A SENTINELA DO ONOFRE
MILTON MACIEL
Bueno, esta aconteceu quando correu a
notícia que o Onofre tinha morrido. Todo mundo um dia bate com as dez. O Onofre bateu com
as duas – as duas guampa no chão! Falseô o pé numa escadita de nada, foi ajudá
a pegá um rolo de fumo na pratelera de riba, no bolicho do Clemente, e paft! Lá
se veio o índio velho, com todo aquele tamanho e peso e estatelou-se no chão. De
cabeça! Diz que fez um barulho de porongo rachando tão forte que assustô os
vivente tudo que tava por lá charlando e tomando canha. Mas nunca que ele acordô
mais!
Bueno, por estas banda não tem médico, tu
sabe, que dirá hospital! Mandaram chamá Siá Balbina, benzedera respeitada, uma tripa
coalhera velha de quase cem ano, prá benzê e vê se dava pra salvá o home. Mas Siá
Balbina, nem bem botô a mão na testa do Onofre, garantiu, com toda a sua
autoridade, maior que a de qualqué dotorzinho da cidade: Tá morto, foi acertá as conta com o Patrão Velho lá de Cima; Pode velá
e enterrá!
Entonces levaram o Onofre pra casa mesmo e
deitaram o índio velho nuns pelego no meio do galpão. É que do jeito que o home
era conhecido e relacionado, ia aparecê miles de gentes pra assuntá a
sentinela, tomá umas canha, contá causo, mateá e comê uma boa costela. Nunca
que o Onofre ia querê que no seu velório faltasse boa carne, bom chimarrão e
muita canha!
Tanta gente veio que a viúva até se animô:
mandô o Terêncio buscá a cordeona, o Ademar, o violão, e barbaridade! O vanerão
correu solto até de madrugada, em honra do finado, que parecia más regalado que
nunca, ali espalhado nos pelego, só ouvindo as vanera, as milonga, as ranchera.
E, com certeza, arriscando um olho pra dentro das saia das china dançando, que
ele podia enxergá lá do chão. Tu precisava vê a cara de feliz do índio velho.
Oigalê, velório animado!
Quando se alembraram que tinha que enterrá
o defunto, tão distraído tava todo mundo com o baile e com a charla, que o dia
já tinha acabado há muito tempo. E a noite também. Não dava pra segui o
enterro, já era mui de madrugada. E, pra maior dos pecado, desabô o maior
temporal, horas e horas de chuva da grossa que era um causo mui sério.
Não
dá, disseram uns, se abrí cova, enche de água na mesma hora, o finado não havéra de gostá,
ia pensá que morreu afogado. Não dá, falaram outros, não se pode enterrá cristão em noite alta, vira
boitatá! Não dá, disseram mais outros ainda, aliás a maioria, que é
pecado pará o baile agora que ta tão bom, o falecido não havéra de gostá. Concordaram
todos.
Bueno, entonces seguiram com o baile e,
como a toda hora chegava mais gente e as carreta com as guria e as china não
pararam de cruzá pela portera a tarde toda, tiveram que tirá o Onofre do meio
do galpão, que tava atrapalhando. E também que tava levando muita pisotada de
bota e espora, que os índio já tava tudo mui mamado e dançava a lo loco nomás, a toda hora eles tropicava e pisava
em cima do defunto sem querê. Os mais borracho dançavam uns com os otro, crente
que bailavam com mulher, achando que o poncho do otro vivente era o vestido da
china. Por aí tu vê....
Aí não houve outro jeito, tiveram que jogá
o Onofre do lado de fora, na chuva, pra mode ele não atapalhá o salão de baile
– o galpão. Acomodaram o índio velho debaixo de uma carreta, no barro mesmo, que
não valia a pena sujá os pelego. De manhã, antes de levá pra cova, jogava-se
uns dois baldes d’água no bruto e pronto: lá ia s’imbora ele, limpito nomás,
pra baixo dos sete palmo, todo feliz e orgulhoso da grandeza do seu velório.
Bueno, pensando bem, por que velório? Pois
se não tinha vela nenhuma, nem gentes de rezas por ali, todo mundo mui animado
bebendo, comendo e dançando. Tinha era um monte de lampeão a querosese e a
única vela que acenderam, foi um toquinho pro Negrinho do Pastoreio, pra ele
ajudá a achá a pá cavadera boa, pra hora de abri a cova, que tava sumida. E claro que o Negrinho achô!
Mas aí aconteceu uma cosa que acabô com
aquela alegria toda da morte do Onofre. Pois não é que o Terêncio, que o que
tinha de bom gaitero tinha também de borracho, já tinha mamado uns dois litro
de canha? Entonces teve uma hora que ele não agüentou más e desabô, com
cordeona e tudo, no chão. Ainda tocô uma última marca deitado ali mesmo, mas
depois se apagô. Dormiu que nem com um monte de pontapé nas costela acordava
mais. Aí o Ademar largô o violão e foi vê se ainda podia corrê umas china, já
que o ruim de sê tocador é que tu só pode ficá vendo os outro apertá as mulher
e tu mesmo não pode fazê nada!
Entonces, como já devia sê pra lá de três
da madrugada, o pessoal, sem a música pra dançá, acabô se desanimando e as
canha foram fazendo mais efeito ainda, porque eles tava tudo de corpo quente e
pararam de dançá. Não deu nem meia hora e todo mundo tava dormindo embolado por
ali. A única coisa que lembraram foi que a viúva do Onofre deu uns grito com os
home antes de dormí, que ela não queria sem-vergonhice na sentinela do marido, mandô
os home desafastá das guria e das china. E eles que não se fresqueassem, que o
Onofre na certa tava olhando tudo ali de riba. Bueno, deu certo, que os bagual
e os maula se aquietaram e foram dormi mais pro canto dos arreio. As mulher se
espalhô nos pelego do Onofre e nas carreta adonde vieram.
Entonces o dia amanheceu, mas nada do povo
acordá cedo pra tocá o enterro do Onofre, que já devia de tá impaciente pra ir
s’imbora pra nova morada lá em cima. Só lá pelas sete, com o sol já meio alto
naquele verão, é que a indiada começô a levantá e a corrê pra trás dos tronco
das árvore, pra descarrega as bexiga. As mulher, a viúva teve que levá pra
perto de casa e elas formaram fila pra usá a casinha, cosa que muitas não
agüentaram esperá e entonces se desapertaram por ali mesmo, no meio dos
eucalipto.
Aí, é claro, o pessoal tava com fome e com
sede, entonces botaram as chalera nas trempe de novo, pro chimarrão, fizeram fogo
e já aproveitaram pra assá mais umas costela, que era aquilo o café da manhã
naqueles tempo. Quando terminaram de mateá e trinchá os dente nas carne, era bem
pra lá de nove e meia. Bueno, era hora de pegá o Onofre e levá pro campo em
frente ao potrero, que ali é que iam fazê a cova do bruto. Mas o home tava sujo
barbaridade, era um barro só, que nem dava pra vê o rosto debaixo de tanta
lama. O bueno é que, ao menos, tinha parado de chovê.
O Aldrovando pegô dois balde grande e foi
pro poço, puxá água pra lavá o defunto. Ô, água más fria aquela, tchê! Em pleno
verão, parecia gelo. Coitado do Onofre, ia ficá incomodado de levá aquela água
gelada pelas fuça. Mas não tinha otro remédio. O Gaudêncio veio ajudá e jogô o
primero balde no defunto, depois de puxá ele pelas perna de debaixo da carreta
O barro respingô pra tudo que é lado, a barba e a cara do Onofre ficô quase
limpa, mas sujô uma barbaridade de gente que tava assuntando a lavação ao
redor.
Aí o Aldrovando se achegô e falô: Desculpe, meu padrinho, mas é por boa causa.
E jogô o outro balde de água gelada. Pra quê!
Pois nessa hora o Onofre deu um pulo,
incomodado com a água fria, pos-se de pé na mesma hora e gritô um monte de
palavrão. Cuepucha, que foi só paisano espirrando pra tudo quanto é lado!!!
Uns deitaram a corrê pro potrero, pegaram
os cavalo sem arreio, pularam em pelo mesmo e saíram a galope berrando com as
montaria, tudo trocada, não importava quem era o dono do cavalo. As mulher que
estava por perto nem fugiram. Umas quantas desmaiaram na mesma hora, as outra
tão ocupadas estavam em gritá, que não pararam mais de fazê isso, até que o Aldrovando,
quase ensurdecido, sacô do revólver e deu seis tiro pro ar.
Funcionô, que o cagaço foi maior e a
mulherada parô de berrá! E os guasca que não tinha fugido ainda, pararam pra
olhá o que era o tiroteio. E foi aí que o Aldrovando botô as cosa no lugar:
– Seus burro, suas égua, vancês não vê que
o padrinho não morreu?! Que ta vivinho da silva aqui na nossa frente!
– Que eu não MORRÍ?! Mas que barbaridade cabeluda
é essa, compadre? Me explica o que faz todo esse povo todo aqui na estância, numa
hora dessas da manhã.
Compadre Gaudêncio, feliz da vida, correu a
abraçá compadre Onofre e começou a contar o que tinha acontecido. O Onofre mal
que acreditava.
– Sim senhor, iam me enterrá vivo, que
barbaridade! Então eu dei uma chifrada no chão lá no Clemente, apaguei e vocês
já acharam que eu tava morto, seus maula!
– Foi Siá Balbina, padrinho. Foi ela.
Mas nessa hora a gritaria recomeçô, que
agora era a viúva que tava chegando, foram contá a novidade pra ela em casa,
que ela tava se emperequetando toda pro enterro e tentando lembrá como é que se
fazia as choradera e os grito na hora das pá de terra. Quando chegô e viu que o
Onofre tava vivo, ela soltô as gritaria da despedida mesmo, que era o que ela tinha
ensaiado.Se agarrô no marido e fez um tal berrero que o Onofre perdeu a
paciência e deu-le um pisão com toda a força com o tacão da bota, enlameando
todo o chinelo novo e amassando o pé da mulher. A viúva, qué dizê, a mulher do
Onofre, deu um baita dum grito de dor e parô na mesma hora a ladainha.
– Caturrita! – ainda rosnou o Onofre entre
os dentes.
Mas foi aí que ele se deu conta de toda a barbaridade,
da cosa más estranha que tinha se passado com ele. E alegrou-se! Mandô acendê
os fogo tudo de novo, que o gaitero tocasse (o do violão, nessa hora, tava na
casinha), mando buscá más carne pro churrasco e más canha e aí foi o Onofre
que mateô, charlô, churrasqueô e dançô o resto da manhã e a tarde intera com
as china e com as guria. Tinha que festejá! E como! Pois se estivera a ponto de
ser enterrado vivo...
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