Ou De Como me Ferrei Traduzindo Inglês (e
de como isso foi o melhor negócio!)
MILTON MACIEL
Ô língua desgraçada essa de americano, o
tal de inglês! Descolei um bico aqui na Glória, no hotel. Um ajudante de valet se mandou com uma cabrocha e não
deu mais as caras. O hotel ficou em necessidade e aí o Moqueca me indicou pra
vaga. Os caras tavam tão a perigo que nem teste fizeram comigo. Mas me exigiram
uma coisa: Você fala inglês? Porque tem
que falar alguma coisa e entender o que os gringos pedem. Você se vira com
inglês?
Na hora eu gelei e menti: Iéssér, ta tudo dominado, bróder. O cara
engoliu e me deu a vaga. Aí eu fiquei na maior fria, é claro, com medo que
algum hóspede gringo viesse falar direto comigo. Mas não deu outra, menos de
uma hora depois já veio o primeiro e falou um treco esquisito assim:
– Rauareiudúin – Foi
mais ou menos isso.
Eu fiz que não era comigo, acenei pro outro
lado da rua e saí correndo, como se fosse atrás de alguém. O gringo pegou outro
pra cristo. Me safei, mas foi por pouco. Aí fui pedir socorro pro Moqueca. O
negão tremeu todo aquele enorme barrigão, na maior gargalhada com o meu
problema. Mas aí ele foi legal, disse que ia afanar um dicionário de inglês que
tinha na portaria e trazia pra mim.
Não sei pra que isso! Quando peguei aquele
troço na mão, bróder, era só coisa que ninguém pode entender. Mas o Moqueca
disse que foi assim que ele se desapertou, mais a ajuda da Raíssa, que se
virava em Copacabana e tinha uma pá de cliente gringo, trasava legal um monte
de palavrório de americano. Mas aí eu dei um arrocho no Moqueca.
– Ta,
mas e o tal de rauareiudúin, como é que fica? Moqueca rebateu na hora:
É ingreis, mano, é Rau are iu duing, qué dizê que eles ta te cumprimentando, que nem
se dissesse E aê, tudo legal? O Rau qué dizê Como. O iu é você mesmo, mermão. E o duin quer dizer fazendo. O are eu não sei, acho que ta ali de
bobera, não faz falta traduzir.
Eu estranhei: Ué, quer dizer que eles me
cumprimentam querendo saber como é que eu tou fazendo?! O Moqueca confirmou: Língua de doido, sô! De qualquer jeito, mais na minha, voltei pro
meu lugar e fiquei esperando o próximo gringo. O Moqueca me ensinou que, quando
você não entende, deve dizer sempre iéssér
ou então veriuél, que aí os gringos ficam contentes.
O próximo gringo era uma gringa. Alta,
loira, é claro, queimada como camarão e quarentona. Fiquei esperando o rauareiuduin para responder vériuél. Pois o diabo da gringa veio com
outra coisa:
– Rauduiudu?
– E eu me ferrei de novo! Arrisquei um vériuél
e ela ficou satisfeita, até riu pra mim: Gud,
véri gud.
Dei o golpe do aceno de novo e corri pro Moqueca. Que raio queria dizer
isso, os gringos mudavam o jeito de chegar na gente assim, é? O Moqueca curtiu
de novo com a minha cara e falou:
– Olhai, mermão, tu tem que intendê as
palavra, saco! Esse tal de du quer
dizer fazer. O resto fica fácil.
– Então dessa vez a gringa não quer saber como eu estou fazendo, ela quer saber como
é que eu faço. É isso? O Moqueca
fez com a cabeça que sim, que era mais ou menos isso.
Coisa estranha esses americanos!
Cumprimentam perguntando como é que e gente ta fazendo. Ou então como é que a gente faz. Mas
faz ou ta fazendo o quê? Será que é o que eu to pensando? Muita cara de pau
deles! Mas é gente de outro país, sabe lá como eles não são abusados por lá.
Aí a coisa continuou por uns dias sem
maiores problemas, um gringo velho e aquela gringa vermelha eram os únicos que
pareciam ter preferência por mim. O homem sempre me perguntava como é que eu to
fazendo. E a mulher sempre perguntava como é que eu faço. E ela sempre sorria e
piscava o olho pra mim. Aí saquei o que a gringa tava querendo. Era mesmo o que
eu tinha imaginado. Ela queria saber como é que eu faço aquilo, tava na cara! O jeito de sacana dela não deixava dúvida.
Aí me preparei pra guerra. No outro dia, eu
cheguei com um albumzinho de fotos desses de revelações de uma hora. Ali eu
tinha uma boa dúzia de fotos minhas com a Guiomar, a gente na cama e no chão do
motel, fazendo as coisas de tudo que é jeito, uma beleza. A gente armava a
máquina pra 30 segundos, corria pra posição e clic! Ficou um espetáculo. Agora
é que a gringa ia ver como é que eu faço o negócio sério. E não deu outra.
Assim que ela veio, toda sorridente e me perguntou, piscando aquele olho
sacana, rauduiudu, eu respondi na
mesma hora iéssér e estendi o álbum
pra ela, já aberto na primeira foto.
Pensei que a gringa ia ter um troço!
Primeiro ela arregalou os olhos, com cara de susto. Depois ficou duas vezes
mais vermelha do que já era. Aí olhou pra mim com cara de furiosa e falou alto:
– Rauduiudér?!!!
Ariú creizi? Rauduiudér?!
Não entendi! A gringa parecia furiosa. Mas,
apesar disso, ela olhou todas as fotografias, me olhando com cara de reprovação.
Aí ela jogou o álbum no chão, na minha frente e saiu falando um monte de coisa
naquela língua arrevesada dela.
Aí eu fiquei assustado. Será que a gringa
achou que eu fazia as coisas muito mal? Ou bem demais? Achei depois que era
porque, no país deles, eles devem de fazer tudo muito diferente, então. Claro,
corri pro Moqueca. Mas ele não sabia o que era aquela história de rauduiudér, de ariucreizi.
Então a gente foi até a recepcionista, que
é fera em inglês e a gente falou o que a gringa tinha gritado pra mim: rauduiudér e areiucreizi. A moça explicou, escrevendo pra gente ver como era;
– How
do you dare significa Como você ousa.
E Are you crazy quer dizer Você é louco?
Aí o caldo engrossou pro meu lado: um
gerentezinho imbecil estava ouvindo tudo e foi me entregar pro chefe geral, o
japa. Rua na mesma hora! Me mandaram embora e fim de papo. E o pior é que eu
continuava sem entender. O raio da gringa me perguntando, com ar de safada,
como é que eu faço e quando eu, porque não podia falar a resposta, levei o
álbum, ela acaba ficando uma fera.
Bom, voltei pro barraco, peguei o violão e
comecei a me dedicar a criar o próximo samba-enredo da Estácio. Esse ano tenho
certeza que vou emplacar, junto com meus parceiros. Passei a tarde inteira na
rede, tocando, compondo e mandando umas brama. E aí aconteceu a coisa mais
estranha de toda a minha vida, algo que eu nunca podia esperar.
Lá embaixo eu vi um táxi parando e o
motorista mandando os moleques pedir autorização pras chefias lá em cima, pro
passageiro poder subir. Não, claro que não é isso a novidade, isso é super
comum, porque se o cara sobe sem autorização, leva chumbo na primeira curva.
Mas o incomum foi o que veio depois. Eu esqueci a coisa do táxi e voltei a
tocar meu samba, beber minhas cevas, quando o tal do passageiro encosta na minha
rede, no meu barraco e fala comigo:
– Raí
rânei, raudoiudu?
Levei o maior susto, gente! Pois se era a
gringa vermelha em pessoa! Aí ela foi logo me pegando, me beijando, passando a
mão em tudo que era lugar, falando um monte de coisas sem parar, parecia que
tava com uma fome de anteontem. E olha que tava mesmo, porque foi difícil matar
a fome da mulher!
Conclusão: a gringa tinha se amarrado nas
fotos do albumzinho, deu uma de fazer doce na hora, mas quando soube que tinham
me mandado embora, ficou uma fera com o gerente do hotel. O Moqueca me contou
que ela só faltou dar porrada no cara, um japonezinho baixinho que só se
curvava o tempo inteiro, pedindo perdão. E ela exigiu o meu endereço, que o
Moqueca passou na mesma hora pro João Fancha, um motorista de taxi que faz ponto
no hotel. E a gringa veio atrás de mim. Essa é a história incrível!
E agora o mais difícil de acreditar ainda:
Amanhã o papai aqui está embarcando pros Esteites, com o violão, pra mostrar o
meu samba pra gringalhada. A gringa, que aliás se chama Márion, tá me levando,
vou morar com ela em Miami, que ela diz que é quentinho e tem praia como o Rio,
pra eu não estranhar. Com todas as mordomias e uma boa grana. E o gostosão aqui
só tem que comparecer todo dia nos conformes das fotos com a Guiomar. Foi só o
tempo de tirar o meu passaporte e o meu visto de artista, ela tratou disso
pessoalmente no Consulado, se responsabilizou por mim. Durante esses meses,
fiquei no hotel como hóspede, meu
chapa! No apê da gringa, quer dizer, da Márion. Tirando onda com a cara do japurunga que me demitiu, fazendo ele de
capacho, dando cada puta gorjetão pro Moqueca.
Ah, se eu aprendi inglês? Ainda estou no iéssér e no vériuel. Isso
é suficiente pra o que eu tenho que fazer. Nessas horas, o discurso é sempre
ela que faz.
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