Fim do cap. 18: "E os campos eram dois por uma razão que deixou todos de queixo caído: o primeiro, o que seria usado no domingo para o torneio, seria o campo de futebol masculino. O outro, igualmente pronto, destinava-se ao futebol feminino! Então a cidade ficou sabendo que a Teles Academia seria também uma escola de futebol para meninos e meninas, “dos 4 aos 80 anos”. Mas isso não era tudo e a novidade mais explosiva foi reservada para depois do fim do torneio, quando Celso faria seu novo e inacreditável anúncio."
A cidade de Amarante estava em polvorosa.
Naquela semana explosiva da chegada dos automóveis, da inauguração
extraoficial, forçada, da loja invadida pelos clientes mais ricos, do início
da nova academia, do anúncio do torneio de futebol no domingo seguinte, da
inauguração de dois campos de futebol ao mesmo tempo, só um nome estava em
todas as bocas: o do paulista Celso Teles!
Que homem era aquele, capaz de praticamente num
piscar de olhos, incendiar toda uma cidade, que vivia antes na pachorra de seu bucólico marasmo de todos os dias? Era rico, ainda jovem, era dono de um
corpo atlético, tinha uma beleza máscula muito singular, e era... solteiro!
Ao mesmo tempo, comentavam os que já o
conheciam, era de uma simplicidade e de uma generosidade completamente incomuns
em um homem rico. Gostava de frequentar botecos como o do Bicalho, conversava
lá com todo mundo, do garçom ao bebum, da faxineira ao proprietário. Vestia-se com roupas simples, bem combinadas,
mas sem estardalhaços, roupas normais de lojas comuns. Sendo dono da maior
revenda de carros nacionais e importados da cidade, andava com um automóvel fabricado
no Brasil, um dos menos caros de sua firma.
Mais do que nunca, Celso Teles tornou-se o
ai-jesus das mulheres amarantenses. A trupe das Celsetes cresceu ainda mais na academia, fazendo maior ainda a surpresa
de Nelson. E, na loja da Teles Automóveis, começou um desfile de dondocas e de
moças mais simples, todas manifestando interesse em comprar um carro novo ou
usado, fazer um test drive, mas, na
verdade, sempre procurando um pretexto para poderem ser atendidas pelo
proprietário.
Paula, a mais desbocada das vendedoras da
Teles, inventou um código, com o qual fazia sinal para as outras colegas, sempre
que achava que a possível compradora tinha vindo, na verdade, atrás de Celso
Teles.
Ela dobrou os dedos da mão direita para dentro,
deixando só o polegar e médio estendidos, que arqueou um pouco para dentro
também. Uniu-os pelas pontas e imprimiu-lhes um pequeno movimento de abertura
entre si, de modo a sugerir os lábios maiores de uma vulva, que se abrissem um
pouco. E disse às colegas, no momento do cafezinho, qual era o significado do
sinal:
– Quando eu fizer esse sinal, vocês já sabem o
que eu estou avisando: “Aqui está mais
uma trazida pela boceta”. Aí vocês já sabem que ela não vai comprar carro
coisa nenhuma. Ela vai florear, negacear, tomar o tempo da gente, depois vai
vir com uma conversa mole que precisa ver o Celso. Mas é só periquita em fogo,
meninas. E fogo vai ser é pra gente, que vai ter que atender essa assanhadas
tão bem quanto qualquer outra pessoa. E o cliente real, a cliente real, vão
acabar tendo que esperar que a gente se livre dessas piranhazinhas.
– É mesmo, Paula – concordou Gládis – Você tem
toda a razão. Se o jefe fosse um
galinhão, não ia poder fazer mais nada nesta cidade, gastava o pinto em dois
tempos, ia ficar reduzido a um pirulitinho.
A gargalhada foi geral, menos por parte de
Larissa, que riu amarelo, só para não parecer que não tinha entendido. Agora
ela já estava em pleno treinamento de oito horas por dia, passando pela atenção
não apenas de Carmen, mas de Gládis, de Jeniffer e de Paula. O tal anjo louro
tinha virado uma unanimidade para as colegas: era a Fofinha.
Não importava o fato de que ela fosse a mulher mais bonita
que qualquer uma delas, sem exceção, já tinha visto em toda sua vida. Não
conseguiam sentir inveja dela por isso. Ao contrário, aquele tipo de beleza
cândida, angelical, algo infantil, suscitava-lhes carinho antes de mais nada e
acima de tudo. Por isso aceitaram-na francamente, com sinceridade e gosto, sem
temor de vê-la superá-las em vendas e comissões por causa daquela beleza
absurda. Esforçavam-se todas para ajudar a novata, para conseguir que a Fofinha também se tornasse uma campeã de
vendas. Que amor que é essa menina! – falavam
entre si.
Larissa
riu bastante, acompanhando o sinal que Paula inventara, agora reproduzido nas
mãos das outras colegas. Mas seus olhinhos de água-marinha não riram. Estavam
olhando para dentro, acompanhando a mente que pensava: Ah, mas que assanhadas, que mulheres sem classe, que ridículas! Vêm
aqui porque sabem que o chefe é rico, que é bonito – sem ser nenhum Leonzinho,
é claro. É fortão, tem aquele corpo que essas palhaças devem achar um tesão. Eu
também acho que o corpo dele é muito melhor que o do Leonzinho.... Ora, que
bobagem, eu não acho nada, eu não tenho que achar nada! Que que eu tenho com o
corpo do doutor?! Elas que achem o que quiserem do corpo do chefe, essas
desfrutáveis! Nojentas!
E voltou a encher a xícara de café num repelão,
embora não quisesse beber mais, apenas para parar de pensar aquelas coisas e
tirar os olhos da roda de mulheres buliçosas ao seu redor.
Contudo, um par de olhos amigos não desgrudava
dela um só instante: – Olha como ficou
irritada, a Fofinha! Que lindo... E ela não percebe nada, santa ingenuidade!
... – Às vezes Gládis ficava em dúvida se o que concluía vinha de sua
própria argúcia, por força de observação e raciocínio, ou se lhe chegava
pronto, pelo canal potente de sua intuição. Mas continuou olhando para Larissa
e sorriu, ao pensar por fim: Não apresse
o rio, dê tempo ao tempo, dona espanholita.
Celso, por sua vez, não deu a mínima
importância, quando Paula foi lhe falar do que tinham as vendedoras
convencionado fazer com as ‘desfrutáveis’ da Fofinha e lhe mostrou o sinal.
Apenas caiu na gargalhada e sacudindo a cabeça para os lados disse:
– Ah, minhas filhas, isso é problema de vocês.
Vocês é que têm que defender as comissões de vocês. Eu não quero nem saber, não
estou nem aí. Mas não esquentem, é como lá na Academia, depois de um tempo as
coisas se ajeitam. Elas acabam se convencendo que eu não estou a fim. Vai ver
as de lá já estão até pensando que eu sou uma bichona enrustida, que não sai do
armário.
Como poderia ele estar a fim de qualquer outra
mulher, por mais linda que fosse, se estava completamente apaixonado, os quatro
pneus arriados, como nunca estivera na vida!... Ah, aquelas pobres tolas,
muitas delas até que pessoas muito legais, sem dúvida, muitas delas criaturas
atraentes e até fascinantes, como seriam elas páreo para Larissa Silva? Como
uma mulher comum, ou mesmo uma mulher fabulosa, pode ser páreo para um anjo? Impossível...
Na paixão por esse anjo
impossível, um anjo que gostava de um jumento – Espera aí, coitado do cara, eu
não posso descontar a frustração em cima dele, ficar com raiva do sujeito, ele
já estava lá antes, já era o dono do pedaço há muito tempo! – corrigiu-se
na hora Celso Teles: na paixão por um anjo que gostava de um leão bonitinho,
consumia-se Celso Teles noite e dia. Sofria e não sofria. Sofria pelo
impossível, mas alegrava-se pelo convívio diário com a musa dos seus sonhos. E,
reconhecia, não era só o deleite de poder contemplá-la inúmeras vezes por dia.
Acontece que Larissa era uma pessoa extremamente agradável, uma presença que
fazia bem, uma criatura que exsudava bondade e simplicidade. Como Gládis mesma
dissera:
– É tão bom estar perto da Fofinha, jefe! Ela não só
parece, ela é um anjo mesmo. Um anjo de bondade. Todas nós achamos isso. É só uma
meninota grande, uma fofura mesmo, uma pessoa sem maldade como eu nunca vi. Mamita diz que, volta e meia, tem
vontade de apertar a carinha dela com as duas mãos, com toda a força, e não
largar. E você sabe que eu nunca me engano com as pessoas, não é, Celso?
– Com certeza, Gládis. Se você diz, então ela
deve ser mesmo tudo isso...
CONTINUA
Nenhum comentário:
Postar um comentário