Fim do cap. 16: "Adolfo Schlikmann Afastou-se rapidamente rumo ao estacionamento. Sua úlcera mordia-o impiedosamente por dentro. Mas não se dobrou nem gemeu até estar sentado dentro do carro. Nunca iria dar esse gosto àquela gentinha! Por hoje já tivera o suficiente. Maldita negra! E não podia esquecer o olhar de gozação daquela outra moça, aquela sim, branca e bonita, que era a subgerente. Por que ela o havia olhado assim antes, muito antes que aquela humilhação toda tivesse acontecido com ele?"
Com a saída de Adolfo, seguido imediatamente
pela esposa Marion, sobrou para Leon escolher o automóvel novo do pai. Coerente
com o que afirmara de público, ele pediu que Jennifer fizesse a escolha tecnicamente,
sem considerar preços, Não precisava ser o mais caro, como sabia que o pai
preferiria. Mas que fosse o melhor, segundo o discernimento abalizado de uma
especialista.
Feliz da vida, Jennifer concluiu toda a
tramitação. Começava bem naquela cidade: uma vitória de gala sobre um racista
nojento e uma polpuda comissão logo no primeiro dia. Leon assinou os papeis e o
cheque para o pagamento à vista.
De repente, uma surpresa:
– Parabéns, Leonzinho, estou orgulhosa de você
– era Larissa que se abaixava sobre a cadeira e dava-lhe um beijo na face.
Se tivesse úlcera como o velho Adolfo, Celso
Teles teria se dobrado como um contorcionista e dado um urro de leão nessa
hora. Mas o leão vencedor era outro, era o Schlikmann.
– Oi, Larissa. Obrigado. Parabéns pelo carro?
Não vale, porque esse é para o velho. Eu vou seguir com o meu Porsche usado,
está mais do que bom.
– Não, seu bobo. Parabéns pela atitude! Pela
maturidade, ao dizer que quem devia escolher o carro era a Jennifer. E também
pelas coisas bonitas que você disse para ela. Eu adorei.
– Olha, pois eu adorei também. Adorei a moça,
meu bem! Você me conhece, sabe como eu sou... Mas essa aí me deixou de queixo caído.
Que cabeça! Que rosto,,, que...
– Que
bunda, seu tarado! – sussurrou, bem baixinho, uma sorridente Larissa, iniciando um diálogo em murmúrios – Ela
é linda mesmo. Eu também acho. Mas o que eu gostei de ver, o melhor de tudo,
foi como você enfrentou o seu pai com aquela frase. O velho ficou mais branco
do que nunca, depois avermelhou de pura raiva.
– Ah, sim. E raiva pra ele quer dizer dor na
úlcera, na mesma hora. É que o diabo do velho não demonstra, mais vai passar
horas a fio, agora, abaixo de remédio. E vai me encher o saco amanhã. Hoje eu
dou um jeito de voltar tarde para casa, só pro coroa não pegar no meu pé, o
desgraçado dorme com as galinhas. Mas, em compensação, acorda com os galos e
começa a encher todo mundo antes do café.
– E você? Se acertou com a Lúcia, a menina da
churrascaria?
– Não, já estou em outra. Você me conhece...
– É, Leonzinho, você é único. Se não existisse,
precisava ser inventado. Ainda bem, pra mim, que você existe na minha vida,
desde que a gente era uns catatauzinhos.
– Pois é, eu já ando com saudade das nossas
zoadas. Porque a gente não marca e sai pra fazer um amorzinho legal, sem ter
mais que fazer essa coisa careta de reatar noivado, como os velhos estão sempre
exigindo? Lá em casa já está um horror outra vez!
– Na minha casa também. Você não imagina a
pressão do meu pai. Está insuportável. Eles falam que nós somos loucos, mas
eles é que são os malucos, Leon. Botaram na cabeça que nós dois temos que casar
de qualquer jeito, desde que a gente é criancinha. Só nunca se importaram com a
vontade da gente.
– É, é como se a gente não contasse, fosse
transparente, dois abobados, dois marionetes que eles puxam pelas cordas para
onde querem. E olha que quase conseguiram fazer a gente casar, da última vez.
Eu já tinha entregado os pontos, ia casar e depois pedia o divórcio. Pelo menos
sossegava um pouco a ladainha e a encheção de saco de todos os dias, não acha?
Mas ainda bem que você sempre foi firme, sempre deu um jeito de cortar o barato
deles na hora mais perigosa.
– Mas você ajudava também, com as suas
galinhagens, não é?
– Claro. Ajudava por que eu sou galinha e
galinhava por que eu sabia que, entre nós, esse papo de compromisso, de
noivado, era só da boca pra fora, era só um jeito da gente ludibriar os coroas.
E, claro, de a gente poder transar à vontade, na boa, como a gente sempre fez,
desde que você era molequinha.
– Ah, essa era a parte melhor, seu bobo. Muito
legal. Também sinto falta. Acho que qualquer dia desses eu dou um alô e a gente
dá uma voltinha discreta. Tem que ser uma rapidinha, muito escondida, senão
esse povo todo já vem com a novela do “reataram o noivado, vão casar enfim”.
– Tá bom, vou esperar. Não esquece. E agora me
diz, de onde é que saiu essa delícia africana?
Encerraram o diálogo de sussurros e Larissa não
teve tempo de responder nada sobre Jennifer, porque padrinho Fúlvio fazia
sinal para que ela fosse até ele.
Quando Larissa se aproximou, ele disse:
– Aproveitou para fazer o pedido pro Leon?
– Ué, que pedido? Ah, sim, é mesmo, o negócio
do futebol! Obrigada padrinho, vou voltar e falar com ele agorinha mesmo.
E o
fez:
– Leonzinho, aquele seu timinho de futebol
ainda joga alguma coisa? Topa um desafio de jogar por cinco mil reais?
E, antes que Leon perguntasse o que era aquilo,
explicou rapidamente tudo o que ouvira de Celso Teles no domingo.
– Irado! O cara vai patrocinar um torneio num
campo que ele vai inaugurar em Amarante! Que demais, gata! Você acha que a
gente deve ir? Quer que eu vá com o time?
– Claro, seu bobo. Quero sim. Isto é, se você
não estiver com medo de perder para os meninos dos times da várzea...
– Até parece! Então tá bom, pode dizer que a
gente vai, eu garanto. Vou convocar o pessoal para treinar já amanhã no
campinho do clube. Se bem que, pra ganhar do Bandeirantes e do Nacional, não
precisa treino nenhum. Vamos tomar o dinheiro do homem na maior moleza. Vai ser
divertido. Vamos sim, pode garantir. E você vai ser a baliza da nossa torcida, OK?
– Seu bobo! Tá, vou torcer por vocês. E vou
falar pro padrinho, ele vai ficar feliz. Tchau.
Assim, naquele momento, com o comprometimento
do dono do time, ficou selada a participação do Delfim Futebol Clube no inédito
torneio da Teles Academia.
Que, por sinal, acabava de ser inaugurada, com
os bons equipamentos e a indispensável presença do professor Nelson. A notícia
correu como rastilho de pólvora pela cidade, sem necessidade sequer de um
anúncio de jornal.
É que a grande, a tantalizante novidade que
corria na frente era a existência, em breves dias, de DOIS campos de futebol em
Amarante, que jamais tivera um único campo decente. Na esteira dessa grande
novidade, corria a de que os campos pertenciam à nova academia da cidade,
propriedade do mesmo empreendedor paulista, dono da maior loja de automóveis de
Amarante. Então, se era do homem, daquele sujeito rico e com muita bala na
agulha, só podia ser uma academia de rachar o cano! Imagine-se a surpresa – e
satisfação – quando souberam que o paulista tinha comprado a academia do
Nelson, mudando-a para o novo endereço da rua Tuiuti num único fim-de-semana! E
que o próprio ex-dono continuava responsável pela parte técnica do negócio.
Isso suscitou uma nova onda de interesse pela
atividade e um grande número de curiosos procurou a nova academia. A maior
parte acabou se inscrevendo como aluno. Muitos antigos alunos retornaram e até
mesmo as Celsetes de semanas atrás
acabaram voltando quase todas.
Nelson sacudia a cabeça, aparvalhado. De
repente, já na primeira semana, ele estava com mais do que o dobro de alunos
que tinha quando do fechamento de sua anêmica academia. Tivesse esse número de
alunos sempre e teria se dado bem em Amarante. Mas agradecia aos céus: Graças a
Deus não tinha tido e isso lhe proporcionara a maravilhosa venda do negócio e a
breve feliz mudança para Miami, expectativa que empolgava cada momento de sua
nova vida.
Outra enorme novidade, esta já levada às
páginas do jornal local, foi a bomba da semana também: A inauguração dos campos
de futebol se daria no domingo 31, com um torneio triangular entre os três
times oficiais de Amarante. E os campos eram dois por uma razão que deixou
todos de queixo caído: o primeiro, o que seria usado no domingo para o torneio,
seria o campo de futebol masculino. O
outro, igualmente pronto, destinava-se ao futebol feminino! Então a cidade ficou sabendo que a Teles Academia seria
também uma escola de futebol para meninos e meninas, “dos 4 aos 80 anos”.
Mas isso não era tudo e a novidade mais
explosiva foi reservada para depois do fim do torneio, quando Celso faria seu
novo e inacreditável anúncio.
CONTINUA
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