MILTON MACIEL
Saquarema, 2 de
Janeiro. Por quase toda Região dos Lagos, em quase toda Saquarema e
absolutamente em todo Bacaxá, o segredo das infidelidades de Toninha é um
segredo de polichinelo. Que é um segredo que todo mundo está careca de saber, só
alguns tontos persistem em acreditá-lo realmente desconhecido. No caso, um dos
tontos é a própria Toninha, que acha que ninguém, inclusive seu marido
Ariosvaldo, sabe de nada. Bom, pelo menos quanto a isso ela está com a razão. De
fato o Ariosvaldo não sabe de nada. Portanto o outro tonto é o marido mesmo.
Mas isso é mais
do que compreensível, porque dita a boa regra que o marido deve ser o último a
saber. Nem tão boa assim, porque há quem discorde. Uns são os maridos em geral,
é óbvio. Mas outra discordância, muito mais importante, é a que vem do falecido
Nelson Rodrigues. Ele escreveu: “O marido não deve ser o último a saber. O
marido não deve saber NUNCA!”
Pois esse é
também o credo da Toninha: O Ariosvaldo não deve saber nunca. Não que ela se
importe muito com a reação dele, se souber, porque ela tem certeza que o marido
é, no fundo – que no fundo só, que nada, na frente também, inteiro! – um grande
banana.
A Toninha faz
dele gato e sapato. Mais sapato do que gato, considerando o jeito como ela pisa
no infeliz. Ali no bairro todo mundo sabe das aventuras dela com o elenco quase
inteiro do Boa Vista, o time de futebol. E também comentam, e não a boca
fechada, de como ela costuma passar em revista, um após outro, um bom rol de rapazes
estudantes da Escola Técnica, quase vizinha da casa dela. A Toninha é assim, um
caso raro de apetite insaciável, marido algum no mundo poderia dar conta de tal
Pantagruel de saias, ainda mais que o que ela gosta de comer é fruta de outra
natureza.
Uma coisa notável
é que ela costuma se divertir com as denúncias que o Ariosvaldo recebe, há
ocasiões em que chega mais de uma por dia. Ela coleciona tudo, não deixa
destruir nada: bilhetes, cartas anônimas... Ah, disso ela tem um alentado
arquivo, que faz questão de manter sempre atualizado. Antes guardava tudo em
caixas – e bota caixas nisso! – de sapato. Depois, informatizou-se. Agora ela obriga
o tonto do Ariosvaldo a digitar todas as denúncias no computador e salvar em
arquivo interno e pendrive. É uma vaidosa, uma narcisista.
Ela justifica, dizendo
pra ele que quer reunir o máximo de provas para depois contratar um detetive
que seja capaz de identificar cada uma das pessoas autoras daquelas centenas de
cartas (sim, são centenas!) e bilhetes maldosos e infamantes. Aí pretende
processá-las todas por difamação e calúnia. O marido, achando que já havia
material mais do que suficiente, chegou inclusive a lhe trazer um detetive de
Niterói, para iniciar a investigação. Mas tudo o que a Toninha fez foi convencer
o panaca do Ariosvaldo que ela precisa ir duas vezes por semana a Niterói, para
explicar cada uma das cartas, com detalhes, para o detetive. Geralmente vai de
manhã é só volta de noite, não quer que o detetive deixe nenhuma carta sem
investigar, dá um trabalho!...
Por outro lado,
ela está agora passando em revista os possíveis advogados da Região dos Lagos,
para decidir quem irá representá-la no processo. Tarefa que também demanda
muito tempo, o Ariosvaldo compreende. Inclusive tempo noturno, porque a maior
parte dos advogados se recusa a tratar do assunto no escritório durante o
expediente diurno. O que ela diz para o marido eu não consigo imaginar mas,
seja o que for, o tapado aceita.
Aliás, ele
acredita piamente que a mulher tem algumas inimigas impiedosas, que não se
conformam com a beleza da Toninha, e que ficam tentando acabar com o casamento
feliz que eles têm. Pura inveja, querido!
Essas mal-amadas não se conformam com
o nosso amor, tão perfeito, tão lindo, tão fiel.
Se é verdade que
o pior cego é o que não quer ver, então o Toninho é o pior cego de Saquarema.
Devia usar bengala e cachorro o tempo todo, até pra tomar banho. Mas o fato é que
ele não acredita em nada que disserem contra a Toninha e fim de papo! E dessa
forma o casamento deles já dura cinco anos.
Eu mesmo já andei
naquelas águas revoltas e gostosas da mulher do Ariovaldo. Por baixo (desculpem
o trocadilho), uma cinco vezes. Ou seis, sei lá se dá pra contar aquela
ligeirinha de pé na sacristia, quando tive que me arrancar (literalmente!) com
um salto ornamental, quase que o Padre Sebastião nos pega em flagrante.
Pois é, como
digo, esse é o segredo de Polichinelo de Saquarema. No fundo, todo mundo sabe e
centenas de pessoas se comprazem em denunciar o tal segredo ao corno do Ariovaldo.
Mas não adianta. O que fazer, se na verdade até o Padre Sebastião sabe de tudo,
mas é obrigado a calar pelo segredo de confessionário?
Sim, porque a
maluca da Toninha se confessa todas as semanas e é claro que conta tudo pro
padre. Aliás, acho que tem o maior prazer (é literal, também!) fazendo isso.
Explico: Tão devota ela é, que não precisa mais se ajoelhar em frente ao confessionário
na igreja. Como deferência toda especial a sua fiel (?!) paroquiana, a Toninha agora
pode se confessar na casa paroquial, nas quartas-feiras, quando o padre fica
sozinho, coitado. Pois é!... acho que isso nunca vai mudar...
Saquarema, 12 de
Janeiro. Errei feio. Hoje tudo mudou! A Toninha está chorando pelos cantos,
inconsolável. Pagou pela sua bazófia, pela sua imprudênca, pela sua vaidade.
Pois o Ariosavaldo entrou ontem à tardinha com um processo de divórcio por
traição contumaz. Entregou as caixas antigas e o pendrive atualizado com
centenas de denúncias anônimas e comprou o tal detetive, que acabou trabalhando
pro marido. Comprovou um monte de casos da Toninha. Agora ela está perdida, vão
arrancar metade de tudo o que ela tiver. Bem, isso não é surpresa, afinal. Tem
sempre um dia em que a casa cai, nesses casos.
Mas o mais
estarrecedor foi o que eu fiquei sabendo, isso sim a boca fechada (já explico!).
E esse não é, de maneira nenhuma, um segredo de polichinelo. Esse esteve o
tempo todo guardado a sete chaves. E é chocante.
Sabe o Dr.
Bernardino, o representante do Ariosvaldo? Pois é, ele estava armando a coisa
toda há um bom tempo, na moita, na surdina. E eu acabo de saber em primeira
mão, revelação de uma pessoa chegadíssima ao advogado (na verdade acho que o
cara é um pistoleiro de aluguel), que ele e o Ariosvaldo são AMANTES desde
antes do casamento deste. Na verdade, parece que armaram tudo pro Ariosvaldo
dar o golpe do baú, porque a Toninha já era rica e foi herdando um monte de
propriedades depois de casada, com a morte dos parentes. Casaram com comunhão
de bens.
Ora a Toninha
sempre teve aquele fogaréu, aquele furor uterino. E se encantou com a evidente
vocação do pretendente Ariosvaldo para ser um grande corno manso. Por isso
acabou casando com ele, apesar de ele ser um pé-rapado. E como a vocação não só
se confirmou, como foi valentemente mantida e ampliada ao longo de cinco anos,
o casamento se manteve firme como uma rocha todo esse tempo, enquanto o casal
de malandros esperava a morte sucessiva dos parentes da Toninha.
Ora, o
Ariosvaldo, quem diria! , Além de tão corno, parecia tão macho! E o Dr. Bernardino,
então?! Não, ninguém podia desconfiar disso. Nunca! Nem eu, que conheço os dois
há tanto tempo. E o pior é que eu não posso contar nada do que fiquei sabendo
sobre o caso deles, sobre a armação safada deles. A pessoa que me contou,
depois que o fez, encostou o cano de um revólver na minha barriga e disse, com
voz sinistra: “Experimente abrir esse
bico, que eu fecho com chumbo de 44.
Se alguém mais ficar sabendo, é porque VOCÊ
deu com a língua nos dentes, meu camarada. E aí...”
Gelei. Não sei de nada! Esqueci tudo...
Gelei. Não sei de nada! Esqueci tudo...
Mas, por via das
dúvidas, como não resisto à tentação de mostrar que eu sabia de toda a trama,
estou escrevendo isto aqui. Vou esconder num cofre de banco e deixar instrução para que só seja aberto em caso de morte minha. Quem sabe? Aí o povo vai ver que eu
era um cara bem informado. E prudente!
Agora, se vocês estiverem lendo isto, então... quer dizer que eu dancei. E sem ter culpa de nada, eu que não ia ser idiota de abrir o bico!
Agora, se vocês estiverem lendo isto, então... quer dizer que eu dancei. E sem ter culpa de nada, eu que não ia ser idiota de abrir o bico!
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