EVILÁSIO NA PRAIA: O FIO-DENTAL
MILTON MACIEL
Evilásio é um caso raro de convencimento. Realmente,
ele se acha! No outro dia encontrei seu diário, mal escondido na mochila
encardida. Como eu sou um caso raro de enxerimento, avancei logo no dito cujo e
passei a ser um caso comum de falta de escrúpulos. Não só li, como fiz uma
cópia xerox dos alfarrábios. E agora, pior ainda, faço a indignidade de colocar
tudo na Internet. Também, o cara merece. Sabe como é o nome do seu diário? Pois
ele o intitulou de “Memórias de um Gênio”. Vou transcrever um trecho aqui para
vocês:
“Meu mundo interior é riquíssimo. Tenho certeza que
deveria ser tombado como Patrimônio
Emocional da Humanidade. Em compensação meu mundo exterior é uma droga. Por
causa dos outros, é claro. Eles são primários demais para reconhecerem minha
genialidade. E eu, há muito tempo, desisti de fazê-los ver o privilégio que é
ter alguém como eu a seu alcance. Desisti, não vale a pena. Então me fechei
para o mundo deles. Na verdade, nem noto mais o que se passa lá fora.
A praia, por exemplo. Todo mundo adora praia. Eu não.
Nunca vou à praia. Antigamente, quando era jovem e não percebia ainda toda a
minha grandeza, eu até ia à praia; para caçar mulher, evidentemente. Hoje, não.
Sou imune a isso. Até fiz um teste dias atrás e fui à praia, para ver minhas
reações atuais.
Olhei algumas bundas, é bem verdade, achei-as
sensacionais eu também. Afinal, ainda sou homem e elas, as bundas, são
oferecidas como amplo material promocional, passaram a ser a própria essência
das praias no Brasil. As meninas vão para mostrar as bundas, os homens vão para
curti-las. Azar das desbundadas pela própria natureza, delas não é o reino das
praias.
Para todas as outras, as dotadas e as siliconadas,
existe o fio-dental. Um prodígio, um fetiche da cultura machista, foi inventado
para esbugalhar os olhos dos homens e obrigá-los a raciocinar com os escassos
neurônios dos bagos. Passam os fios-dentais, giram os olhos dos homens para
fora das órbitas, giram os olhos de suas mulheres ou namoradas, cenhos
cerrados, no inútil afã do patrulhamento. Eles suscitam suspiros e brigas em
iguais proporções.
Acho que os baianos de Salvador equacionaram melhor o
paradoxo do fio-dental. Sem lhe tirar o poder de fetiche sexual, reduziram-no
por outro lado a uma faceta mais... olfativa, digamos. Em Salvador, o
fio-dental é chamado de “cordão cheiroso”. É, pelo menos para mim, tira um
pouco do encanto, caramba.
Ontem fiz uma experiência comigo mesmo. Dobrei bem uma
cuequinha fina, simulei um fio-dental, vesti a peça e a enfiei no rego. Tá
certo que minha bunda magra, caída e peluda ficou um pavor no espelho, mas não
era isso o que me interessava. O que eu queria saber é como uma mulher se sente
quando enfia aquela coisa no rabo.
Foi horrível! Ao menos para o meu. Como elas agüentam é
que eu não sei. Acho que se acostumam, são obrigadas, coitadas, desde
criancinhas, a enfiar o cordão no reguinho. E passam a sonhar que, ao crescer,
terão bundas enormes, glúteos prodigiosos a espalharem-se abundantes dos dois
lados do cordão cheiroso. É a moda, que podem elas fazer? Academia, malhação,
exercício para os glúteos e, na falta de resultados conclusivos, o milagre do
silicone industrial francês. Ah, não, é demais pra minha cabeça!
É por essas e por outras que prefiro a riqueza do meu
mundo interior e ignoro essas coisas incongruentes do mundo externo. Afinal,
quem tem o privilégio de conviver 24 horas por dia com um gênio, como eu tenho,
para que vai perder tempo com o resto?”
E por aí vai.... Esse Evilásio! É mesmo um fenômeno
raro. Ele se acha, mesmo!...
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