MILTON MACIEL
26 – APANHAR DE MULHER!
Fim do cap. 24:"– Isso, mamita. E eu vou ser o d’Artagnan de saias. Aliás, de baby doll, não é Fúlvio?
O italiano engasgou, virou para o outro lado, fez que não tinha ouvido nada. Moça danada aquela! O tempo todo devia estar curtindo com a cara dele, seus olhares disfarçados para as coxas e a calcinha dela. Catzo!"
Naquela noite, lá pelas 10 horas, Rondelli foi
embora, tranquilo com a nova situação de sua menina. Estava longe das garras do
pai por enquanto e sendo cuidada com amor pelas duas espanholitas. Contudo, no
dia seguinte a reação de Valdemar Silva seria inevitável.
Na verdade, veio naquela mesma noite. Pouco
depois de chegar em casa, ouviu o vizinho chama-lo à porta de entrada. Já
preparado para isso, mandou que ele entrasse, o portão não estava trancado.
Quando Silva lhe perguntou se Larissa tinha vindo visitá-lo, Rondelli fingiu-se
muito surpreso. E isso convenceu o homenzinho que sua filha não tinha estado
lá.
Como precisava buscar a mulher na casa do
médico, onde a tinha deixado para os primeiros socorros, ainda de madrugada,
para não atrair a atenção de eventuais transeuntes e enquanto as empregadas de
sua casa ainda não tivessem chegado, decidiu que Larissa era problema para a
manhã seguinte. Ou talvez nem isso, se tivesse que levar a mulher para o
dentista em Blumenau ainda na mesma manhã. O Doutor Bernardo é que ia
determinar isso.
O doutor determinou que a paciente ficasse em
repouso em casa, por três dias, vítima que fora da “queda”. Que era uma
evidente bofetada daquele cafajeste do marido, a mulher não conseguira dar
nenhuma versão coerente de acidente e o tipo de lesão era sua velha conhecida,
tipicamente produzida por um murro muito forte na região atingida. Sorte sua, o
preço que iria apresentar àquele milionário sovina, mais do que o de uma conta
de honorários médicos normais, seria uma conta de sigilo profissional. E isso,
pelos padrões do doutor, valia umas dez vezes o valor de um socorro médico de
urgência, prestado noite adentro e em sua própria casa. Ah, aquele conserto do
Renault, que vinha sendo adiado todos os meses, estava garantido agora! Não via
a hora de poder procurar o italiano Rondelli, na nova firma onde ele trabalhava
agora, como mecânico.
Valdemar Silva teve, portanto, tempo e
condições para procurar pela filha fujona. Devia estar se borrando de medo da
surra que ia levar, aquela cagona desaforada, que tivera a audácia de lhe falar
aquelas barbaridades, de levantar a voz contra ele, e, inimaginável, de
arranhá-lo com as unhas daquele jeito. Isso não tinha perdão e aquela
maria-mijona ia ver com quantos paus se faz uma canoa.
Ainda mais agora, que, às oito da manhã,
entreouviu cochichos das empregadas, na cozinha:
– Tombo da escada nada, sua boba. Aquilo é
porrada na cara. E quem podia ter dado? Ora, é só olhar a cara do homem, minha
filha, toda unhada. Ela meteu as unhas na cara dele, levou um soco na cara.
– Eu duvido. Mais fácil ele ter batido nela e
ela reagido depois, no desespero, porque ela sempre se mijou de medo dele. Mas
não importa quem bateu antes, ali foi bateu, levou. Ai, menina, não vejo a hora
de contar isso para comadre Rosa Maria. Ela vai adorar essa fofoca.
– Xi, contar pra essa sua comadre é o mesmo que
botar no jornal e na rádio, minha filha. Hoje mesmo Amarante inteira fica
sabendo.
Silva ficou possesso. Saiu imediatamente à
procura da filha. Ah, aquela desmiolada, olha só o que ela tinha arranjado pra
ele. Que falassem que ele bateu na mulher, tudo bem, mulher tem mesmo que
apanhar de vez em quando, pra não perder o respeito. Mas daí a espalharem na
cidade que aquela songamonga foi capaz de agredir o marido, aí já era demais.
Homem que apanha da mulher só pode ser viado
enrustido. Valdemar estava muito mais furioso nesta manhã do que noite
anterior!
Onde poderia ter se enfiado aquela idiota da
filha? Se não estava com Rondelli, devia ter corrido para a proteção de Leon
Schlikmann. Ou, audácia das audácias, poderia ter ido para aquela firma de
automóveis, procurar o padrinho. Ah, mas se tivesse feito isso, a surra ia ser
maior ainda, ia ser de criar bicho. Pois ele a tinha proibido terminantemente
de voltar lá.
Então, embora não acreditasse que Larissa
pudesse estar na Teles Automóveis, resolveu passar primeiro por lá, antes de
ter que passar pelo constrangimento de ir à casa dos Schlikmann por esse
assunto. Mas, de qualquer maneira, o velho Adolfo era pai e era da linha dura
também, claro que ele compreenderia a atitude do pai de Larissa e a apoiaria.
Larissa, de fato, tinha ido de manhã cedo, às
sete e meia, para a empresa, com Gládis e Carmen. Elas a convenceram que era o
lugar onde ela estaria mais do que segura contra qualquer investida do pai.
Havia um monte de homens trabalhando lá, mais os seguranças. E mais Rondelli. E
mais Celso, que seria capaz de qualquer loucura para defender o anjo loiro.
Ainda assustada, Larissa concordou. De qualquer
forma, era com Gládis que ela se sentia segura. Quando entraram na firma, Larissa
viu Rondelli, que já estava na porta principal, esperando para ter um relato
completo sobre a noite da afilhada, por parte das espanholitas. Levou um susto
quando viu a menina descendo do carro delas.
– Minha filha, você aqui?
– Claro, Rondelli. Pense bem, onde ela pode
estar mais segura do que aqui com a gente?
– Tem razão, Gládis, toda razão, eu devia ter
pensado que vocês iam fazer exatamente isso. Muito obrigado. Vamos então, minha
filha, venha com o padrinho para a oficina.
– Não, Rondelli, de jeito nenhum. Hoje ele é
nossa, não vai pra sua oficina. Fica aqui, como vendedora que já é. E porque
aqui a entrada principal é guardada. Lá na oficina qualquer um pode entrar. E,
se esse qualquer um for o pai dela, você é que vai se incomodar. E sem
necessidade.
– Sem necessidade? Ora, eu é que não vou correr
desse confronto, menina.
– E a gente não sabe? Só que não vai ser
preciso. Deixe a menina com a gente, Fúlvio. Nós somos em quatro mulheres e há
o pessoal da segurança e da recepção.
– É, você têm razão de novo, espanholita. Deixo
meu tesouro nas mãos de vocês, então. Cuidem bem dela.
– Pode ir trabalhar tranquilo. Deixe tudo com
gente – completou Carmen.
Larissa entrou bastante intranquila, porque
tinha certeza que o pai ia parecer ali em seguida. Conhecia aquele homem
demais, infelizmente. E não achou, como as outras, que a presença de várias
pessoas inibiria uma ação violenta por parte dele.
Quando as outras moças, Paula e Jennifer,
chegaram às oito horas, Gládis e Carmen contaram a ela as novidades e fizeram
Larissa mostrar a marca vermelha no rosto delicado. Também elas ficaram
horrorizadas e revoltadas com a atitude covarde do pai daquela menina inocente
e indefesa. Que animal, bater daquele jeito numa criaturinha tão delicada e tão
da paz!
Larissa falou:
– Ai, eu estou com tanto medo, tenho certeza
que meu pai vai parecer aqui já, já. Ele vai aprontar um escarcéu, vai dar
vexame aqui na empresa. O chefe é capaz até de me mandar embora por causa dessa
baixaria na firma dele. Aí, sim, que o meu mundo acaba de vez... Ele já chegou?
– Não, meu bem, hoje ele vai vir só de tarde,
deixou a gente avisada ontem, vai para a obra da Tuiuti, hoje o amigão dele, o
japonesinho legal, vai embora para a cidade deles, em São Paulo.
– Ótimo, Jennifer. Melhor assim.
– Melhor? Hijita,
o que é que você está maquinando aí nessa cabecinha quente?
– Você sabe, mamita, fica quietinha, vamos mudar de assunto.
– Mas... e se o homem vier mesmo e armar o tal
do escarcéu, como a Larissa teme, como é que vai ser?
– Ora, Paula, aí eu resolvo tudo do meu jeito.
Podem deixar a coisa comigo, mamita
sabe do que eu estou falando. Vocês, por favor, levem a Fofinha para dentro, deem bastante serviço para ela, puxem no
treinamento, não deixem essa cabecinha bonita desocupada, para não pensar
bobagem, nem ficar com medo.
Aproximou-se de Larissa e deu-lhe um beijo
demorado na face:
– Pronto, agora vá com mamita e as meninas, deixe o resto por conta de sua amiga aqui.
Fique tranquila, você está completamente protegida aqui. Se o seu pai vier,
você nem vai ficar sabendo. Aliás, eu vou ficar bem por aqui, bem na entrada,
esperando. E rezando, pedindo a Deus que ele venha mesmo. E que venha logo.
As outras moças deviam ter notado que Gládis
vestia calça comprida de moleton, ao invés da saia normal; e que e não estava
com o casaquinho azul do departamento de vendas. Paula chegou a comentar com Carmen:
– Sua filha veio toda esportiva hoje. E notei
que ela está usando os sapatos de sapateado dela, os que ela usa pra dançar
flamenco. Vocês vão ensaiar alguma coisa aqui?
– Não, é que hoje ela está dispensada do
serviço de vendedora, está destacada para a segurança de Larissa. Aí ela
resolveu que vinha assim, porque disse que quer se divertir.
– Se divertir? Que estranho...
Mais Paula não comentou ou perguntou e Carmen
achou que já tinha falado até demais. Agora era torcer para que sua hijita soubesse o que estava fazendo.
Suspirou e sorriu. Ah, sim, sua menina, de cabecinha quente e coração mais
cálido ainda, normalmente sabia. Sua intuição ia sempre anos-luz na frente.
– Venham então, meninas, vamos lá pro nosso
setor, já estamos mais do que no horário. Gládis fica dispensada, como me
pediu, vai ser o nosso sabujo, o nosso cão de guarda, fica aqui perto da
entrada. Vamos, chicas. Ah, hijita, não esqueça de avisar o
segurança da entrada, descreva bem como é o homem que estamos esperando. Diga
para segurar o sujeito lá na portaria de entrada.
Gládis, com semblante sério, fez que sim com a
cabeça. Mas, assim que Carmen tomou distância com as garotas, virou o rosto
para outro lado e liberou ou um enorme sorriso de satisfação. Pois sim que eu vou avisar o segurança! E o cara cortar o meu barato,
estragar o melhor da festa? Não mesmo, deixa aquele macaco imundo entrar, é
aqui mesmo que eu quero ele. Eu já estava com esse filho da puta atravessado na
garganta desde antes dessa barbaridade que ele fez ontem. Agora então... Ah,
mas eu mal passo aguentar esta espera, tomara que esse merda venha logo.
De fato, menos de vinte minutos depois, ela viu
a cabeça grande a quase careca do asqueroso atrás do para-brisa do flamante
Mercedes zero que ele tinha comprado dias atrás, ali mesmo. Todo o seu corpo
vibrou de entusiasmo. Repassou rapidamente na cabeça o seu plano de ação,
estabelecido calmamente na noite anterior, enquanto rolava na cama, sem poder
dormir, pensando na covardia contra sua Fofinha.
Mas hoje era outro dia, estava mais do que tranquila, vingança é um prato que se come frio!
Valdemar Silva saiu do carro e caminhou rápido
para a entrada da loja. Gládis, por sua vez, saiu da loja e postou-se no
caminho dele. O homem vinha com cara de demônio, bufando, parecia um touro numa
tourada.
– Olé – falou baixo a espanholita – Que venga el toro!
– Minha filha está aí, por acaso? – falou,
ríspido, não disse sequer bom dia.
– Sua filha está aqui, sim. E não por acaso,
está aqui porque é obrigação dela, ela foi contratada, é nossa mais nova
funcionária.
Como esperava, o homenzinho, que já vinha
furioso, ficou completamente enlouquecido.
Isso,
tampinha, fica emputecido, perde de vez o controle, vê tudo vermelho! É assim
mesmo que eu te quero, feito um touro furioso. Olé!
– Aquela filha da puta! Moleca maldita,
empregada neste muquifo, recebendo um salário de merda, como qualquer
vagabunda. Ah, mas eu mato ela!
E começou a andar de novo para a entrada. Mas
Gládis bloqueou-lhe o caminho completamente, muito próxima a ele.
– Pra matar a menina, você tem que entrar aqui
primeiro. E eu não deixo.
– O que?! Você é louca, sujeitinha? Quem você
pensa que é? Sabe com quem está você falando?
– Sei, sim. Com um nanico covarde, um anão de
jardim metido a machão pra cima de mulher. Um covarde barrigudo, que bate na
filha e na esposa. Um merda, em resumo.
Como ela esperava, o baixinho se descontrolou
de vez a avançou com o braço direito levantado, punho cerrado, descendo um
enorme murro em direção à cabeça daquela cadela desaforada à frente dele. Foi
seu último momento firme sobre os próprios pés, na Teles Automóveis.
No segundo seguinte, ele viu o chão e o céu
rolarem em rodopio ante seus olhos. Seu corpo roliço e balofo foi lançado no
ar com enorme velocidade, girou e foi se
estatelar ruidosamente contra a calçada lateral de pedriscos, que guarnecia um
canteiro de rosas e tagetes. Uma toureira espanhola tinha passado a capa
vermelha e deixado o touro enfurecido demais. Quando este avançou com ímpeto,
ela apenas tomou do seu braço que descia com toda a força, interpôs seu corpo
gracioso no caminho, curvado, e puxou o braço com a sua mais limitada força de
mulher.
Mas a força do homem era mais do que suficiente, para, bem administrada
pela mente tranquila e o corpo treinado da oponente, fazê-lo subir no ar e
rodopiar, até se esborrachar contra as pedras do calçamento, que fizeram em sua
cara, pescoço, braço direito e mãos um estrago muito maior do que as pequenas
unhas pontudas de Larissa conseguiram fazer na noite anterior.
Num primeiro momento, sentindo falta de ar e
dificuldade para respirar, dor por todo o corpo, o homem não atinou com o que
tinha acontecido. Chegou a pensar que tinha tropeçado e caído, tal a violência
com ele tinha atacado aquela desgraçada. Mas, quando a viu em pé ao lado dele,
rindo e debochando, fazendo sinal para que ele levantasse e falando o que
falou, foi que compreendeu que ela é que o tinha derrubado:
– Vamos, seu nanico. Levanta pra apanhar mais.
Gosta de bater em mulher? Que tal é apanhar
de mulher? Levanta daí, seu covarde,
tá com medo, tá se borrando, tá?
Outra vez a toureira passava a capa vermelha nos
olhos do touro, que enlouqueceu de novo. O homem fez um esforço enorme e
começou a se erguer, aquela puta ia ver agora, agora ele não ia ser apanhado
desprevenido. A maldita tinha tido sorte, mas nenhuma mulher tinha força para
enfrentar um caminhoneiro musculoso como ele. Ela ia ver!
Mas quem viu foi ele. Viu um pé com um sapato
enorme, pesado e esquisito, que atingiu a sua cabeça em cheio, impedindo-o de levantar
e arrojando-o outra vez contra o pedregulho miúdo. Tudo ficou escuro e começou
a rodar, a dor na cabeça era horrível. Mas o touro era forte e não perdeu a
consciência, pôde ouvir aquela voz infernal a provocá-lo de novo:
– Levanta, baixinho preguiçoso. Quem mandou
você deitar pra dormir? Ainda tem que apanhar mais, pra aprender a nunca mais
bater em mulher.
Nessa hora o segurança da portaria e o do
grande saguão já tinham chegado e estavam parados, boquiabertos, obedecendo a
sinalização de Gládis que, linda, sorridente e sem um arranhão, sem nem mesmo
um amarrotado sequer na roupa, os mandou parar. Outras pessoas chegavam,
atraídas pelo ruído das quedas e do pontapé, dos berros de Valdemar.
Atingido em seus brios de macho, ao se ver no
chão, prostrado vergonhosamente por uma mulher na frente de toda aquela gente,
Valdemar Silva buscou suas últimas reservas de força e começou a levantar de
novo.
Antes não o tivesse feito! Agora o pé com o
sapato feio, com aquele enorme tacão, foi se alojar, com força inaudita, bem no
meio de suas pernas. A dor foi transfixante, insuportável, a cabeça girou, a
respiração desapareceu, as cólicas fizeram-no enrolar-se sobre si mesmo, o
vômito subiu trazendo de volta o lauto café da manhã.
Nessa hora todas as moças, inclusive Larissa,
já tinham sido testemunhas oculares da refrega. Carmen sorria satisfeita. E
orgulhosa. Esta hijita! Que coisa
mais bem-feita praquele crápula. Exatamente como ela tinha lhe dito que faria.
Larissa olhava horrorizada. Tinha horror de
violência, mas estava apavorada de medo do que o pai poderia fazer contra
Gládis depois, com capangas armados. Mas, mesmo assim, não podia deixar de
saborear a derrota daquele covarde, que tinha batido tanto nela durante toda sua
vida, reduzido a nada pelas mãos bonitas e delicadas de Gládis de Rios. Não, na
verdade, se estava entendo o que tinha acontecido, não fora pelas mãos
delicadas não, fora pelos pés calçados com terríveis sapatos pesados,
verdadeiras armas de destruição em massa.
Ah, Gládis, como você podia ser tão maravilhosa,
tão segura, tão forte, tão corajosa, tão vendedora, tão vencedora, e ter
somente os mesmos 23 anos dela, Larissa, que se sentia uma completa pamonha,
uma molengona covarde e medrosa, que nunca tinha trabalhado. Ah, Deus tinha
sido muito bom com ela. Dera-lhe padrinho Fúlvio para aliviar os sofrimentos em
sua infância e para protegê-la. Agora dava-lhe Gládis de Rios para protegê-la e
vingá-la como um cavaleiro andante. Um cavaleiro andante de saias. Não, lembrou
da noite anterior, um cavaleiro andante de baby
doll. Mas corrigiu-se: não, um cavaleiro andante de moleton e sapatos de
chumbo.
Enquanto todos olhavam perplexos Valdemar Silva
estrebuchar no chão e obedeciam o sinal imperioso de Carmen para que ninguém se
aproximasse para socorrê-lo ainda, só alguns poucos viram que Gládis afastou-se
e caminhou muito rápida para o carro
novo do homenzinho prostrado. Abriu a porta do lado do passageiro e entrou com
a cabeça e o tórax somente. Fez alguma coisa lá dentro e voltou tão rápida
quanto tinha ido.
Chegou a tempo de ver que o touro era ainda
mais forte do que parecia. O baixinho retaco começava a ensaiar movimentos para
levantar. Não chegou a ficar completamente em pé, mas, numa cena meio em câmera
lenta, que lembrava um filme mudo de comédia, cambaleou e avançou aos tropeções
contra a maldita mulher que o desgraçara ante todo aquele pessoal ali. Viram
então que ele levava uma enorme pedra na mão, que mal cabia dentro dela.
Larissa deu um grito de pavor. Os homens
fizeram menção de segurar o sujeito retaco enlouquecido. Mas outra vez Gládis
De Rios impôs-lhes silêncio e imobilidade.
– Podem deixar, vai ser pior pra ele.
Valdemar tentou arrebentar a cabeça da
amaldiçoada com a pedra, mas ela se esquivou e ficou rindo dele. Trôpego, vendo
que não ia conseguir bater direto com a pedra, ele ainda conseguiu arremessá-la,
com toda a força que ainda lhe restava, contra a maldita.
Gládis, sempre rindo, esquivou-se de novo com a
maior facilidade. A enorme pedra passou sobre sua cabeça e foi se abater sobre
algo metálico poucos metros à frente: o capô do Mercedes zero quilômetro do
homem que a arremessara com intuitos assassinos. A pedra rolou, detonando a
lataria e foi estourar o para-brisa, onde fez um estrago tremendo, deixando uma
feia teia de riscos no vidro temperado de alta qualidade.
Completamente fora de si, Valdemar Silva correu
cambaleante para seu carro. Todos pensaram que era por causa do dano infligido
ao veículo. Todos menos Gládis, que já sabia o que esperar a seguir. De fato, o
homem abriu sua porta, jogou o corpo para dentro, ficando com as pernas para
fora, e retirou algo do porta-luvas. Saiu do carro com um revólver 38 na mão.
– Agora você vai ver, sua puta de merda, vadia,
vagabunda!
Larissa gritou outra vez, estremeceu e
desmaiou, sendo amparada por Carmen. Era demais para ela. Contudo, voltou a si segundos depois. Todos ficaram apavorados. Um dos seguranças, com
maior preparo técnico, sacou do revolver também e enquadrou Valdemar Silva.
Mas a reação de Gládis de Rios deixou a todos
desnorteados, inclusive o próprio guarda, inclusive o enlouquecido Valdemar Silva:
– Calma, não se assustem. Pode baixar a arma,
Dagoberto. Esse porcaria não vai atirar, é muito covarde. E, se atirar, erra
todos os tiros. Isso é só um merda, o mesmo merda sem revólver ou com revólver.
Pela quarta vez, a capa vermelha deixou o
touro completamente fora de controle:
– Sua filha da puta, eu te mato nem que seja a
última coisa que eu faça na vida.
E encostou a arma no seio lindo de Gládis.
– Mata nada, gente, isso aí é um ridículo, um cagão,
anão de jardim, palhaço.
CONTINUA
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