Série OS POEMAS DA SOMBRA – No. 2: TRÔPEGO PASSO
MILTON MACIEL
2 - A Sombra
e os Relacionamentos
“I looked and looked and
this I came to see:
That what I thought was you and you,
Was really me and me”
Autor desconhecido
Olhei e olhei e isto eu pude ver:
Aquilo que eu pensei que era você e você,
Era realmente eu e eu.
(LOGO APÓS O POEMA, TEMOS O TEXTO EXPLICATIVO SOBRE A
SOMBRA NOS RELACIONAMENTOS)
TRÔPEGO PASSO
Milton Maciel
Trôpego passo meu, em meio à multidão,
Onde me levas, assim lasso e cambaleante?
Haverá sina pra este meu andar errante?
Alcançarei mais do que a poeira deste chão?
Se mal me arrasto pelo passadiço angusto,
É que,
perdido, meu percurso é desatino.
E, quando penso ter chegado a meu destino,
O que encontro é só meu leito de Procusto.
Nele eu suporto a mais terrível das
torturas,
Que é recordar seu olhar frio e indiferente,
A me dizer que o seu desprezo é permanente
E que, à frente, só terei penas mais duras.
Estou prosternado neste tremedal tremendo,
Vendo que a vida se me esvai a cada instante,
Você, de mim, a cada dia mais distante,
E eu, sem você, a cada dia mais sofrendo.
Ah, e pensar que o findar das minhas penas
Ocorreria a um simples gesto seu... apenas!
(*) LEITO DE PROCUSTO: esse Procusto era um criminoso sádico de Elêusis, Grécia antiga. Ele recebia hóspedes em sua casa e lhes dava uma cama para dormirem. Então, se o hóspede fosse maior que a cama, amarrava-o e cortava-lhe os pés. Se fosse menor, esticava-o com cordas, num suplício horrível. Sempre tinha como se divertir, pois, na verdade, tinha dois quartos de hóspedes com camas de tamanhos bem diferentes. Teseu matou-o: amarrou-o atravessado em uma de suas camas e o fez caber, cortando-lhe as pernas e a cabeça (romântico isso, não? Ao menos os sádicos devem achar). Leito de Procusto passou para a literatura como sinônimo de ambiente de torturante sofrimento.
SOMBRA, RELAÇÃO E PROJEÇÃO
Um dos campos
onde A SOMBRA se manifesta mais intensamente é o dos RELACIONAMENTOS. Este é o típico ambiente
psicológico onde
funciona livremente o mecanismo denominado PROJEÇÃO. O nome não poderia ter
sido mais bem escolhido. No processo psicológico de Projeção, tudo se passa como se nós passássemos uma
tinta branca na outra pessoa, evitando ver como ela é realmente, e ligássemos nosso projetor sobre essa nova tela,
projetando ali as imagens que queremos
ver.
Essas imagens
são de duas
categorias gerais. Podemos chamá-las, para simplificar, de Meus Defeitos
e de Minhas Necessidades.
Meus Defeitos
A Sombra
costuma nos pregar esta peça: nós projetamos
em outra pessoa com quem nos relacionamos nossos defeitos e nossas piores
qualidades, aquelas que, exatamente, NÃO QUEREMOS acreditar que sejam nossas. Então atraímos (ou nos sentimos atraídos por, o que dá no mesmo) alguém que terá esses defeitos
e más qualidades.
A Sombra nos leva a escondermos essas qualidades negativas de nós mesmos e
escalamos um outro para vivenciá-las através da relação conosco. Então passamos a representar
um ato de teatro na vida, no qual vamos ser forçados a trabalhar esses mesmas qualidades
negativas através de nossas
relações amorosas,
familiares e até mesmo
profissionais.
Minhas
Necessidades
Aqui o jogo
de Projeção é ainda mais
sutil e, via de regra, muito mais desgastante, respondendo pela quase
totalidade daquilo que aprendemos a chamar de DESILUSÕES amorosas. Nesse caso, depois de passar a tinta
branca sobre a pessoa (isto é, depois de ignorarmos solenemente os sinais que ela nos dá sobre a sua
realidade – fazemos isso
sempre que nos APAIXONAMOS!), nós projetamos sobre ela não mais qualidades negativas nossas, mas qualidades positivas pelas quais
ansiamos, que nosso inconsciente sinaliza como necessárias para nós. Nossas Necessidades,
em resumo.
Só que essa
pessoa NÃO TEM essas
qualidades! Nós é que a
encarregamos de representar esse papel, que lhe damos todos os sinais do que
queremos que ela tente representar para nós. A moça gosta de flores, de poesia, de Pablo Neruda, de Centro Espírita, de cachorrinhos,
de ginástica rítmica. Ela
projeta esses anseios num cara é mais do funk, do MMA, agnóstico, odeia bichos e acha esse negócio de flores a maior frescura. Mas, na fase de
conquista, todos nós procuramos apresentar
só o nosso lado
bom. Então toca mandar
flores, pedir pro amigo escrever os cartões idiotas, comprar livro de Neruda e decorar
umas curtas passagens naquela língua do Peru (Neruda é do Chile, seu idiota!) – uma barra! – e agüentar aqueles
cachorros nojentos babando na mão.
É claro que
uma situação assim não pode se
manter por muito tempo. Ninguém pode ser personagem o tempo todo. Um dia o cara cansa, tira a maquiagem
e a roupa de herói, cai no funk,
fala que odeia Neruda e cachorro, não necessariamente nessa ordem, e
ainda reclama do quanto de dinheiro que botou fora na florista. DESILUSÃO! Que é apenas o
caminho de volta da Ilusão.
Mais adiante
na série, vamos
enfocar este mesmo assunto com mais profundidade. (MM)
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