segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

UM PREFÁCIO MUITO LOUCO    
MILTON  MACIEL

  Confesso que já li prefácios adoráveis. É maravilhoso ver um personagem conhecido, daqueles que são realmente fazedores de opinião, de preferência uma autoridade, escrever um par de páginas tecendo elogios ao autor e a seu livro. Extrair uma frase forte desse texto e imprimi-la na última capa do livro é uma quase garantia de sucesso e de vendagem. 

   Meu editor, um mercenário sanguessuga e mesquinho, exigiu-me, como uma de suas muitas draconianas condições para que aceitasse publicar este livro, que eu lhe arranjasse esse tipo de testemunho de um famoso qualquer. Não sei por que cargas d’água, o homem encasquetou que tinha que ser uma personalidade do sexo masculino: Olhe lá, mulher não serve! 

   Pudera, eu sempre achei que esse pernóstico é um machista miserável. Azar meu, pois eu poderia conseguir o testemunho de minha mãe, que, afinal, é diretora de uma escola municipal em Faxinal do Soturno, no Rio Grande do Sul, uma autoridade da educação, portanto.

   Confesso também que escrevi eu mesmo um prefácio adorável, daqueles cheios de elogios ao autor. Tenho certeza que, ainda que com certa dificuldade, poderia convencer minha mãe a assiná-lo, tendo, na certa, que pagar-lhe uma quantia em dinheiro. Mas, mãe é mãe e o preço seria de mãe para filho; além disso, eu tenho certeza que ela me facilitaria o pagamento em até seis prestações, desde que eu concordasse, é claro, com os seus juros, que remédio!

   Mas com a exigência do meu editor – um unha-de-fome que me fez assinar o contrato mais leonino que eu já vi ser enfiado goela abaixo num escritor desesperado, a ponto de o adiantamento ser pago em cestas básicas e, assim mesmo, somente duas  – fui obrigado a sair a campo para conseguir um prefaciador famoso. Um homem!

   Bem, não foi fácil. Começa que nenhum famoso quis me receber. E, dos quatorze a quem enviei o manuscrito do meu livro, não recebi jamais qualquer resposta. Consegui, a caro custo, cair nas boas graças da empregada de um deles, pedindo-lhe que rastreasse meu manuscrito no escritório do douto senhor. Mas tudo o que obtive foi a informação de que ele estava, com envelope e tudo, servindo de calço a uma velha mesa de pernas desconjuntadas.

   Ao penúltimo endereçado, resolvi fazer eu mesmo um cerco indireto. Indireto, porque se baseava em observações levadas a efeito do lado de fora da casa do nobre acadêmico estadual. Como eu receava, encontrei meu material, dias depois, na lata de lixo do safado.

Ofendido, retirei-o dali e fui negociar minha derradeira alternativa: um poeta bêbado que já tivera dois livros publicados, há coisa de vinte anos, antes da decadência. Caramba, era melhor do que nada! Aceitei pagar toda a enorme quantia que o abusado me pediu, embora ele se recusasse terminantemente a ler meu livro (Não tenho saco pra isso, pague que eu assino qualquer porcaria, pô!).  Mas, imagine só, meu editor, o bestalhão, não aceitou o vate como meu prefaciador.
 
   Aí entrei em desespero e escrevi esta peça aqui como desabafo. Pois o doido do editor viu, adorou e resolveu colocá-la como prefácio do livro. Perguntei se ele não se ofendia com os meus termos e ele disse que sim. Chamei-o de masoquista e ele concordou. Durma-se com um barulho desses!

PREFÁCIO DO LIVRO:

ATALIBA, UM PAULISTANO FELIZ
Milton Maciel – IDEL, 2009 – 240 pgs
Um romance bem humorado sobre o paulistano que mais adora sua cidade: Ataliba, que nada possui e que não trabalha há 936 semanas. Tem, assim, todo o tempo do mundo à sua disposição. Com ele, Ataliba se dedica a levar aos outros habitantes da metrópole, sempre angustiados e assustados na louca corrida pelo dinheiro, pela segurança e pelo próprio tempo, um pouco do seu inesgotável bom humor, de sua infinita alegria de viver e de sua capacidade de descomplicar tudo ao seu redor. Mestre Ataliba distribui amor a suas “redonzelas”, mulheres tornadas donzelas novamente, só que agora na alma, por causa das grandes desilusões amorosas sofridas.

2 comentários:

  1. Esse é o Milton!
    Agora compreendo porque certos prefácios parecem ser copiados do texto do livro que prefaciam...

    Donald Malschitzkt

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    1. Pois não é? Obrigado, amigo Donald Malschitzky, grande escritor.

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