quarta-feira, 30 de janeiro de 2013


EVILÁSIO NA PRAIA: O FIO-DENTAL  
MILTON  MACIEL

Evilásio é um caso raro de convencimento. Realmente, ele se acha! No outro dia encontrei seu diário, mal escondido na mochila encardida. Como eu sou um caso raro de enxerimento, avancei logo no dito cujo e passei a ser um caso comum de falta de escrúpulos. Não só li, como fiz uma cópia xerox dos alfarrábios. E agora, pior ainda, faço a indignidade de colocar tudo na Internet. Também, o cara merece. Sabe como é o nome do seu diário? Pois ele o intitulou de “Memórias de um Gênio”. Vou transcrever um trecho aqui para vocês:

“Meu mundo interior é riquíssimo. Tenho certeza que deveria ser tombado como Patrimônio Emocional da Humanidade. Em compensação meu mundo exterior é uma droga. Por causa dos outros, é claro. Eles são primários demais para reconhecerem minha genialidade. E eu, há muito tempo, desisti de fazê-los ver o privilégio que é ter alguém como eu a seu alcance. Desisti, não vale a pena. Então me fechei para o mundo deles. Na verdade, nem noto mais o que se passa lá fora.

A praia, por exemplo. Todo mundo adora praia. Eu não. Nunca vou à praia. Antigamente, quando era jovem e não percebia ainda toda a minha grandeza, eu até ia à praia; para caçar mulher, evidentemente. Hoje, não. Sou imune a isso. Até fiz um teste dias atrás e fui à praia, para ver minhas reações atuais.

Olhei algumas bundas, é bem verdade, achei-as sensacionais eu também. Afinal, ainda sou homem e elas, as bundas, são oferecidas como amplo material promocional, passaram a ser a própria essência das praias no Brasil. As meninas vão para mostrar as bundas, os homens vão para curti-las. Azar das desbundadas pela própria natureza, delas não é o reino das praias.

Para todas as outras, as dotadas e as siliconadas, existe o fio-dental. Um prodígio, um fetiche da cultura machista, foi inventado para esbugalhar os olhos dos homens e obrigá-los a raciocinar com os escassos neurônios dos bagos. Passam os fios-dentais, giram os olhos dos homens para fora das órbitas, giram os olhos de suas mulheres ou namoradas, cenhos cerrados, no inútil afã do patrulhamento. Eles suscitam suspiros e brigas em iguais proporções.

Acho que os baianos de Salvador equacionaram melhor o paradoxo do fio-dental. Sem lhe tirar o poder de fetiche sexual, reduziram-no por outro lado a uma faceta mais... olfativa, digamos. Em Salvador, o fio-dental é chamado de “cordão cheiroso”. É, pelo menos para mim, tira um pouco do encanto, caramba.

Ontem fiz uma experiência comigo mesmo. Dobrei bem uma cuequinha fina, simulei um fio-dental, vesti a peça e a enfiei no rego. Tá certo que minha bunda magra, caída e peluda ficou um pavor no espelho, mas não era isso o que me interessava. O que eu queria saber é como uma mulher se sente quando enfia aquela coisa no rabo.

Foi horrível! Ao menos para o meu. Como elas agüentam é que eu não sei. Acho que se acostumam, são obrigadas, coitadas, desde criancinhas, a enfiar o cordão no reguinho. E passam a sonhar que, ao crescer, terão bundas enormes, glúteos prodigiosos a espalharem-se abundantes dos dois lados do cordão cheiroso. É a moda, que podem elas fazer? Academia, malhação, exercício para os glúteos e, na falta de resultados conclusivos, o milagre do silicone industrial francês. Ah, não, é demais pra minha cabeça!

É por essas e por outras que prefiro a riqueza do meu mundo interior e ignoro essas coisas incongruentes do mundo externo. Afinal, quem tem o privilégio de conviver 24 horas por dia com um gênio, como eu tenho, para que vai perder tempo com o resto?”

E por aí vai.... Esse Evilásio! É mesmo um fenômeno raro.
Ele se acha, mesmo!... 

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