E O LOBO MAU REVISITADOS (Leitura para ADULTOS)
MILTON MACIEL
A história de
Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau acabou ficando muito mal contada.
Compreende-se: como foi preciso adaptá-la para as crianças, mistér foi retirar
dela todos os elementos mais cruentos.
Uma revisão se
impõe para a leitura adulta, no entanto, que restabeleça a justiça e traga a
verdadeira história do lobo mau. A realidade é que esse tarado de fato comeu a
vovozinha, mas só porque ela deu mole e ele estava num atraso de dar gosto, não
encarava uma loba há meses. A velha também, há anos só na saudade do falecido,
já meio esquecida da doce arte, as teias de aranha grassando abundantes, quando
viu aquele lobão enorme deitando nela olhares de lobo mau, não teve dúvida: Vem cá garotão! E rolou o maior agito
entre os dois. Sexo selvagem no duro, literalmente.
Só não foi ainda
mais sensacional porque, no terceiro repeteco, a chata da netinha chegou, com um
ridículo cestinho de doces e uma garrafinha de suco de uva. Nessa hora a velha
e o lobo já estavam na terceira garrafa de vodca. Aí o lobo escafedeu-se para
baixo da cama, a vovozona se recompôs e a Chapeuzinho (assim chamada porque a
mãe a usava para aumentar o faturamento familiar pedindo esmolas nos sinais da
cidade, correndo um chapeuzinho vermelho entre os motoristas) proferiu as hoje
tão famosas perguntas:
– Pra que
essas orelhas tão grandes? Pra que esses olhos tão grandes? Pra que esses dentes tão grandes? Uma chata, uma
abestada!
A velha, cheia de
vodca, emputeceu! Começou a xingar Chapeuzinho aos berros, afinal os olhos e as
orelhas eram da avó mesma, a velha era feia pra burro, pô!
Já os dentes eram
de fato enormes, mas estavam no copo ao lado da cama, o lobo ficou com medo e
exigiu que a vovó tirasse a dentadura quando começaram a rolar os primeiros
beijos de língua.
Chapeuzinho ficou
assustada com os gritos histéricos da velha e começou a chorar. Aí o lobo saiu
de baixo da cama, com dó da menina, e resolveu consolá-la. A velha era tão feia
que o lobo, perto dela, parecia um cordeirinho. Por isso a menina não se
assustou com o lobo. Este então a levou para a varanda na frente da casa,
sentou na cadeira de balanço da vovó, botou a menina no colo e começou a fazer
carinho para acalmá-la. Foi quando passou por ali o caçador.
A garota já tinha
uns dezesseis anos e era escolada dos sinais da cidade. Quando viu o caçador,
que na verdade era o segundo dos cinco ex-maridos da vovozona, pensou logo em
armar pra cima do lobo, pra tirar alguma vantagem. Saltou do colo e correu para
o caçador, dando a entender que o lobo estava abusando dela. Aí o caçador se
indignou e passou fogo no coitado do lobo.
Aqui é necessário
comentar duas coisas. A primeira é que o caçador já vinha todo manguaçado da
floresta, bebera todas na birosca dos Três Porquinhos. Por isso, sorte do lobo
apavorado, errou todos os dois tiros que desferiu. Todos não, o segundo atingiu
em cheio o copo com a dentadura da velha, estilhaçou os dentes, foi um estrago,
a velha está desdentada até hoje.
A segunda é que a
ira do caçador nada tinha a ver com a pretensa acusação de pedofilia que a mau
caráter da Chapeuzinho insinuara contra o coitado do Lobo (que de Mau só tinha
o sobrenome, corruptela de pronúncia, por parte daqueles caipiras rastaqüeras
do lugar, do ilustre nome da família germânica de que ele descendia, os Maals
de Nüremberg).
O furor do
caçador veio de sua paixão incontida pelo Lobo, pelo qual há muito nutria um cego
e não-correspondido amor. Em resumo, os tiros saíram do cano da carabina impulsionados
por uma mistura de cachaça, rejeição, ciúmes do Lobo com Chapeuzinho e dor de
corno.
Quanto ao Lobo
Maals, teve que se esconder. Não por causa do caçador que, sóbrio, era uma moça
em todos os sentidos. Nem por causa do pretenso caso de pedofilia, pois os
moradores conheciam de sobra o bom caráter do Lobo e o caráter duvidoso de
Chapeuzinho. O problema do Lobo foi a Vovó. A velha deu para persegui-lo,
faminta, na base do quero mais, quero mais, desesperada. Aí ele teve que sumir
por uns tempos. Deram-lhe guarida os Três Porquinhos, no imóvel que tinham na
beira da cidade, à entrada da floresta, onde exploravam o lenocínio, o jogo de
azar e a venda de bebidas alcoólicas e armas de fogo. Mas isso já é história
para outro conto. (MM)
Miami, Fev 17
2012
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