A Mais Jovem Dona de Bordel do Mundo
(trecho): Madame Lammounier, Elza do Crato
Madame Lammounier foi uma lenda viva em Aracaju. Uma legítima francesa, que chegara no esplendor da forma e da beleza ao Brasil, para fazer a vida em grande estilo. Muitos homens se apaixonaram perdidamente por essa Elise Lammounier, muita peixeira foi puxada em duelos por sua preferência. Mas, acima de tudo, muitos cruzeiros, cruzados, cruzados novos, URVs, reais e dólares haviam corrido das mãos de ricos coronéis, de fortes negociantes, de mal remediados empregados do comércio, para engordar a polpuda conta bancária da belíssima francesa. Até mesmo um grande desfalque foi dado em sua honra, por um desatinado gerente do Banco do Brasil que, descoberto, acabou capando o gato e se escafedendo lá para as bandas do Seridó do Rio Grande do Norte.
O dinheiro da herança de Jean Jacques, os conselhos da bondosa cafetina de Pituba e a colaboração inestimável de duas velhas quengas aposentadas de Aracaju acabaram dando, bastante cedo, a Elise Lammounier a possibilidade de tornar-se, ela mesma, dona de castelo. Com suas reservas, adquiriu uma casa grande e a reformou, adaptando-a para as necessidades de funcionamento de um castelo de categoria. Depois de um ano apenas, o negócio e os lucros cresceram tanto que Elise comprou uma casa muito maior e a reformou graças um irregularíssimo empréstimo concedido por aquele mal-fadado gerente. Quando o dinheiro do empréstimo revelou-se insuficiente para a decoração requintada da casa, o providencial desfalque veio complementá-lo e, assim, a segunda casa de Madame Lammounier foi inaugurada em grande estilo. Mas, como este mundo é mesmo cheio de injustiças, o pobre gerente não pôde estar presente à grandiosa festa de inauguração, posto que já tivera que correr do banco e da polícia, dedicado a salvar a liberdade na caatinga potiguar.
O castelo de Madame Lammounier prosperou de imediato e, em pouco tempo, tornou-se referência para toda a região. Até mesmo de Salvador e do Recife afluíam clientes importantes, abastados fazendeiros deixavam suas grotas de cana, de gado ou de cacau e viajavam centenas de quilômetros para poderem desfrutar os múltiplos prazeres do novo jardim das delícias nordestino.
Mulheres jovens e fantásticas, belas, limpas, sofisticadas, eram importadas por Madame de distantes cidades européias. A estas se somavam sensuais mulatas da capital federal, polacas do Paraná, altas e esguias gaúchas, argentinas e uruguaias que emocionavam no tango, cubanas na rumba. Qualidade e quantidade não se entrechocaram na casa de Elise e, por isso, ela cresceu em nome e influência por toda a região. Ser aceita na casa de Madame Lammounier era uma grande honra para uma mulher que fizesse a vida. Além disso, se tivesse a ventura de receber tal oportunidade, ela estaria com a vida feita: os ganhos eram garantidos, certos, polpudos, constantes, originados sempre de homens ricos ou, no mínimo, de classe média bem alta.
Gerações e gerações de profissionais e de clientes se sucederam sob a sábia batuta de Elise. Jovens estudantes, que estouravam ali suas gordas mesadas, graduaram-se e se tornaram expoentes em suas respectivas profissões. Tenentes fizeram-se coronéis, um até a general chegou. Todas as correntes políticas fartaram-se nas generosas carnes da casa, de tal forma que, fosse qual fosse a curriola na situação e na oposição, Elise estava sempre por cima, assim com prefeitos, deputados, governadores, senadores.
A casa se consagrou, Madame Lammounier inscreveu seu nome na história do Nordeste brasileiro. E Elise, a francesa, enriqueceu sempre mais com o passar dos anos. Aliás, este último – o passar dos anos – foi o único problema de Elise: envelheceu. Mas o fez com tal classe e com tal suavidade, que muitos nem sequer perceberam seu lento fenecer. Sempre manteve um rol de apaixonados, mesmo ao ultrapassar a perigosa barreira dos sessenta anos. Alguns de seus clientes mais importantes envelheceram também com ela, porém muito mais gastos e maltratados pelo tempo do que ela: largas barrigas, luzidias carecas, leques de rugas, falhas nos dentes, deficiências de audição. Mas mantiveram a admiração por sua musa, que parecia conservar-se infensa e indiferente ao passar do tempo.
Também com o pior problema dos clientes envelhecidos, a progressiva impotência, Elise sabia lidar como ninguém. Dava a esses menos afortunados prazeres novos e diferentes, deixava-os felizes e confiantes, sabedores que existia vida além da ereção e que – ainda mais importante – seu embaraçoso segredo estava para sempre guardado a sete chaves com a discretíssima francesa, naqueles heróicos tempos em que ainda não havia o maravilhoso comprimido azul.
Por tudo isso, sabedoria, técnica, encanto, inteligência e, inegavelmente, talento para os negócios e para a política, Elise mereceu chegar onde chegou, tornando-se uma lenda viva no Nordeste. Teve também sabedoria ao reconhecer a hora de parar, fazendo-o enquanto ainda estava por cima. No mais completo sigilo vendeu seu castelo, com nome, freguesia e fundo de comércio inteiro, à amante paulista de um senador usineiro de Alagoas.
Na noite final, deu a maior festa de que a cidade tivera notícia até então. Escolheu obviamente o dia do seu aniversário, data das mais importantes do calendário estadual, quando centenas de pessoas importantes compareciam para o beija-mão, em longas noitadas de pacífica convivência entre governo e oposição
No dia seguinte, Elise Lammounier desapareceu para sempre de Aracaju. Para a cidade deixara a notícia de uma longa viagem à Europa, mais do que merecidas férias. A nova proprietária apresentou-se somente como uma competente gerente, recém-chegada de São Paulo, para dar a Elise a oportunidade de descansar e passear por longos meses. A manobra, obviamente nascida da mente brilhante da francesa, funcionou perfeitamente. A paulista teve tempo de cativar a clientela, entender-se com as moças, introduzir aos poucos suas inovações, assenhorear-se, enfim, do negócio.
A transição foi suave e lenta; a paulista, também dotada de encantos e classe, foi aos poucos cativando os clientes, impondo a força de sua carne nova e apetitosa ao desejo dos lúbricos coronéis, políticos, militares e negociantes. Hábil estrategista ela também, soube manter o restante dentro do padrão de excelsa qualidade elisiana. Até mesmo a festa de aniversário da francesa foi mantida por longos anos, ainda que a aniversariante estivesse sempre ausente, encantada com sua nova residência européia, de endereço jamais revelado, por mais que o demandassem as mais importantes personalidades locais e de outros estados. Tiveram, enfim, que se conformar: Elise Lammounier retirara-se para sempre dos negócios, gozava agora sua fortuna, em justa e merecida aposentadoria, em algum lugar de sua França querida.
Na verdade, em algum lugar não revelado do seu querido Cariri, no Ceará. Para ali se retirara Madame Lammounier ao fim de sua longa e próspera vida comercial. Deixara Aracaju na companhia de sua ajudante de confiança, Zezé, seu braço direito, a única que conhecia sua verdadeira identidade: Elza Conceição da Silva, nascida em Crato, criada em Missão Velha , alguns poucos meses como empregada doméstica em Juazeiro do Norte.
E dali retirada pela paixão fulminante e pela generosidade de Jean Jacques Lammounier, fotógrafo suíço em viagem pelo Brasil, que a protegeu, amou e instruiu até que a morte o colhesse tão cedo em Salvador, Bahia.
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