MILTON MACIEL
23
– CHANTAGEM, ABUSO, ESTUPRO
– Bem, não foi exatamente assim. A gente estava
enganchado, eu de perna aberta sentada na mesa do quarto dele, com os pés sobre
duas cadeiras, ele enfiando aquela ponta quente com cuidado para não forçar
nada, sempre fazendo aquela dança gostosa de vai e vem, mas não era o que eu
queria. Eu não aguentava mais, queria tudo. Então, de repente, eu fiz o que eu
tinha planejado fazer. De repente eu me abri toda, puxei ele com toda a força
pela bunda e me joguei, com toda a força também, para a frente. Ah, não deu
outra, a penetração foi total. Não senti dor nenhuma, só um prazer desgraçado.
E ele também assim que se refez da surpresa, começou a se mover diferente, um
vai e vem mais profundo e mais rápido e eu senti que ele gozou em seguida.
Senti que aquele líquido tinha esguichado todo dentro de mim, me senti mulher
completa pela primeira vez na vida.
– E ele?
– Ele ficou feliz, é claro, agora a gente ia
poder brincar como gente grande, todos os dias que desse. Era maravilhoso, eu
não saía mais da casa dele, era chegar da escola e tchum! Mas ele começou a ficar preocupado, com medo que eu
engravidasse. Só que eu ainda não
menstruava, mas, pela idade, a qualquer momento podia acontecer. E aí, eu já
podia ficar grávida. Era isso que ele me explicava.
– Bem, era só usar uma camisinha.
– É, mas o Leonzinho me ensinou um outro jeito,
muito seguro e muito mais gostoso...
O intenso afloramento da cor vermelha na face
linda denunciou o que viria. Gládis apenas arrematou:
– Ensinou você a virar de lado, não é,
bonequinha? E pelo jeito, você gostou.
– Ai, Gládis, eu morri de vergonha de ter
gostado tanto daquilo. Imagine o meu problema, se eu sabia que era uma
pecadora, uma impura, uma perdida, uma putinha, porque já estava dando pra um
homem antes de ter 12 anos. E como se não bastasse, agora estava dando a bunda
e gostando. Minha tia Christa tinha me falado que só as putas fazem isso, que
uma moça de família, que uma senhora casada decente, jamais se submeteriam a
essas “aberrações de sodomia”, como ela falava. Eu era a mais puta das putas,
por que eu adorava aquilo tudo que eu fazia cada vez mais. Inclusive as coisas
que nós dois fazíamos com a boca, que a tia tinha me dito que era horrível de
nojento e que só uma pessoa muito pervertida se degradaria a esse ponto.
– Uma bela filha da puta, essa sua tia! De certo não teve do bem bom e aí espalhou a sua
bílis amarga para que as outras não tivessem.
– Ai, Gládis, pobre da tia...
– Pobre um cacete, sua tola! Mais uma a
contribuir para a sua timidez e falta de segurança. Quando tempo você ficou se
depreciando assim, achando que era uma “depravada”?
– Ah... eu acho que sempre, que até hoje ainda.
E ficou muito pior quando aconteceu a pior coisa da minha vida de adolescente.
A coisa que realmente me traumatizou.
– E o que foi?..
– Bem, um certo dia, eu estava com doze anos e
meio, o pai do Leon, o Seu Adolfo, me chamou no escritório dele e fechou a
porta. Disse que precisava ter uma conversa comigo, de pai para filha, para me
orientar, por que eu já estava ficando uma mocinha. Eu sentei e fiquei
esperando aquela xaropada dos velhos, quando ele simplesmente me estendeu uma fotografia,
uma ampliação colorida 18 x 24. E eu senti tudo tremer à minha frente, quase
desmaiei.
– Por que?
– Porque a foto era minha, transando com o
Leonzinho, no quarto dele. Eu apoiada sobre a mesa com os cotovelos, o
Leonzinho entrando por trás, usando o nosso método anticoncepcional favorito.
– Menina!
– Eu entrei em pânico, senti que o meu mundo
tinha desabado de repente. Aquela foto ia parar nas mãos dos meus pais. E
depois da minha tia, da cidade inteira. E eu ia ter que sair da escola, talvez
me mandassem pra um internato num lugar distante, ia ser a puta mais falada do
lugar. E, pior do que tudo pra mim, ia, certamente, ser proibida de continuar
transando com o Leonzinho, a coisa que eu mais gostava na vida agora. E meu pai
ia me matar de tanta pancada...
– E então?
– Ah, Gládis, eu desatei a chorar desesperada,
debruçada na mesa dele. Nem percebi que ele deu a volta por trás da minha
cadeira. E então ele falou:
– Eu disse que ia falar com você como de pai
para filha. Eu compreendo o que acontece com vocês, na flor da idade. É claro
que o meu dever é mostrar essa foto para seus pais. E sei que o seu pai vai
moer você de tanta porrada. Mas o pior vai ser o escândalo na cidade. E na
igreja... Já pensou?
– Ali, deitada a cabeça sobre a mesa dele como
eu estava, eu chorei mais, pedi, supliquei, que ele não mostrasse a foto. Não
tinha coragem de olhar para ele, morta de vergonha e medo. Mas então ele falou
algo surpreendente, que me fez levantar a cabeça, parar de chorar e olhar para
trás:
– Mas há um jeito, um único jeito de poupar
você dessa desgraça toda. E até de você poder continuar suas brincadeiras com o
Leon. De ninguém, ninguém mesmo, ficar sabendo de tudo, fora eu. Olhe isto aqui...
– E, quando eu terminei de me virar, o velho
estava com o pau duro pra fora das calças, firme na mão dele. Ele respirava
ofegante, me olhava com desejo, com fogo nos olhos. E falou:
– Se o meu filho tem, eu também quero. O
negócio é o seguinte. Vou fazer de conta que não sei de nada, vocês podem
continuar com tudo como normalmente fazem. Mas, uma vez por semana, uma vez só,
eu quero você aqui no meu escritório me servindo do mesmo modo que serve ao
Leon. Por trás inclusive, que vi o quanto você gosta. Já pensei em tudo, você
vai vir aqui para ter, uma vez por semana, aula de alemão comigo. Pode deixar
que eu justifico pra seus pais o seu interesse. E agora você não tem tempo: é
pegar ou largar. Ou pega – e fazia sinal para o pinto dele – ou larga e eu vou
agora mesmo para sua casa mostrar a foto para sua mãe e seu pai.
– Filho da puta! Eu mato esse velho desgraçado!
– E eu não tive saída, Gládis. Peguei o pau
dele. Ele se serviu de tudo um pouco.
Contou como tinha assistido o que tinha fotografado, escondido dentro daquele
armário enorme do quarto do Leon, onde a gente brincou tantas vezes de
esconder, quando era mais criança. Aí foi descrevendo tudo o que eu fazia,
boca, frente, atrás, e exigindo que eu fizesse exatamente igual com ele. E, com
ele, tudo foi horroroso, Gládis. Eu me apertava toda e tudo doía demais. Foi um
ano inteiro de suplício, religiosamente uma vez por semana. E eu levava, por
ironia suprema, sempre, um calhamaço escrito a mão por ele, em alemão, para
estudar e decorar.
– E o Leon?
– Nunca soube de nada. O velho exigiu que eu
nunca mencionasse nada para o filho. E eu tinha medo que o Leonzinho achasse
que eu era mesmo uma puta, que ia com a pai dele porque gostava e, não, por que
era chantageada por aquele demônio maldito.
– Mas você mencionou que o suplício durou um
ano. Como foi que acabou?
– Acabou porque um dia, eu já com treze anos e
meio, fiquei esperta o suficiente para pensar em contra-atacar o maldito com as
mesmas armas dele.
– Fotografia?
– Isso mesmo. Primeiro convenci aquele diabo
velho que eu estava gostando muito mais com ele do que com o filho dele. Mas
que eu queria um espelho grande ali no escritório, para me ver sendo... é...
sendo...
– Enrabada por ele – falou Gládis, objetiva.
Larissa voltou a ficar vermelha de repente, mas
prosseguiu:
– É, essa coisa aí que você falou, ele por trás...
isso aí. E ele, muito vaidoso, mandou instalar um espelho enorme, nem imagino o
que ele disse para a mulher dele. Eu fingia um prazer imenso, enquanto
aguentava aquele desconforto, até o velho gozar. De novo a única coisa positiva
é que eu, que já menstruava há um bom tempo, não corria o risco de engravidar.
– E o espelho era para fotografar?
– Isso mesmo. Eu tinha que ficar debruçada na
mesa dele, enquanto ele me executava por trás. E eu via que ele fechava os
olhos no momento final. Então eu levei uma câmera Nikon digital, pequena,
naquele tempo ainda não havia os celulares com câmeras poderosas, como hoje. Minha
bolsa ficava sempre em cima da mesa, com os cadernos e os livros de alemão. Aí
eu aproveitei quando o velho estava no final, quase gozando, fechando os olhos,
e tirei a câmera da bolsa. Ele nem viu nada. Virei para o espelho e colhi
quatro fotos, sempre gemendo bem alto, para abafar o ruído do disparador da
câmera. E consegui devolver a câmera à bolsa antes que ele saísse de mim.
– Bela tática, garota. Você foi muito esperta
dessa vez.
– Ah, Gládis, Gládis, você não imagina o
nervoso que eu passei até poder me trancar no meu quarto em casa e olhar o
visor daquela máquina! E aí eu dei a maior sorte, as fotos ficaram perfeitas. O
velho, de calças arriadas no chão, o negócio dele bem visível em duas das
fotos, a cara nojenta super-reconhecível, o escritório, a mesa dele, tudo
refletido no espelho. Eu também, claramente reconhecível, minha cara voltada
para o espelho, a câmera na mão. Ah, eu tinha apanhado o desgraçado! Mas ainda
tive que esperar até poder arrancar dinheiro do mão-de-vaca do meu pai, para
comprar uma impressora fotográfica, para usar com o meu computador. Eu não
podia me arriscar a mandar processar aqueles arquivos em uma loja de fotografias,
é claro.
– Ah, eu só imagino a sua ansiedade nesses
dias, Fofinha.
– Extrema! Eu quase nem dormia, mal comia
alguma coisa, até que a bendita impressora chegou pelo correio. Sofri um pouco
para conseguir instalar o software.
Mas aí ela funcionou que foi uma maravilha! Que beleza, quatro esplêndidas
impressões em papel fotográfico brilhante, ficou um show.
– E aí? Eu já estou ansiosa agora para saber o
resto!
– Aí que chegou o grande dia, a quinta-feira à
tarde, duas e meia, depois que o desgraçado fazia a sesta dele e ia começar a
minha “aula” particular de alemão e do resto. Cheguei e joguei os cadernos e
livros com força na mesa dele, que estava me esperando sentado. Ele me olhou
surpreso e eu espalhei as quatro fotos sobre o tampo.
– Ai, como eu queria ser a tal mosquinha nessa
hora, menina!
– Ah, você precisava ver a cara dele! Aquele papel
branco amarrotado ficou mais pálido ainda, em seguida foi ficando vermelho,
quase roxo e o maldito explodiu numa ameaça:
– Sua idiota! O que pensa que está fazendo? Me
entregue isso e os negativos também. Que brincadeira é essa? Já pensou se
alguém vê essas fotos?
– Seu nojento, chantagista filho da puta! – foi
uma das poucas vezes que eu consegui dizer um palavrão assim – Câmeras modernas
são digitais, não têm filme, não têm negativos, seu retardado. E aí ele
compreendeu tudo enfim. No primeiro momento ele pensou que eu era a tarada que
fingia ser com ele, que tinha tirado as fotos para curtir junto com ele. Aí foi
só dar o tiro de misericórdia:
– Como?
– Eu falei que, se as fotos aparecessem, eu me
ferrava um pouquinho, mas ele estava acabado: eu era menor de idade, ainda não
tinha 14 anos, era chave de cadeia, como dizem. Mas falei, feliz da vida, que,
assim que meu pai soubesse que aquilo tudo tinha vindo de uma chantagem dele, ele
era um asqueroso morto. Valdemar Silva nunca perdoaria uma coisa dessas, sua
filha forçada a fazer sexo com um velho nojento daqueles. Ele começou a
gaguejar, me propôs comprar a câmera e o computador, ofereceu uma pequena
fortuna. Mas é claro que isso não me interessava. Tudo o que eu queria era
acabar com aquela situação desgraçada de ser escrava sexual daquele lazarento.
Disse que eu ficaria para sempre com o arquivo, que já o tinha salvado em disco
e outros meios, tinha apagado da câmera. Que não adiantava ele mandar alguém
entrar de noite na minha casa e roubar meu computador. E fui mais longe: disse
que não adiantava nem ele pensar em me matar ali naquela hora ou mandar me
matar depois, porque meus pais fatalmente encontrariam os arquivos onde os
deixei. E ele também virava defunto. Xeque-mate!
– Você se livrou enfim do maldito!
– Sim. E nunca mais falei com ele, exceto
socialmente. O ruim foi que eu parei de ir à casa do Leonzinho, não queria
topar com aquele monstro. O Leonzinho é que tinha que pular a minha janela de
noite. A gente passou a transar muito menos. Mas, depois de tudo o que eu tinha
passado com aquele diabo velho, sexo já não era uma coisa tão legal e tão
prioritária para mim. O meu fogaréu tinha baixado, já não era tudo novidade,
sabe como é?
– E o Leon? Nunca ficou sabendo da chantagem do
pai dele pra cima de você?
– Nunca. Ele nem pode sonhar, eu não quero.
Você, só você está sabendo agora. Você é a única pessoa neste mundo, além do
maldito e de mim, que ficou sabendo dessa coisa horrorosa. Nem mesmo o padrinho
sabe. E eu acho que seria uma ofensa a você pedir que nunca conte nada para ninguém,
não é?
– Meu amor, você vai aprender que quando Gládis
De Rios gosta de uma pessoa, ela gosta mesmo, é leal para toda a vida. E você,
neste momento, está oficialmente autorizada a ficar sabendo que Gládis De Rios
gosta muito, muito de você. Seu segredo morre aqui comigo.
Foi a gota d’água para Larissa. Toda a tensão
da longa confissão explodiu enfim e ela, como era de sua natureza, começou a
chorar compulsivamente, a ponto de Gládis ficar assustada. Levou Larissa para o
pequeno sofá da sala, enlaçou-a como vira Fúlvio Rondelli fazer tantas vezes,
começou a passar as mãos em seus cabelos loiros e longos, a falar coisas
suaves, a beijar seu rosto, a enxugar aqueles rios de lágrimas que fluíam sem
fim dos olhos de água-marinha, usando infindáveis lenços de papel.
A explosão durou mais de cinco minutos. Gládis,
inicialmente assustada, conseguiu enfim perceber que aquilo era a liberação de
uma energia de mágoa e sofrimento brutais, represados durante anos e anos, de
uma mulher que fora abusada e seviciada ainda menina, durante mais de um ano,
reduzida a zero em sua respeitabilidade e amor próprio. O que poderia ser mais horroroso do que estupro semanal com hora
marcada e roteiro definido?! Sim, por
mais que ela tivesse se conformado, aquilo era estupro, porque todo sexo
não-consentido é estupro. E ela nunca quis ter relações com aquele filho da
puta!
Enquanto contemplava o respirar arfante, o
subir e baixar do belo par de seios sob a blusa molhada de lágrimas, Gládis
pensou:
– Olha,
minha Fofinha, você ainda não pode saber, mas eu lhe faço um juramento aqui,
neste momento: eu vou resgatar você das suas fraquezas e dos seus medos. E tem
mais: eu vou dar um jeito de a gente castigar aquele amaldiçoado por tudo o que
ele fez de mal pra você. Ah, pode contar, ou não me chamo Gládis De Rios!
Se Adolfo Schlikmann tivesse o dom de adivinhar
o futuro, de ler as mentes humanas, certamente, nessa hora, ele teria tremido
de medo. Mas ele não tinha esses dons. E nem podia imaginar o como era perigoso
ter Gládis de Rios como inimiga.
CONTINUA
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