quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

LUA  OCULTA – 19   
MILTON MACIEL  

19 - MAIS "CELSETES" NO PEDAÇO
Fim do cap. 18: "E os campos eram dois por uma razão que deixou todos de queixo caído: o primeiro, o que seria usado no domingo para o torneio, seria o campo de futebol masculino. O outro, igualmente pronto, destinava-se ao futebol feminino! Então a cidade ficou sabendo que a Teles Academia seria também uma escola de futebol para meninos e meninas, “dos 4 aos 80 anos”. Mas isso não era tudo e a novidade mais explosiva foi reservada para depois do fim do torneio, quando Celso faria seu novo e inacreditável anúncio."

A cidade de Amarante estava em polvorosa. Naquela semana explosiva da chegada dos automóveis, da inauguração extraoficial, forçada, da loja invadida pelos clientes mais ricos, do início da nova academia, do anúncio do torneio de futebol no domingo seguinte, da inauguração de dois campos de futebol ao mesmo tempo, só um nome estava em todas as bocas: o do paulista Celso Teles!

Que homem era aquele, capaz de praticamente num piscar de olhos, incendiar toda uma cidade, que vivia antes na pachorra  de seu bucólico marasmo de todos os  dias? Era rico, ainda jovem, era dono de um corpo atlético, tinha uma beleza máscula muito singular, e era... solteiro!

Ao mesmo tempo, comentavam os que já o conheciam, era de uma simplicidade e de uma generosidade completamente incomuns em um homem rico. Gostava de frequentar botecos como o do Bicalho, conversava lá com todo mundo, do garçom ao bebum, da faxineira ao proprietário.  Vestia-se com roupas simples, bem combinadas, mas sem estardalhaços, roupas normais de lojas comuns. Sendo dono da maior revenda de carros nacionais e importados da cidade, andava com um automóvel fabricado no Brasil, um dos menos caros de sua firma.

Mais do que nunca, Celso Teles tornou-se o ai-jesus das mulheres amarantenses. A trupe das Celsetes cresceu ainda mais na academia, fazendo maior ainda a surpresa de Nelson. E, na loja da Teles Automóveis, começou um desfile de dondocas e de moças mais simples, todas manifestando interesse em comprar um carro novo ou usado, fazer um test drive, mas, na verdade, sempre procurando um pretexto para poderem ser atendidas pelo proprietário.

Paula, a mais desbocada das vendedoras da Teles, inventou um código, com o qual fazia sinal para as outras colegas, sempre que achava que a possível compradora tinha vindo, na verdade, atrás de Celso Teles.

Ela dobrou os dedos da mão direita para dentro, deixando só o polegar e médio estendidos, que arqueou um pouco para dentro também. Uniu-os pelas pontas e imprimiu-lhes um pequeno movimento de abertura entre si, de modo a sugerir os lábios maiores de uma vulva, que se abrissem um pouco. E disse às colegas, no momento do cafezinho, qual era o significado do sinal:

– Quando eu fizer esse sinal, vocês já sabem o que eu estou avisando: “Aqui está mais uma trazida pela boceta”. Aí vocês já sabem que ela não vai comprar carro coisa nenhuma. Ela vai florear, negacear, tomar o tempo da gente, depois vai vir com uma conversa mole que precisa ver o Celso. Mas é só periquita em fogo, meninas. E fogo vai ser é pra gente, que vai ter que atender essa assanhadas tão bem quanto qualquer outra pessoa. E o cliente real, a cliente real, vão acabar tendo que esperar que a gente se livre dessas piranhazinhas. 

– É mesmo, Paula – concordou Gládis – Você tem toda a razão. Se o jefe fosse um galinhão, não ia poder fazer mais nada nesta cidade, gastava o pinto em dois tempos, ia ficar reduzido a um pirulitinho.

A gargalhada foi geral, menos por parte de Larissa, que riu amarelo, só para não parecer que não tinha entendido. Agora ela já estava em pleno treinamento de oito horas por dia, passando pela atenção não apenas de Carmen, mas de Gládis, de Jeniffer e de Paula. O tal anjo louro tinha virado uma unanimidade para as colegas: era a Fofinha

Não importava o fato de que ela fosse a mulher mais bonita que qualquer uma delas, sem exceção, já tinha visto em toda sua vida. Não conseguiam sentir inveja dela por isso. Ao contrário, aquele tipo de beleza cândida, angelical, algo infantil, suscitava-lhes carinho antes de mais nada e acima de tudo. Por isso aceitaram-na francamente, com sinceridade e gosto, sem temor de vê-la superá-las em vendas e comissões por causa daquela beleza absurda. Esforçavam-se todas para ajudar a novata, para conseguir que a Fofinha também se tornasse uma campeã de vendas. Que amor que é essa menina! – falavam entre si.

 Larissa riu bastante, acompanhando o sinal que Paula inventara, agora reproduzido nas mãos das outras colegas. Mas seus olhinhos de água-marinha não riram. Estavam olhando para dentro, acompanhando a mente que pensava: Ah, mas que assanhadas, que mulheres sem classe, que ridículas! Vêm aqui porque sabem que o chefe é rico, que é bonito – sem ser nenhum Leonzinho, é claro. É fortão, tem aquele corpo que essas palhaças devem achar um tesão. Eu também acho que o corpo dele é muito melhor que o do Leonzinho.... Ora, que bobagem, eu não acho nada, eu não tenho que achar nada! Que que eu tenho com o corpo do doutor?! Elas que achem o que quiserem do corpo do chefe, essas desfrutáveis! Nojentas!

E voltou a encher a xícara de café num repelão, embora não quisesse beber mais, apenas para parar de pensar aquelas coisas e tirar os olhos da roda de mulheres buliçosas ao seu redor.

Contudo, um par de olhos amigos não desgrudava dela um só instante: – Olha como ficou irritada, a Fofinha! Que lindo... E ela não percebe nada, santa ingenuidade! ... – Às vezes Gládis ficava em dúvida se o que concluía vinha de sua própria argúcia, por força de observação e raciocínio, ou se lhe chegava pronto, pelo canal potente de sua intuição. Mas continuou olhando para Larissa e sorriu, ao pensar por fim: Não apresse o rio, dê tempo ao tempo, dona espanholita.

Celso, por sua vez, não deu a mínima importância, quando Paula foi lhe falar do que tinham as vendedoras convencionado fazer com as ‘desfrutáveis’ da Fofinha e lhe mostrou o sinal. Apenas caiu na gargalhada e sacudindo a cabeça para os lados disse:

– Ah, minhas filhas, isso é problema de vocês. Vocês é que têm que defender as comissões de vocês. Eu não quero nem saber, não estou nem aí. Mas não esquentem, é como lá na Academia, depois de um tempo as coisas se ajeitam. Elas acabam se convencendo que eu não estou a fim. Vai ver as de lá já estão até pensando que eu sou uma bichona enrustida, que não sai do armário.

Como poderia ele estar a fim de qualquer outra mulher, por mais linda que fosse, se estava completamente apaixonado, os quatro pneus arriados, como nunca estivera na vida!... Ah, aquelas pobres tolas, muitas delas até que pessoas muito legais, sem dúvida, muitas delas criaturas atraentes e até fascinantes, como seriam elas páreo para Larissa Silva? Como uma mulher comum, ou mesmo uma mulher fabulosa, pode ser páreo para um anjo? Impossível...  

Na paixão por esse anjo impossível, um anjo que gostava de um jumento – Espera aí, coitado do cara, eu não posso descontar a frustração em cima dele, ficar com raiva do sujeito, ele já estava lá antes, já era o dono do pedaço há muito tempo! – corrigiu-se na hora Celso Teles: na paixão por um anjo que gostava de um leão bonitinho, consumia-se Celso Teles noite e dia. Sofria e não sofria. Sofria pelo impossível, mas alegrava-se pelo convívio diário com a musa dos seus sonhos. E, reconhecia, não era só o deleite de poder contemplá-la inúmeras vezes por dia. Acontece que Larissa era uma pessoa extremamente agradável, uma presença que fazia bem, uma criatura que exsudava bondade e simplicidade. Como Gládis mesma dissera:

– É tão bom estar perto da Fofinha, jefe! Ela não só parece, ela é um anjo mesmo. Um anjo de bondade. Todas nós achamos isso. É só uma meninota grande, uma fofura mesmo, uma pessoa sem maldade como eu nunca vi. Mamita diz que, volta e meia, tem vontade de apertar a carinha dela com as duas mãos, com toda a força, e não largar. E você sabe que eu nunca me engano com as pessoas, não é, Celso?

– Com certeza, Gládis. Se você diz, então ela deve ser mesmo tudo isso...

Grande tonto! – pensou Gládis, sorridente – Deve ser... Como se ele também não achasse tudo isso e muito mais, muito tempo antes de a gente conhecer a criaturinha! Olha só a cara de apaixonado... Mas vai ter que sofrer bastante. Não se deve assustar uma gazela... 

CONTINUA

Nenhum comentário:

Postar um comentário