de atingir os hunos estacionados do outro lado do fosso. Estes
começaram a rir da pretensão do arqueiro. Àquela distância?! Nenhum arqueiro
seria capaz de arremessar uma flecha tão longe assim!
Mas não era um
arqueiro. Era UMA arqueira. E seu nome era Vérica. O arco foi retesado ao
máximo, o que exigia uma força quase sobre-humana. Então a flecha saiu,
produzindo um silvo estranho, desconhecido para quase todos, na muralha ou na
beira do fosso. No instante seguinte, uma flecha de proporções descomunais
atravessou a armadura do chefe huno como se ela a fosse de pano. A ponta saiu
do outro lado. Atingido pouco acima do coração, o cavaleiro foi arremessado ao
chão, a mais de cinco metros de distância.
Os hunos se
apressaram a recolher do solo o chefe ferido e debandaram rapidamente de volta
às passagens que contornavam o “lago”. Se os francos podiam dispor desse tipo
de arco prodigioso, era óbvio que uma chuva de flechas gigantes estava para
cair sobre suas cabeças. Os cavaleiros arrancaram a toda velocidade,
ingressaram atabalhoadamente nas passagens estreitas e tortuosas, apressados
demais, sem ordem, o que fez com que vários deles tombassem, com animal e tudo,
no maldito “lago” de Châlons pela segunda vez. Por fim, conseguiram todos
chegar ao lado seguro, que era a outra margem do rio. Na pressa e temendo as
flechas francas gigantes, abandonaram os colegas mais feridos à própria sorte,
na beira do fosso.
Quando batiam em
retirada, em direção a seu acampamento fortificado, a cinco quilômetros dali,
avistaram uma enorme nuvem de poeira que se deslocava em direção ao rio, pela
estrada principal. Por via das dúvidas, aceleraram ainda mais a marcha da
retirada. Quem seriam aqueles que levantavam tanto pó na estrada? Certamente
não seriam hunos nem seus aliados. Sem dúvida, a guarnição da cidadela estava
recebendo reforços. Quantos seriam, Quem seriam? Não o puderam saber naquele
dia.
Eram os duzentos
visigodos liderados por Alana!
Uma hora depois,
os militares e os civis dentro da cidadela, Meroveu, rei dos francos salianos,
entre eles, olhavam sem acreditar, espantadíssimos, aquelas três mulheres de
extrema parecença, dotadas praticamente do mesmo corpo, mesmo rosto, mesmos
cabelos, mesma incomum beleza: Kyna, Alana, Vérica. Abraçadas as três,
comovidas e felizes, elas comemoravam o reencontro. As três sacerdotisas da
Deusa pediram licença a todos e se recolheram para conversar e praticar o
ritual especial de agradecimento. Meroveu, encantado e mais apaixonado do que
nunca, ficou a seguir Vérica com os olhos até ela desaparecer na porta de
entrada da habitação das sacerdotisas, com sua mãe e sua avó. Talvez essa noite
mesma elas consultassem a Deusa a respeito do pleito do rei dos francos. Qual
seria a resposta? No instante seguinte, temendo a resposta que viria, começou a
desejar, com toda sua força, que eles não fizessem a tal consulta ainda aquela
noite.
E foi embora,
celebrar com os seus homens mais uma vitória dos francos sobre os hunos.
CONTINUA
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