MILTON MACIEL
Resumo do cap - 15 – Vérica retorna para o alojamento
das sacerdotisas triunfante e feliz com sua iniciação sexual com Meroveu, que
deixou exaurido e desacordado. Kyna a espera com uma infusão que impede que uma
mulher engravide. Depois sua mãe e sua avó lhe dizem como se comportar com Meroveu nos próximos
dias. Alana começa a mostrar a Vérica que é possível adquirir domínio sobre a
energia sexual descontrolada. E Kyna vai tratar Meroveu, caso contrário ele
pode ficar desacordado por até dois dias.
O INSIDIOSO INIMIGO (e suas surpresas)
Assim que conseguiu
se aquietar e debelar um pouco o fogaréu de desejo que ardia em sua natureza
intensa e inquieta, Vérica lembrou que tinha um assunto muito delicado e sério
a discutir com suas colegas. Pois foi só então, já depois de meio dia, que ela
literalmente caiu em si e conseguiu se desligar um pouco da incrível
experiência daquela madrugada e manhã. E começou a se sentir culpada por ter
deixado de lado um assunto tão importante.
Então, assim que
Kyna regressou dos aposentos de Meroveu, depois de tê-lo medicado longamente,
Vérica dirigiu-se às duas sacerdotisas:
– Avó, Mãe, eu
tenho um revelação grave para fazer a vocês. Com a euforia do que me aconteceu esta
manhã, acabei esquecendo e isso não é bom.
– Humm...
Traição! Sim, isso é muito grave mesmo, criança.
– Sim, Avó, vejo
que, como sempre, não é preciso gastar muitas palavras com vocês.
– Não é preciso
mesmo, minha filha. Sua avó e eu temos a visão também para isso. Assim como você,
também. Afinal, a cena que nós estamos vendo agora, só o estamos fazendo porque
você teve a visão dessas duas mulheres primeiro.
– Isso mesmo,
Alana. Mas vamos tratar de dar mais nitidez a essa visão. Vamos usar a água sagrada.
Criança, prepare o tripé.
– Imediatamente,
Avó!
Poucos minutos
depois as três sacerdotisas, reunidas ao redor do tripé, viram a superfície da
água sagrada turvar-se e o vapor começar a subir turbilhonante. Em questão de
segundos as imagens de três mulheres começaram a se formar, cada vez mais
nítidas. Então, tal qual aparecera para Vérica fugazmente, a cena das duas
mulheres mais jovens com os soldados, os dois que estavam de sentinela na
muralha norte, voltou a se desenrolar com
nitidez e profusão de detalhes, no meio do vapor.
Efetivamente as
mulheres haviam seduzido os soldados ainda antes que eles subissem para suas
posições na muralha. Depois, infringindo o regulamento, os dois homens as
receberam na calada da noite. As mulheres lhes levaram vinho e rapidamente se
desnudaram e fizeram amor com eles, ali mesmo dentro das ameias. Quando o vinho
com narcótico terminou de fazer efeito, coisa de meia hora aproximadamente,
cada mulher apunhalou pelas costas o homem que havia atendido. Depois, em
conjunto, juntaram suas forças e arremessaram um homem de cada vez do alto da
muralha. A razão de usarem tanta força foi procurar precipitá-los o mais
afastados da muralha que pudessem, para que os corpos não caíssem no fosso da
muralha, onde fariam muito barulho ao atingirem a água. Caindo depois do fosso,
a grande camada de capim gigante amorteceria a queda e o ruído seria muito
menor.
As três
sacerdotisas deixaram que os vapores se dissipassem e que a água se acalmasse.
Então focalizaram suas mentes na superfície agora tranqüila, que funcionava
nessas condições como um espelho perfeito. Confirmaram no espelho a visão do
rosto de cada uma das mulheres, agora uma de cada vez, detidamente, para que
pudessem fixar na mente cada um dos mínimos detalhes do que viam. As três
mulheres estavam completamente identificadas. Bastaria agora que as procurassem
no meio da população civil.
A terceira
mulher, que parecia mais velha, deixou as sacerdotisas celtas um tanto
perplexas. Não havia dúvida que as primeiras duas mulheres assassinas eram
visigodas. Mas a terceira, que identificaram como a cabeça pensante do grupo,
surpreendeu-as plenamente. Primeiro porque ela era HUNA. E segundo, porque ela
era ELE! E terceiro porque ele era um...
– Um eunuco! – a
exclamou Vérica, excitada – E é um huno!
– Criado pelos
hunos, Vérica. Mas foi uma criança dos ostrogodos. Foi escravizado e feito
eunuco quando criança. Serviu aos hunos como servo e como objeto sexual. Foi
criado para ser mulher. E aprendeu um pouco das feitiçarias rudimentares dos
hunos. Não chega a ser perigoso nesse campo, mas se torna perigoso porque sua
mente foi dominada totalmente por seu tutor, que me parece não ser huno, mas
romano. Hoje ele age como um fanático e um assassino.
– Devemos
eliminá-lo imediatamente, mãe. Cortar o mal pela raiz. Vamos procurá-lo já?
– Não, Alana,
minha filha. Sinto que devemos agir com mais cautela com essa criatura. E que
devemos deixá-lo com uma certa liberdade de ação, para que possamos nos
inteirar de sua maneira de agir, seus contatos externos e...
– Contatos
externos, avó?! Esse homem é um espião que consegue se comunicar com os hunos
lá fora?
– Certamente que
sim, menina. Como acha que eles combinaram o ataque que nos abortamos na
noite passada? Aliás, que você abortou,
pois foi você que os viu antes que atacassem e foi você que os botou para
correr com suas flechas gigantes.
– Ah, sim, eu! E
onde fica o fogo grego de vocês, suas danadas?
– Bom está
certo: Suas flechas e nosso fogo! Mas foi sua sensibilidade e intuição que nos
salvaram a todos das flechas incendiárias dos hunos, que poderiam ter causado
um terrível estrago nesta fortaleza. O mais importante foi você tê-los pressentido
antes e visto depois, na escuridão da noite.
– E graças à sua
raiva e à sua cabeça-quente, sua desmiolada. Foi isso que nos salvou, afinal.
Se você não tivesse corrido feito uma louca para a floresta, não teria voltado
de lá no tempo certo de descobrir a presença dos hunos. Bendita esse sua cabeça
de fogo grego, minha filha!
– Está vendo, Mãe!
E Avó! Nem sempre esta menina explosiva e cabeça-quente está errada!
– Minha filha,
você vai aprender, quando a maturidade lhe chegar, que a cabeça-quente está SEMPRE
errada. O que aconteceu é que a Deusa testou você, sabendo qual seria sua
reação previsível, isto é, de maluca. E ele a fez retornar na hora certa para
que você pressentisse e visse os inimigos avançando. E isso nos salvou de um
grave problema na fortaleza.
– Então foi a
Deusa?!... – E Vérica arregalou os olhos, enquanto pensava na informação que a
avó lhe passara nesse instante. Foi Alana quem lhe respondeu:
– Sim, minha
filha, você não deixou sequer que nós a consolássemos, partiu como um raio
dizendo que não ousássemos segui-la. E, nessa reação de raiva e descontrole
fulminantes, você deixou de ouvir toda a instrução que a Deusa nos deu, durante
a consulta que lhe fizemos. Se nos tivesse ouvido civilizadamente, não teria
passado por um terço do sofrimento que passou.
– Mas... mas
como assim, Mãe? O que mais havia para eu saber?
– Mais tarde sua
mãe e eu lhe diremos tudo, se você não sair correndo para o mato de novo. Mas
agora temos que voltar ao nosso trabalho com as mulheres visigodas e o eunuco
ostrogodo dos hunos.
As três voltaram
a sentar ao redor do tripé. Kyna tomou da vareta, aspergiu, da água sagrada,
finas gotas sobre as vestimentas de cada uma das três sacerdotisas e todas
retomaram a concentração ritualística por mais meia hora.
Quando
terminaram, Kyna foi a primeira a falar:
– Pobre menino!
Os hunos transformaram uma alma boa num fanático assassino. Mas eu lhes digo
que isso é muito mais um acorrentamento
mental do que maldade propriamente dita. Ele age por patriotismo e age
impulsionado para o mal pela mente perversa que o controla. Pois nós vamos agir
de uma maneira diferente com essa criatura. Não vamos eliminá-lo. Vamos curá-lo
e libertá-lo de seus grilhões mentais. E então vamos ver como agirá sua
verdadeira natureza.
– Mas isso não é
perigoso, Avó?
– Perigoso é
quase tudo na vida, minha querida. Não é isso o que importa. Mas agora vamos
sair, sim, para localizar as três pessoas. Só não vamos fazer nada ainda. Nós
precisamos que todas elas pensem que sua ação não foi ainda percebida.
– E os corpos das
sentinelas que elas jogaram no capinzal rente ao fosso? Logo, logo eles serão
descobertos. Assim que os soldados começarem a ter um mínimo de organização e
comando, eles vão procurar pelas sentinelas, responsabilizando-as pela não
descoberta dos hunos.
– Só que não vão
encontrar os corpos, não é mãe?
– Não, filha. Nesta
manhã, enquanto todo mundo descia atabalhoadamente para combater o incêndio, as
nossas amigas terminaram seu trabalho.
– Sim! Sim, Avó,
agora eu posso ver também. Elas os jogaram no fosso, com pedras amarradas para
submergi-los. As duas mulheres e um homem mais alto, que as ajudou. Ué, quem
será essa quarta personagem?
– Ora, é a
terceira personagem, criança. O nosso eunuco vestido de homem.
– Ah, então é
assim que ele se disfarça!
– Sim, filha, um
homem comum no meio dos outros. Temos quase mil civis aqui dentro. Ele pode se
apresentar como quiser: camponês, servo, comerciante, qualquer coisa que não
exija uma aparência muito máscula, como seria forçoso num soldado, por exemplo.
– Então, Mãe, o
que temos que observar é duas mulheres entre todas as outras e um homem entre
todos os outros?
– Sim, querida.
E nós os reconheceremos com toda a facilidade, não é?
– Claro que sim,
Mãe. Eu jamais esquecerei essas três fisionomias.
– Pois então
vamos, minhas filhas. Já é hora de localizarmos essas três pessoas. Mas não
esqueçam que nós podemos identificá-las facilmente, mas elas não podem
perceber, em momento algum, que foram descobertas por nós. Sejam, portanto,
discretíssimas. Ah, a propósito, para que lado vocês acham que devemos ir?
– Muralha leste!
– foi a resposta simultânea, em uníssono, de Alana e Vérica, que, já na porta,
voltaram-se para a direção escolhida. Kyna, com um sorriso de satisfação,
limitou-se a segui-las. Mas se retardou um pouquinho, enquanto seu sorriso
passava da satisfação para o enigmático, e ela pensava: Ah, essas jovens! Ainda têm tanto que aprender!...
E lhes falou
então:
– Vão na frente,
preciso dar mais uma olhada no rei Meroveu. Logo depois eu as alcanço em frente
a muralha leste, mais exatamente na fonte de água, não é? É ali que você sabem que vão encontrar as duas mulheres. Estou certa?
– Certíssima ,
Avó! – e as duas saíram sorrindo, de braços dados, andando celeremente em
direção à fonte.
Kyna esperou que
elas sumissem de vista, voltou ao alojamento e destrancou a porta. Depois,
deixando-a assim, visivelmente destrancada saiu andando calmamente pela rua. Ao
cabo dos primeiros duzentos metros, deteve-se e ficou encostada à parede do
estábulo dos cavalos. Não tinha dúvida nenhuma: um vulto escondido atrás de uma
coluna de trabalho a estava observando no momento em que ela havia saído.
A
sumo-sacerdotisa ficou esperando calmamente até que sentiu que era o momento
certo de voltar a se movimentar. Então caminhou devagar de volta ao alojamento.
Quando chegou, a porta estava fechada. E a pessoa que esperava estava lá
dentro. Kyna abriu a porta lentamente, sem fazer qualquer ruído e entrou. O
homem alto, de cabelos negros cacheados, que estava abaixado remexendo seus
antigos documentos egípcios, não a percebeu. Kyna deu mais dois passos e falou:
– Ermanaric, eu
o esperava, seja bem-vindo.
O homem levou um
susto enorme. Ergueu-se tremendo visivelmente e encarou a grande sacerdotisa.
Era uma criatura de uma beleza impressionante. Seu rosto tinha traços delicados
e perfeitos, que caberiam bem tanto em um rosto feminino quanto num masculino.
Os olhos eram negros e densos, os cabelos se espalhavam em cacho pretos de rara
perfeição e simetria, que caiam naturalmente sobre seu ombros. O corpo era
esguio e rijo e, sob a túnica de caimento justo, parecia muito mais feminino
que masculino. No nariz delicado, de ponta afilada, as duas narinas pulsavam
rápidas, traduzindo o nervosismo de que estava tomado. E não era para menos:
ninguém, mas ninguém mesmo que estivesse vivo hoje sabia que a bela mulher huna
Hilduara tinha um dia sido chamada, quando ainda era um menino muito pequeno,
pelo nome ostrogodo de Ermanaric.
Kyna percebeu o
estado tenso do homem – ou mulher – à beira de ter um desmaio. Adiantou-se mais
alguns metros e ajudou-o a sentar num banco forrado. Então retirou de um bolso interno, em sua veste sacerdotal, um pequeno frasco e aproximou-o do nariz de Ermanaric.
Este teve um estremecimento e pareceu voltar à consciência plena, o que lhe
permitiu dirigir-se à sacerdotisa:
– Como... como
sabe? Como pode saber? Há trinta anos não tenho mais esse nome... – e precisou
parar, novamente, para conseguir respirar.
– Trinta anos
atrás transformaram você na menina Hilduara.
CONTINUA